29/Sep/2023
O Acordo Mercosul-União Europeia, negociado ainda em 2019, formalizava a promessa de melhores condições econômicas e fomento à geração de emprego e renda, engajamento para preservação ambiental e mitigação das emissões dos gases de efeito estufa. Por sua vez, a convergência desses fatores resultaria em condição de vida superior para os cidadãos de ambos os blocos econômicos. No entanto, passados mais de 4 anos, ainda não foi ratificado porque uns ainda desconfiam dos outros, em relação às garantias firmadas durante o Acordo de Paris para cumprimento ao tratado mundial sobre as mudanças climáticas. O encontro alinhavado em Brasília para esse mês de setembro, entre os representantes dos governos do Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai e os negociadores da União Europeia, tem como pauta a discussão de uma contraproposta para flexibilização das severas “medidas protecionistas” impostas na side letter remetida recentemente pelos europeus.
A ocasião pode até redundar na celebração desse acordo de cooperação comercial, embora, considerando as divergências relacionadas à redução do desmatamento e à abertura às compras governamentais, é quase unanimidade afirmar em arremate bem mais tardio. É justo reconhecer que os europeus têm ocupado o pódio de proposição de iniciativas para mitigação dos indesejáveis efeitos resultantes das modificações climáticas. O ambicioso “European Green Deal”, por exemplo, estabeleceu a meta de redução de 55% nas emissões dos gases de efeito estufa até 2030 (comparadas àquelas emanadas ainda em 1990) e, sobretudo, a reversão completa até 2050, vislumbrando assim o reconhecimento de futuro emissor neutro. Flagrante se torna reparar o ávido esforço dos eurolíderes por manter a dianteira nessa corrida ambientalista, motivação que redundou no ajuste de mais de cinquenta propostas (focadas na sustentabilidade, economia circular, energia renovável e eficiência energética, proteção e restauração da natureza, dentre outras).
Inclusive, boa parte dessas políticas negociadas com o Parlamento Europeu e os legisladores já conta com Força de Lei, a exemplo dos Regulamentos (UE) 2023/1115 - “European Union Deforestation Regulation/EUDR” e (EU) 2023/956 - “Carbon Border Adjustment Mechanism/CBAM”. O objetivo do EUDR é conter o desmatamento e a degradação florestal resultantes da expansão de área agrícola para produção de determinadas commodities (borracha, cacau, café, madeira, óleo de palma, soja e carne bovina) e produtos derivados. Ou seja, no final de 2024, a União Europeia somente permitirá a entrada das respectivas mercadorias em seu território se forem oriundas de áreas não desmatadas e produzidas conforme a legislação do país fornecedor, práticas essas, compulsoriamente, comprovadas por meio de verificação prévia/“due diligence”. Ademais, até meados de 2025, uma nova revisão poderá concluir, se necessária, a inclusão de novas commodities (destaque para o milho) e alterar ou ampliar a lista dos produtos derivados.
Autoridades brasileiras alertam que essa medida é unilateral e arbitrária, tem efeito extraterritorial e é justo recorrer à Organização Mundial do Comércio (OMC) questionando sua legalidade no âmbito das regras internacionais. O CBAM mira combater o denominado “Carbon leakage” ou vazamento possibilitado pelo deslocamento das emissões do carbono para países com políticas ambientais e metas ranqueadas aquém do rigor aplicado na União Europeia (através da hipotética transferência da produção intensiva e/ou da substituição dos manufaturados locais por importados mais intensivos em carbono), que prejudicam os empreendedores locais e comprometem seriamente os esforços climáticos globais. A entrada em vigor se dará, transitoriamente, a partir de outubro, com intuito de avaliar criteriosamente as emissões liberadas e então equalizar o preço do carbono entre os produtos locais e as remessas do exterior.
Por enquanto, a lista se resume ao cimento, eletricidade, fertilizantes, ferro e aço, alumínio, hidrogênio e alguns dos seus precursores, muito embora, supõe-se que o radar europeu permanece atento à toda e qualquer mercadoria estrangeira concorrente (produtos agropecuários, por exemplo) àquela produzida localmente. A partir de 2026, a implementação definitiva do CBAM imporá obrigações financeiras ou taxação transfronteiriça através da exigência de aquisição de certificados de compensação (Euros x tonelada de gás de efeito estufa emitido e calculado com base na análise de ciclo de vida da respectiva mercadoria). O ímpeto europeu voltado às iniciativas para mitigação das externalidades ambientais negativas é merecedor de elogios e, de fato, propulsor de encorajamento aos demais. Contudo, a imposição das próprias metas e soluções parece desrespeitar as regras multilaterais de ordem comercial e revelar flagrante oportunismo protecionista. Fonte: Suinocultura Industrial. Adaptado por Cogo Inteligência em Agronegócio.