31/Oct/2023
Os dados evidenciam a tendência do início do fim do bônus demográfico (quando a proporção de jovens, a população economicamente ativa, é maior do que a de idosos e crianças, elevando as chances de ganhos no Produto Interno Bruto). Esse movimento começou há cerca de 50 anos e perderá seus efeitos a partir de 2030 ou mesmo antes, quando a maior parcela da população já será de idosos, aumentando a pressão sobre os gastos de saúde e previdência social. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), esse meio da pirâmide, mais inchado, é o bônus demográfico, um grupo etário enorme com possibilidade de produção. À medida que essas pessoas envelhecem, que esse grupo vai se tornando idoso, não vem um novo grupo tão grande assim para substituí-lo, uma vez que a base da pirâmide já é mais estreita. Ou seja, haverá um grupo menor tendo de produzir muito mais para sustentar parcela maior de idosos.
As Regiões Norte e Nordeste são as mais jovens do País: 25% e 21% da população, respectivamente têm até 14 anos. As regiões mais velhas são Sudeste e Sul, com percentuais de idosos de 12%. A idade mediana também reflete essa situação; ela é de apenas 26 anos em Roraima e chega a 38 anos no Rio Grande do Sul. Até a década de 1940, o País registrava altas taxas de fecundidade e mortalidade, mas os frequentes avanços da medicina permitiram o aumento da expectativa de vida. Com a redução dos níveis de mortalidade e a manutenção dos altos índices de fecundidade, o ritmo do crescimento populacional aumentou. Apresentou seu maior pico na década de 1950, com taxa média de crescimento anual de 2,99%. No começo dos anos 1960, inicia-se lentamente o declínio dos níveis de fecundidade e, a partir dos anos 1970, já é possível verificar a redução do crescimento populacional. Em 1940, quando a população era de 41 milhões de pessoas, o desenho era o da pirâmide clássica, com a população mais jovem bem maior.
Essa estrutura se mantém até o fim da década de 80, quando começa a cair significativamente o número médio de filhos por mulher. A pirâmide, então, começou a ficar cada vez mais estreita. A queda da fecundidade é fortemente relacionada a fatores econômicos e de gênero. Numa sociedade rural menos desenvolvida, o custo de um filho é baixo e os benefícios de ter muitos filhos são altos (porque eles podem trabalhar no campo e amparar os idosos). Já numa sociedade urbana, industrial, o custo dos filhos é bem mais alto. E a questão de gênero ganha cada vez mais peso nessa equação. Cada vez mais mulheres optam por se dedicar à carreira e adiam a gravidez e têm menos filhos. Muitas escolhem não ter filhos. A escassez de serviços gratuitos de apoio à maternidade, como creches, também contribui para a decisão. Como em países de todas as regiões do mundo (exceto, por ora, a África), a combinação da queda da natalidade e da alta da longevidade impõe ao Brasil um desafio inédito, mas inexorável e massivo.
Como mostra a série de censos do IBGE, o crescimento populacional está se desacelerando e em meados do século a população começará a encolher, ao mesmo tempo que envelhece rapidamente. Uma sociedade menor e mais velha impacta diferentemente cada pessoa e impõe desafios imensos e complexos a todas as dimensões da vida coletiva, da economia à política e à cultura. Como fomentar uma cultura comunitária que promova uma terceira idade digna, produtiva e criativa? Como combater estereótipos e a discriminação de pessoas em razão de sua idade (o “etarismo”)? Como adaptar as cidades (infraestrutura, moradia, lazer, transportes)? Como financiar essas adaptações e compensar as perdas na força de trabalho e capacidade de inovação? Em termos de políticas públicas, duas áreas são cruciais: previdência e saúde. Em relação a esta última, especialistas afirmam unanimemente que o Brasil não só não preparou seu sistema de saúde, como nem sequer está devidamente consciente do problema.
Um levantamento do Centro Internacional da Longevidade, por exemplo, mostra que, dos 37 partidos brasileiros, só em 2 ou 3 o tema do envelhecimento entra na pauta. Apenas 10% das escolas médicas têm uma disciplina de geriatria. O Brasil tem cerca de 2,6 mil geriatras, mas a Sociedade Brasileira de Geriatria estima que o déficit desses profissionais seja de 28 mil. Apesar disso, segundo o Instituto de Estudos para Políticas de Saúde, na última década a taxa de especialização em geriatria (0,7%) manteve-se estável e a estrutura hospitalar ficou defasada: na contramão da demanda, o número de leitos em instituições de longa permanência ou reabilitação caiu de 0,6 a cada mil idosos para 0,4. Os especialistas apontam um verdadeiro ecossistema de desafios. Um deles é o aumento da prevalência de doenças crônicas, como hipertensão e diabetes, e osteoarticulares, que impactam a qualidade de vida e a funcionalidade dos idosos. Outro é o aumento de tumores, consequência do envelhecimento das células.
O cenário epidemiológico do câncer exige equipar o sistema hospitalar para diagnosticar tumores mais precocemente e tratá-los com as melhores tecnologias. Similarmente, os sistemas de saúde e assistência social precisam se preparar para prevenir e tratar casos crescentes de demências e outros transtornos típicos de idosos. Como adverte a Organização Mundial da Saúde (OMS), um sistema de cuidados de longo prazo deve ser centrado na pessoa, reconhecendo a heterogeneidade de experiências na terceira idade, e integrado, coordenando diferentes níveis de cuidado (atendimento hospitalar, reabilitação, cuidados paliativos e terminais) e complementando cuidados ambulatoriais com intervenções domiciliares. Profissionais de saúde são tradicionalmente treinados para reagir a demandas de saúde prementes e pontuais, mas o envelhecimento populacional exige aprimorar conhecimentos e habilidades holísticas para lidar com problemas crônicos e multicomorbidades.
Isso implica a formação de equipes multidisciplinares treinadas em comunicação e cooperação. Além do sistema de saúde stricto sensu, políticas de prevenção envolvem a conscientização de adultos, incentivando-os a adotar hábitos mais saudáveis e exames preventivos, e é preciso engendrar políticas sociais para amparar as famílias no cuidado de seus idosos, especialmente as mulheres, que costumam ser sobrecarregadas. Há ainda a questão de como financiar essas adaptações. Dado o crescente encolhimento da população jovem e o aumento da idosa, um caminho óbvio é a transferência gradativa de uma parcela dos recursos da educação para a saúde. O envelhecimento populacional é uma realidade inexorável, mas o Brasil está atrasado. Os desafios na saúde e outras áreas exigem pesquisas e mobilizações multissetoriais continuadas para desenhar um novo “mapa da vida” e trilhá-lo com dignidade. Fonte: Broadcast Agro. Adaptado por Cogo Inteligência em Agronegócio.