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17/Oct/2023

Região Centro-Oeste reduz a desigualdade social

Desde que o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) começou a abrir os dados trimestrais de crescimento do PIB, não houve um período sequer no qual o agronegócio não tenha crescido mais do que o resto da economia do País. Tamanha injeção de dinheiro por anos a fio, nos Estados que respondem por mais da metade da produção agropecuária brasileira, começa a se refletir também na queda da desigualdade social, medida pelo índice de Gini. Após ultrapassar a Região Sudeste no indicador de todas as rendas do trabalhador e manter a conquista nos últimos cinco anos, a Região Centro-Oeste caminha agora num movimento no qual pode liderar o índice no País, superando o da Região Sul, segundo economistas. Num primeiro momento, o impacto foi de geração de riqueza em Estados que tinham pouca participação no PIB. Segundo levantamento da consultoria MB Associados, considerando as projeções para 2023 e 2024, Mato Grosso deve crescer 782% desde 1986, quando o IBGE começou a disponibilizar os dados de PIB estaduais.

Mato Grosso do Sul também aparece na lista dos cinco maiores crescimentos entre os Estados, com alta de 307% no período. Eles dividem a posição de maiores altas percentuais com Estados da Região Norte, que foram beneficiados por outros fatores, além do agronegócio. Além da base pequena de comparação, o crescimento do Amazonas foi estimulado pela Zona Franca de Manaus no período e Roraima e Amapá tiveram a entrada massiva de migrantes de diferentes países latino-americanos. Esse movimento fez com que a participação da Região Sudeste na geração de riqueza do País caísse de 56,1%, em 2010, para 51,9%, em 2020. Por outro lado, a do Centro-Oeste foi de 9,1% para 10,4% no mesmo período. As outras regiões também ganharam em torno de 1% de participação no PIB. Segundo a B3, há uma tendência clara de descentralizar a produção de riqueza, com as Regiões Sul e Sudeste perdendo força e a Região Centro-Oeste, que é pujante há muito tempo, ganhando peso. Por ser uma região muito produtiva, criam-se externalidades positivas claras, principalmente ligadas à renda e era evidente que, uma hora, os bons indicadores em outras áreas começassem a aparecer.

Gerada a riqueza, dizem os economistas, a tendência é que seus benefícios se espalhem de maneira generalizada por toda a economia. Com os índices sociais melhorando, a expectativa de vida, a saúde e a educação na Região Centro-Oeste têm se aproximado rapidamente da Região Sul, que tem história de décadas de desenvolvimento e produção industrial, salienta a MB Associados. O IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) das duas regiões já é parecido e não é de se admirar se, até o fim da década, o índice de Gini da Região Centro-Oeste ultrapassar o da Região Sul e se tornar o maior do País até o fim da década. É uma promessa que, ao olhar os últimos 30 anos, tende a se cumprir. No ano passado, a Região Sul liderava o índice de Gini medido por todas as rendas do trabalhador, com a marca de 0,43 (quanto mais próximo de zero, menor a desigualdade social). A Região Centro-Oeste tinha 0,473 no indicador e a Região Sudeste, 0,479. A Região Nordeste tem a pior classificação, com a marca de 0,501. Individualmente, os Estados da Região Centro-Oeste têm índices bem próximos aos do Sul, mas o número é distorcido pelo Distrito Federal, onde o salário do funcionalismo público aumenta a desigualdade.

Essa melhoria da condição de vida da população não é uma situação pontual, causada por um governo. A tendência de mudança vem lá de trás e, na educação, que é uma área em que os resultados aparecem no longo prazo, começou a mudar há mais de 20 anos. Goiás, por exemplo, se inspirou no Ceará e viu a evasão escolar recuar 54% em quatro anos e os Idebs (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) têm melhorado constantemente. Com a melhoria das condições econômicas da região, até mesmo os fundos constitucionais de financiamento, criados no Orçamento da União para ajudar no desenvolvimento econômico e social das Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, teriam de ser rediscutidos. O Centro-Oeste não é mais uma região pobre. Uma das ameaças à continuidade do crescimento pode ser o acirramento das condições climáticas extremas, que têm impacto direto no agronegócio. Se, por um lado, há investimentos e iniciativas que marcam avanços profundos, de outro há resistências à transformação e dificuldades de todas as ordens.

Em Cuiabá (MT), por exemplo, há crianças que não querem receber tablets e internet cedidos pelo governo do Estado porque terão de fazer lição de casa extra. Em Goiânia (GO), há filas de empresas para serem incubadas no Parque Tecnológico Samambaia, que por anos não conseguiu acesso a financiamento público e cresce por "rajadas" e sem ter como fazer muito planejamento. Em Campo Grande (MS), houve resistência ao registro e ao acompanhamento de métricas de saúde, assim que os sistemas foram implantados. Em empresas de todos os setores, principalmente em indústrias mais tecnológicas, a falta de mão de obra é uma constante, seja ela qualificada ou não. Profissionais são trazidos de outros Estados para todas as funções. A SoluBio, em Jataí (GO), enfrenta falta de energia elétrica, por exemplo, tendo que acionar geradores, ao custo de R$ 1 mil por hora. Os desafios em todos os sentidos são muito grandes. Para a SoluBio, vai ser interessante ver se essa mudança acontecerá mesmo. Em 2021, o grupo de empresários Mato Grosso em Evolução contratou a consultoria Falconi para um diagnóstico sobre a educação no Estado.

A descoberta foi meio óbvia: faltava aos alunos a proficiência, ou seja, aprenderem os conteúdos de suas séries, mas o movimento foi além. Em parceria com o governo estadual, estruturaram uma ampla reforma no sistema de ensino que estabeleceu a meta de colocar a educação do estado de Mato Grosso como uma das cinco melhores do País, num prazo de dez anos. A partir daí, foram estabelecidas 30 políticas públicas, sendo a primeira delas o sistema estruturado de ensino. Formado por uma plataforma digital conectada ao material didático, ele abriga também formação de professores, avaliação permanente dos alunos e assessoria pedagógica e de gestão. O sistema está a cargo da Fundação Getúlio Vargas (FGV), que participou da licitação realizada no modelo de contrato de impacto social. Nele, a instituição só recebe se forem cumpridas as metas de melhoria da qualidade da educação, verificadas por um auditor externo. No primeiro teste dos alunos, feito no início do ano passado, a nota média ficou em 4,29 de 10. No fim do ano, havia ido para 5,1, com crescimento de 18,9%.

Os primeiros anos do Ensino Fundamental melhoraram sensivelmente o desempenho, enquanto os anos finais do Médio sofreram um pouco mais. O Brasil avançou muito no processo que permite acompanhar o aprendizado de forma global, mas não consegue usar essas informações para fazer a gestão pedagógica e melhorar os indicadores, afirma a FGV, que está implantando o projeto inédito. A ideia é concentrar no que é mais importante: a aprendizagem dos alunos e a formação dos professores, e deixar a gestão dos equipamentos, como a reforma do telhado, o jardim da escola, o ar-condicionado, a cargo do Estado. Para o poder público, a ferramenta se tornou uma bússola de trabalho. Segundo a Secretaria da Educação de Mato Grosso, nunca houve um planejamento de melhoria, nem um estudo técnico que apontasse a deficiência da aprendizagem ou mostrasse onde estavam os gargalos e dificuldades. A prioridade é a efetividade da aprendizagem do aluno e, em paralelo, há vários processos que buscam outras melhorias. Num primeiro momento, houve uma readequação do orçamento.

A Secretaria realocou o investimento de formação de professores e material didático, por exemplo, para o sistema estruturado de ensino, no qual já paga por isso. Também aderiu a alguns programas do governo federal que trouxeram verbas, como o de escolas em tempo integral. Com o fôlego inicial do contrato de impacto social, pôde usar os recursos para necessidades urgentes, como reformas e ferramentas de trabalho. Apesar da melhoria nas notas, o primeiro ano de implantação foi difícil. Num Estado com grande extensão territorial, levar material didático bimestralmente a 664 escolas e mais de 320 mil estudantes, em cidades a 800 quilômetros de distância da capital ou a aldeias indígenas, foi um grande desafio logístico. Hoje, o material é entregue com 15 dias de antecedência do início do bimestre, algo que não era possível fazer com o PNLD (o programa do livro didático do governo federal). A maior resistência, porém, esteve dentro das salas de aulas e veio tanto de professores quanto dos próprios alunos. Um dos principais desafios é quebrar a barreira do planejamento das aulas, antes todo feito em cima do livro didático, para o sistema apostilado e com diferentes recursos tecnológicos.

Também submeter os alunos a testes constantes, entender suas dificuldades e atuar imediatamente no problema. Também é muito importante sair da avaliação punitiva para aquela que ajude a entender o que é preciso melhorar. Havia resistência às avaliações porque ‘os alunos só iam tirar zero’, segundo avaliação de um professor. A verdade é que não havia exigência e sair da zona de conforto gera questionamentos. Assim, as reuniões pedagógicas a cada 20 dias foram intensificadas, com metas e iniciativas a serem cumpridas. Em algumas escolas, há treinamentos semanais para os professores usarem as plataformas digitais. Recentemente, as avaliações passaram a ser feitas no Google Forms para economizar com papel e impressão. Os professores achavam que era muito difícil e não saberiam fazer. Mas, agora, os professores reconhecem a agilidade e os benefícios, pois não terão de corrigir as provas inteiras já que, nas questões de múltipla escolha, os resultados saem sozinhos. O que gera o preconceito é o desconhecimento.

Para estimular o engajamento dos educadores, a remuneração também foi reestruturada. O governo cobra muito, mas os professores estão ganhando mais. Há muitos professores de fora do Estado sendo atraídos pelo salário. Agora, o processo de seleção para os cargos de gestão é bastante disputado. Com a readequação do orçamento para educação, a Secretaria conseguiu alocar verbas à infraestrutura das escolas. Assim, 120 unidades estão sendo reformadas, com investimentos de R$ 268 milhões. O fornecimento de materiais permeia as políticas integradas de educação. Os professores foram os primeiros a receber verba pública para a compra de computadores e uso de internet, ainda durante a pandemia. As escolas passaram a contar com chromebooks, uma espécie de notebook que roda sem software proprietário, que são agendados para uso em sala de aula. Já os alunos do primeiro ano do ensino médio passaram a ter à disposição um chromebook e internet para cada um.

E aí há um exemplo claro do desafio enfrentado pelos educadores. Os alunos gostam é do TikTok, mas criar a cultura de usar o computador como aprendizado não é brincadeira. Isso porque a cessão do equipamento e da internet está condicionada a duas horas diárias de exercícios a serem feitos no contraturno. A adesão dos alunos, num primeiro momento, foi baixa. Mesmo com vários esforços, alguns alunos não aderiram ao sistema. A realidade social também pesa. Entre as diferentes formas de engajar os alunos, principalmente nas avaliações que agora são obrigatórias e fazem parte das notas, são oferecidos pequenos prêmios (como brindes e sorvetadas). Essa é uma maneira de estimular a participação dos alunos e a começar a criar a cultura de avaliações. Até então, Mato Grosso tinha participação tão baixa no Saeb que não conseguia o número mínimo de alunos para fazer parte do sistema. A avaliação é um termômetro da qualidade do aprendizado e os alunos não vinham à escola nas provas, os pais não mandavam os filhos, ninguém dava importância.

A Secretaria de Educação buscou criar o ritmo e a cultura das avaliações. No último teste bimestral, a adesão superou 94% e foi comemorada. Outra forma de estímulo aos alunos foi um programa que teve como prêmio um curso de inglês na Inglaterra, dado aos melhores 100 estudantes da rede pública. Além de aulas, passagem e moradia, eles ganhavam 200 libras para gastar por semana. No próximo ano, a expectativa é que 200 sejam enviados. Com reflexo em todo o sistema, atenção à saúde básica melhora mais na Região Centro-Oeste. Segundo dados do Projeto de Avaliação do Desempenho do Sistema de Saúde (Proadess), o número de óbitos maternos por 100 mil nascidos vivos, que estava em 65 em 2018 em Mato Grosso do Sul, foi a 128 em 2021, ano com os últimos dados disponíveis. Foi o que acendeu o alarme para a prioridade a um programa de treinamento, que durará um ano, terá 10 oficinas e recebeu R$ 2 milhões em investimentos do Estado. Também é apenas uma iniciativa do trabalho que tem feito os resultados da atenção básica à saúde de todo o Centro-Oeste melhorarem mais do que os do País, ao longo dos últimos anos.

As internações por condições sensíveis à atenção primária caíram de 32,8% em 2000 para 16,4% no ano passado, na região. No Brasil, está em 17,6%. Em Santa Catarina, Estado com alguns dos melhores indicadores na área, é de 15,7%. Segundo a Secretaria de Saúde do Mato Grosso do Sul, o investimento em atenção básica resolve de 85% a 90% dos problemas de saúde de um território. Há mais de 20 anos, a saúde básica estava longe de ser uma prioridade. Havia pouco mais de 100 equipes, formadas por técnicos de saúde, enfermeiro, médico e agentes comunitários, para cobrir todo Estado. As mudanças começaram em 2007, quando foi formada uma coordenação que juntou várias áreas de atendimento, como saúde da criança e do adolescente, da mulher, do idoso, prisional e indígena. Hoje, o sistema de atendimento básico chega a 87% da população de Mato Grosso do Sul e há uma coordenação para o sistema. Como a saúde pública é operada por municípios, gerida pelo Estado e tem as diretrizes estabelecidas pelo Ministério da Saúde, os resultados vêm sempre no longo prazo e a melhoria muitas vezes acontece com atropelos. Mas, o governo federal também passou a dar maior prioridade à área nesta gestão, com a criação de uma secretaria específica para cuidados básicos.

Historicamente, Mato Grosso do Sul teve gestores reconhecidos pela importância no avanço do SUS (Sistema Único de Saúde). Mas, no pós-pandemia, a reorganização do sistema público tem se dado em todo o País. Além de parcerias com a Organização Pan-Americana da Saúde (Opas), em Mato Grosso do Sul foram feitas parcerias com entidades como o hospital Albert Einstein para tele consultas, em municípios nos quais não há especialistas como cardiologistas, endocrinologistas e reumatologistas. A ideia é que, além de atender à população, o sistema também ajude a treinar os próprios médicos generalistas que estão nos pequenos municípios no interior do País. Entre março do ano passado e agosto deste ano, foram feitas quase 2 mil consultas desse tipo, em 20 cidades. Agora, o sistema será ampliado para 100 pontos de atendimento. Nesse caso, foram dadas prioridades às regiões de fronteiras para que possam ser atendidos tanto as populações indígenas quanto os imigrantes da fronteira.

Na hora de ganhar bebê, os bolivianos e paraguaios querem vir para o Brasil. Para atendê-los e a imigrantes de outros países que temem procurar a saúde pública por medo de deportação, também foram implantados diferentes protocolos, desde vacinações ao atendimento médico. Outra mudança recente foi a prioridade dada a métricas. Entre diferentes medições de resultados e eficiência, o sistema público incorporou o Índice de Planificação da Atenção à Saúde (iPAS), também em parceria com o Einstein. Numa plataforma, são inseridos dados de treinamento e gestão, alinhados ao Previne Brasil, que incentiva ações estratégicas e pagamentos por desempenho. No início de 2022, os indicadores estavam ruins, mas têm melhorado. O trabalho foi feito no sentido de aumentar os repasses ao Estado. A exigência de buscar eficiência nos indicadores de saúde ao atendimento à população gerou, evidentemente, protestos nos profissionais da área.

No começo, havia resistência muito grande porque eles estavam acostumados a esperar o paciente chegar para ser atendido, com dor ou com alguma condição ruim de saúde. No cuidado básico, eles têm de ser ativos. Depois que o novo processo de trabalho é incorporado, as reclamações diminuem e os profissionais passam a gostar do novo modelo. Nas duas regiões nas quais a Planificação da Atenção à Saúde foi implantada, as consultas são feitas na hora em que foram marcadas, e os médicos e pacientes gostam dessa previsibilidade. Hoje, Aquidauana e Três Lagoas estão entre as regiões de melhores indicadores do País nesse planejamento. No próximo ano, mais quatro regiões farão parte do sistema. Na maior parte dos hospitais e UBS do Estado, porém, a população ainda precisa madrugar para ser atendida em consultas marcadas no fim do dia, por exemplo. Isso, quando elas são marcadas. Ainda está longe de ser um sistema de saúde perfeito, mas é uma situação bem melhor do que há 20 anos. Fonte: Broadcast Agro. Adaptado por Cogo Inteligência em Agronegócio.