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29/Sep/2023

OMC: o comércio internacional e o meio ambiente

Entre 12 e 15 de setembro de 2023, tive a oportunidade de participar do Fórum Público da Organização Mundial do Comércio (OMC), em Genebra. Como outras organizações multilaterais, a OMC está em crise, o que se deve a vários fatores: a pandemia e a guerra que exacerbaram o protecionismo, a explosão do comércio eletrônico e das tecnologias digitais, a proliferação de medidas com fins ambientais, as barreiras contrárias ao funcionamento do Órgão de Solução de Controvérsias, as disputas geopolíticas e a expansão de acordos regionais de comércio. A relação entre comércio internacional e desenvolvimento sustentável permeou as discussões do Fórum. A criação de medidas de carbono na fronteira, tendo o Carbon Border Adjustment Mechanism (CBAM) europeu como exemplo candente, as medidas que visam evitar risco de desmatamento e a proliferação de padrões que criam exigências climáticas e afetam o comércio internacional estiveram no centro dos debates.

O Standards Map, criado pelo International Trade Centre, identificou a existência de 193 padrões voluntários de sustentabilidade que tratam, dentre outros critérios, de mudanças climáticas em vários setores da economia. A OMC permite a adoção de medidas que visam proteger o meio ambiente, o que poderia sugerir que medidas como as de carbono na fronteira e barreiras a produtos associados ao desmatamento sejam automaticamente respaldadas pelas suas regras. Afinal, a crise climática exige ações dos países, o que é regulado pela Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças do Clima (UNFCCC) e o Acordo de Paris. Além disso, a Science Based Targets Initiative aponta que 3.487 empresas estabeleceram metas climáticas, enquanto 2.415 têm como objetivo alcançar a neutralidade de carbono. A campanha Race to Zero, da UNFCCC, sugere que mais de 8.000 empresas, quase 600 instituições financeiras e mais de 1.100 cidades adotaram metas climáticas.

Esse cenário reflete uma crescente adoção de medidas climáticas que inevitavelmente podem afetar o comércio. É preciso, no entanto, jogar luz sobre o que significam as regras de não-discriminação da OMC, quando se trata de medidas que pretendem alcançar objetivos ambientais. É essencial ponderar a necessidade da medida diante do objetivo que pretende alcançar, avaliar se existem outras opções que podem favorecer o alcance desses objetivos, quais justificativas científicas existem, dentre outros fatores. Vale ressaltar que as regras da OMC não conferem uma autorização ampla e irrestrita para a implementação de medidas ambientais. Esse cenário evidencia a criação de medidas fundamentadas em padrões e metodologias para atingir objetivos climáticos criadas caso a caso. Na prática, cria-se um emaranhado de "medidas comerciais de carbono" como um "Carbon Spaghetti Bowl", em alusão à expressão criada pelo economista indiano Jadgish Bhagwati, famoso por sua atuação na agenda de acordos regionais e bilaterais de comércio e as regras da OMC.

Em março de 2023, ocorreu o Trade Forum for Decarbonization Standards: Promoting transparency and coherence in the iron and steel sector, onde a diretora-geral Ngozi Okonjo-Iweala destacou a importância de buscar a equivalência entre as medidas como forma de evitar barreiras ao comércio. O que se observa, na prática, é a fragmentação de medidas comerciais de carbono que podem criar barreiras não-tarifárias e aumentar os custos de diversos produtos sem que as medidas sejam as mais apropriadas para reduzir emissões de gases de feito estufa. A Agroicone contribuiu com um estudo sobre padrões e regulamentações para potencializar a agricultura sustentável e o comércio internacional, que foi usado como referência para as propostas apresentadas pelo Remaking Global Trade for a Sustainable Future Project durante o Fórum.

Esse projeto parte da premissa de que o sistema multilateral de comércio deve fornecer os bens públicos globais necessários para promover um futuro sustentável em todos os três pilares do desenvolvimento sustentável: progresso econômico, ambiental e social. Dentre as propostas, reunidas no relatório denominado The Villars Framework for a Sustainable Global Trade System, destaca-se que a OMC precisa estabelecer processos para avaliar a equivalência das políticas e estratégias de mudança climática e apoiar a sua interoperabilidade para reduzir as barreiras comerciais. Outra é aprimorar as regras sobre subsídios para fortalecer políticas de suporte a tecnologias e inovações que fomentem desenvolvimento sustentável e coibir subsídios flagrantemente prejudiciais. Nesse cenário, e considerando o papel do Brasil no plano multilateral, assumindo a presidência do G20, o País sediará a COP30 da UNFCCC, em 2025, torna-se crucial explorar quais contribuições pode oferecer para colocar o comércio a favor do desenvolvimento sustentável.

É válido lembrar que o Brasil sempre foi um ferrenho defensor da OMC como foro adequado para se definir regras multilaterais de comércio. Vale lembrar que a recente consulta pública coordenada pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC) buscou explorar potenciais soluções. A 13ª Conferência Ministerial da OMC ocorrerá em fevereiro de 2024. Nas palavras da diretora-geral Ngozi Okonjo-Iweala durante o Fórum, as amarras que prendem a OMC começaram a se soltar com a aprovação do Acordo sobre Subsídios à Pesca e várias decisões que buscam reorganizar o tabuleiro das regras de comércio internacional. Espera-se, em 2024, retomar negociações importantes que precisam ser destravadas para colocar o comércio a serviço do desenvolvimento. Embora não haja um texto de negociação específico para um acordo sobre comércio e meio ambiente, há um consenso implícito em favor da adoção de uma decisão que estabeleça as bases para avançar nesta agenda nos próximos anos.

Vale lembrar que existem vários grupos informais tratando dessa pauta, como a Trade and Environmental Sustainability Structured Discussions (TESSD), o Dialogue on Plastics Pollution, a Coalition of Trade Ministers on Climate e a Fossil Fuel Subsidy Reform Initiative. Os desafios inerentes às mudanças do clima pressupõem uma transformação econômica. É fundamental questionar qual o maior impacto que o comércio internacional pode gerar: será potencializar o acesso e o fomento a tecnologias, inovação, serviços e produtos que favoreçam as transições (energética, dos sistemas alimentares) necessárias para proporcionar desenvolvimento minimamente igualitário a todos? Ou diferente disso, enfrentar um emaranhado de medidas comerciais de carbono, criadas por poucos países, que fatalmente irão criar barreiras ao comércio e encarecer o custo dos produtos?

Nas palavras do primeiro-ministro do Reino Unido de 2007 a 2010, Gordon Brown, que fez um inspirador discurso durante o Fórum, a família de instituições multilaterais construída na década de 1940 foi concebida em um cenário repleto de incertezas, cresceu e amadureceu contra todas as probabilidades e teve sucesso durante décadas. Destacou que a cooperação internacional é o único caminho para forjar um "novo multilateralismo", lastreado na revitalização das instituições e na entrega de bens públicos globais, necessários para promover desenvolvimento. Os remédios para esse novo multilateralismo passam por soluções que, de maneira efetiva, permitam impulsionar desenvolvimento para todos os países, reduzindo as desigualdades e gerando impactos positivos para a vida das pessoas. A lógica de que existe somente um modelo de desenvolvimento a ser seguido é equivocada, a começar pela discrepante realidade de países que se desenvolveram limitados por distintas restrições.

O Brasil tem uma fabulosa bagagem de softpower para contribuir com esses objetivos. A habilidade em lograr apoio de importantes países para uma pauta de reformulação da OMC que alie comércio em prol de desenvolvimento, com uma ótica inclusiva e de cooperação, exige ações contundentes do País e do setor privado. Uma decisão sobre a equivalência entre as medidas adotadas pelos países como forma de alcançar objetivos climáticos, sobre o papel da OMC para catalisar a produção e o consumo de energias renováveis, sobre como promover inovação para aprimorar a produção agropecuária e os sistemas alimentares e fomentar a economia circular são apenas algumas agendas que podem fortalecer o sistema multilateral de comércio, como plataforma para fortalecer, de maneira efetiva, o alcance dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Fonte: Rodrigo C. A. Lima. Broadcast Agro.