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15/Aug/2023

Entrevista com Jerome Raffaldini – diretor do UBS

Enquanto as economias desenvolvidas sofrem o baque dos juros altos, com a perspectiva de recessão nos Estados Unidos, o Brasil entrou em um ciclo virtuoso e deve seguir no foco dos investidores. A opinião é do diretor da gestora de soluções e fundos do UBS¸ Jerome Raffaldini, para quem o Brasil deve se descolar das economias avançadas no curto e longo prazo. A perspectiva se deve não apenas por o País ter iniciado antes o ciclo de corte de juros, mas também por se beneficiar do nearshoring nos Estados Unidos, isto é, a busca por fornecedores em países mais próximos. O crescimento do Brasil pode resolver em grande parte os problemas fiscais do País. Ele também falou sobre a deflação na China, que começa a se espraiar, e disse esperar uma manutenção dos juros dos Estados Unidos nas próximas decisões do Federal Reserve. Leia abaixo os principais trechos da entrevista:

Com o avanço do marco fiscal, a melhora da nota de crédito pela Fitch e, mais recentemente, o início do ciclo de cortes dos juros, a situação do Brasil mudou muito aos olhos dos investidores estrangeiros?

Jerome Raffaldini: Os juros caíram no Brasil enquanto os investidores ainda lidam com aumento de juros nas economias avançadas, o que é muito incomum. Geralmente, os países desenvolvidos iniciam o movimento e os demais seguem a mesma direção. Só que desta vez, as taxas incrivelmente altas deram aos demais países condição para sair na frente. Acho que o Brasil conseguiu mostrar capacidade de crescer mesmo em condições monetárias muito restritivas. Você vai ver daqui para frente uma continuidade do interesse do investidor na região. Além da redução dos juros, o Brasil é um grande beneficiado do nearshoring [busca por fornecedores mais próximos] das indústrias nos Estados Unidos. Vejo com otimismo o que está acontecendo no Brasil.

Mesmo com a economia global em desaceleração e todo impacto negativo sobre os preços das commodities?

Jerome Raffaldini: É claro que o crescimento dos Estados Unidos e do resto das economias ocidentais ajuda. Mas o caminho do crescimento em países como Brasil e Cingapura está descolado dos Estados Unidos e do G7 [grupo dos países mais industrializados do mundo]. O Brasil vai crescer de maneira mais orgânica e independente. Isso vai além da demanda por commodities. O setor de serviços está voltando, o que é um sinal positivo.

O novo arcabouço fiscal e o avanço da reforma tributária no Congresso ajudaram a melhorar, em geral, a percepção de analistas em relação ao risco fiscal no Brasil. Você também está menos preocupado com a situação das contas públicas?

Jerome Raffaldini: O Brasil tem uma força de trabalho jovem e vai se tornar mais produtivo. São dois fundamentos que sustentam o crescimento no longo prazo, e entendo que os investidores estão percebendo isso. Crescimento econômico e taxas de juros mais baixas contribuem para resolver muitos dos problemas fiscais. O Brasil está no início de um ciclo virtuoso. Por isso, podemos esperar um desempenho melhor na região versus as nações desenvolvidas no curto e no longo prazo.

O Brasil tem uma exposição importante à economia chinesa, que está perdendo ritmo. Os estímulos na China são vistos como insuficientes. Você aguarda novos anúncios de estímulo na China?

Jerome Raffaldini: A mensagem transmitida em discursos de Xi Jinping (presidente da China) é de que a economia vai crescer menos. O governo não vai fazer de tudo para a China crescer mais rápido se esse crescimento mantiver as desigualdades na sociedade. O objetivo não é mais crescer, crescer e crescer, mas sim ter um crescimento de qualidade. Para a China, crescer 5% [meta deste ano], e não mais 10%, está ok se o crescimento for equilibrado. Então, as respostas à desaceleração econômica não foram drásticas. Isso é coerente com o que ele [Xi Jinping] tem dito. A China tem que resolver desequilíbrios no mercado imobiliário, mas não esperaria por grandes anúncios de estímulo. Apenas medidas específicas, como tem sido feito.

A deflação na China representa um risco para o resto do mundo?

Jerome Raffaldini: A China tende a exportar inflação e deflação, dado o seu papel na economia global. E começamos a ver isso acontecer em preços aos produtores na Europa e nos Estados Unidos. A pressão deflacionária está escalando. Vemos um ambiente muito deflacionário em bens industriais e nos fretes. Ainda não atingiu o setor de serviços, mas pode atingir eventualmente, o que empurra os bancos centrais a uma rota de afrouxamento da política monetária.

Como os investidores estão reagindo ao rebaixamento da classificação da dívida dos Estados Unidos?

Jerome Raffaldini: O downgrade não foi uma surpresa porque outras agências de rating já tinham rebaixado a nota de crédito soberano um tempo atrás. Mas se o país não é mais "triple A", uma compensação extra será exigida [para emprestar ao Tesouro]. A política é um dos motivos que levaram a Fitch a rebaixar a nota. Existe, além do problema financeiro, a instabilidade política.

Esse rebaixamento pode provocar mudanças na alocação do capital internacional?

Jerome Raffaldini: Não acredito porque os Treasuries são o principal ativo livre de risco do mundo. Se você tem US$ 1 trilhão em excesso de liquidez, onde poderia colocar isso fora dos títulos do Tesouro americano? Essa proteção é assegurada por o dólar ser a moeda das reservas internacionais. Não acredito que veremos grandes mudanças.

Qual é a sua expectativa para as próximas decisões do Federal Reserve? O senhor vê mais uma alta dos fed funds?

Jerome Raffaldini: O Fed é dependente de dados, como gosta de dizer. Acho que provavelmente vai fazer uma pausa para ver o que vai acontecer. O mercado de trabalho está ficando menos apertado, a deflação está acontecendo e os índices de atividade industrial e de novos pedidos à indústria estão em níveis recessivos. É o bastante para fazer o Fed esperar um pouco mais. Nós já entendíamos que o aumento de 0,25 ponto porcentual [em maio] seria o último, dado o enorme aperto que o Fed fez, além do aperto quantitativo e a situação do setor bancário. Colocando tudo isso na balança, a pausa é bem justificada.

O Fed retirou o risco de recessão de seu cenário. O senhor ainda espera por uma recessão nos Estados Unidos?

Jerome Raffaldini: Sim, o melhor termômetro de que o mercado vê uma recessão no horizonte está na curva de juros, que continua invertida e abaixo da taxa de referência. Esse é um grande sinal de que a economia está desacelerando.

Fonte: Broadcast Agro.