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30/Aug/2023

Entrevista: Marcos Troyjo – ex-presidente do NDB

Desde que deixou a presidência do Novo Banco de Desenvolvimento (NBD), mais conhecido como Banco do Brics, em março, o economista, sociólogo e diplomata Marcos Troyjo tem rodado o Brasil e o mundo para falar sobre a economia do País e o futuro da globalização. Troyjo, que foi secretário especial de Comércio Exterior e Assuntos Internacionais no governo Bolsonaro. analisa a “desglobalização” e o aumento do protecionismo no mundo. “A economia de mercado está sob ataque.” Segue a entrevista:

Com a pandemia, houve um aumento do protecionismo no mundo e um questionamento da globalização, que vinha crescendo de forma contínua até então. Muita gente fala até em “desglobalização”. Como o sr. analisa esse movimento?

Marcos Troyjo: Eu publiquei um livro em 2016 chamado Desglobalização, e a minha hipótese é de que, quando houve aquele fenômeno gêmeo da queda do Muro de Berlim, em 1989, e do fim da União Soviética, em 1991, teve início um processo de globalização profunda, que foi mais ou menos até a quebra do (banco de investimento americano) Lehman Brothers, em 2008. Aí, veio um período de transição, entre 2008 e 2011, e depois uma nova fase, que eu chamo de desglobalização. Mas o termo desglobalização aqui deve ser entendido como desaceleração. Um veículo que está desacelerando não significa que parou. Significa apenas que a progressão dele passou a se dar num ritmo menor. Houve uma diminuição da liberalização econômica e comercial em várias praças. Agora, é curioso que, ao mesmo tempo, novas geometrias de comércio e investimento estão surgindo. Houve uma proliferação dos centros internacionais de irradiação de investimentos. Isso significa também uma outra globalização. Por isso, acredito que a gente está começando uma fase de neoglobalização. Agora, dito isso, o que está acontecendo hoje no mundo é que a economia de mercado no mundo está sob ataque. Os princípios da economia de mercado estão sob ataque. O mundo está caminhando para uma economia dirigista. Acho isso muito preocupante.

O que o leva a dizer que a economia de mercado está sob ataque?

Marcos Troyjo: Ao analisar os discursos do Jake Sullivan, que é o conselheiro de Segurança Nacional dos Estados Unidos, o que a gente vê é a defesa do protecionismo comercial, com o alastramento dos subsídios por muitos setores da economia e de uma legislação que permita expandir o conceito de conteúdo nacional. Ou seja, é uma combinação de características que, em vários países do mundo, não deu certo. Quando isso ocorre com a economia americana, quando você tem princípios de economia dirigista tão fortes nos EUA, isso gera efeitos multiplicadores em todo o mundo. Os europeus, os japoneses e os chineses acabam fazendo a mesma coisa, e isso se transforma numa bola de neve. É um fenômeno que o Robert Zoellick, que foi presidente do Banco Mundial, está chamando de “Washington Oriented Economy”, que quer dizer uma economia dirigida por Washington, em vez de ser dirigida pelos grandes atores privados, que fizeram a grandeza da economia dos Estados Unidos. É algo que a gente conhece muito bem na América Latina, e que não deu certo.

Que efeito esse aumento do protecionismo deve provocar na economia global?

Marcos Troyjo: Subdesempenho. Toda a importantíssima expansão econômica do mundo emergente que nós testemunhamos nos últimos 30 anos está muito associada a uma economia mais aberta do que fechada. O período de maior expansão da economia chinesa foi quando ela esteve mais aberta do que fechada. Temos a experiência concreta do Brasil, que já teve o maior parque industrial do Hemisfério Sul: permaneceu com uma economia fechada e não conseguiu alcançar o desempenho que se esperava. Na América Latina, nós temos muitas experiências de nacional-desenvolvimentismo que levaram ao protecionismo e a economias ineficientes. A Índia foi assim durante muito tempo. O Egito também. A China foi assim de 1949 até 1978, e a performance econômica chinesa não foi nada impressionante. De 1978 para cá, quando a China começou a se abrir, é que as coisas mudaram. Agora, os Estados Unidos, que sempre foram um grande proponente de liberalização econômica, passaram a ser uma economia também muito restritiva.

Desde que deixou o comando do Banco do Brics, o sr. tem circulado bastante pelo mundo e conversado com muitos investidores estrangeiros. Como está a imagem do Brasil lá fora?

Marcos Troyjo: Há algumas semanas, fiz a palestra de abertura num congresso internacional de hidrogênio verde, e o montante de recursos que você tem na Europa, particularmente na Alemanha, para investir na produção de hidrogênio verde no Brasil é enorme. Eu também estive este ano numa reunião em Cingapura, e muita gente queria saber de investimentos no Brasil. Em 2019, eu me lembro de ter conversado com um analista de mercados emergentes de um grande banco europeu e ele dizer o seguinte: ‘Hoje, o Brasil é o epicentro do processo de reformas estruturais no mundo emergente’. E ele tinha razão. Nós fizemos as reformas da Previdência e trabalhista, privatizamos a Eletrobras, realizamos diversas concessões, vendemos diversas empresas controladas por estatais, mudamos os marcos regulatórios do saneamento, da navegação de cabotagem, das ferrovias e do gás natural e melhoramos o ambiente de negócios. Concluímos também o maior acordo comercial entre blocos da história, que é o acordo do Mercosul com a União Europeia. Não foi pouca coisa. Agora, você pode desperdiçar essa oportunidade ou subaproveitá-la, estancando o processo de reformas estruturais e não indo adiante no tema das concessões e privatizações, criando instabilidade jurídica. Hoje, o que está acontecendo é que você tem lado a lado esse quadro favorável ao País e uma certa polifonia por parte do governo brasileiro, com a tentativa de reversão de privatização da Eletrobras e do Marco do Saneamento, que confunde os investidores.

Fonte: Broadcast Agro.