ANÁLISES

AGRO


SOJA


MILHO


ARROZ


ALGODÃO


TRIGO


FEIJÃO


CANA


CAFÉ


CARNES


FLV


INSUMOS

08/Aug/2023

Uruguai reforça suas diferenças com o Mercosul

O Uruguai tem sido uma voz destoante na América do Sul. A posição coloca em xeque até o seu futuro no Mercosul, à medida que o presidente conservador, Luis Lacalle Pou, defende um acordo de livre-comércio com a China, o que pelas regras do bloco só poderia ser fechado por consenso. Recentemente, Lacalle Pou bateu de frente com o presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, que havia elogiado o ditador Nicolás Maduro (Venezuela) durante o encontro de presidentes sul-americanos. Segundo a Universidade da República (de Montevidéu), Lacalle Pou até tentou o melhor dos dois mundos, mas não conseguiu. Quando Bolsonaro estava no poder, o Brasil sinalizou que poderia apoiar uma reforma no Mercosul que faria com que o Uruguai fechasse um acordo com a China e ainda continuasse no bloco. Mas, com Lula, isso não é mais possível. O Uruguai defende uma abertura econômica, acusando o Mercosul de protecionismo.

Em julho, na última cúpula do bloco, em Puerto Iguazu, na Argentina, Lacalle Pou não assinou o comunicado conjunto pela quarta vez seguida. O presidente uruguaio chegou a pedir que os demais países participassem das negociações com a China. O Uruguai tomou a decisão de avançar em um acordo com a China. Se for junto com o Mercosul, melhor, disse Lacalle. A política externa de Lacalle Pou foi costurada junto com setores do mercado financeiro e do agronegócio, que têm interesse em um acordo comercial. Lacalle Pou sabe que política externa não ganha eleições, mas serve para obter apoio interno. Então, quando ele fala sobre a importância do acordo com a China, está falando com os exportadores, com o setor agrícola e com importadores que podem comprar barato da China e vender no Uruguai, o que agrada o agronegócio. Antes de se encontrar com Lula, em visita do brasileiro a Montevidéu, em janeiro, o uruguaio afirmou que o país está “aberto para o mundo”.

Lula até colocou o Mercosul disponível para negociar um acordo com a China, apesar de o foco ser o tratado com a União Europeia, negociado desde 1999. Contudo, um acordo de livre-comércio entre Uruguai e China e a continuidade do país no bloco não é possível para o Brasil. Segundo o assessor especial da Presidência e ex-chanceler, Celso Amorim, o Mercosul precisa ser preservado. A dificuldade de preservar o lugar do Uruguai no Mercosul e um acordo com a China é a Tarifa Externa Comum (TEC), que o Mercosul adota desde 1995 para padronizar a alíquota de importação de produtos de fora do bloco. Um acordo entre China e Uruguai faria com que a TEC não fosse cobrada para produtos chineses no país vizinho. O Uruguai abriria seus mercados aos produtos chineses em troca de tarifas mais baixas sobre a carne bovina exportada para a China.

Durante o governo anterior, Uruguai e Brasil chegaram a discutir uma flexibilização da TEC, que possibilitaria um acordo sem prejudicar a relação do Uruguai com o bloco. A ideia também era defendida pelo ex-presidente da Argentina, Mauricio Macri, mas seu sucessor, Alberto Fernandez, foi contra. Entre 2021 e 2022, houve um avanço no acordo. Mas, com Lula na presidência, esse acordo fica difícil e não deve acontecer. A possibilidade de um tratado de livre-comércio entre China e Mercosul é considerada remota porque todos os esforços estão concentrados na União Europeia. Além disso, nem todos os países do bloco têm relações diplomáticas com a China, o que dificulta a negociação. O Paraguai mantém laços históricos com Taiwan, o que afasta a China da mesa de diálogo. O Uruguai considera a possibilidade de virar um Estado associado do bloco, com menos responsabilidades e mais liberdade comercial, mesmo sem voto nas decisões.

Existe consenso no Uruguai que o Mercosul deve ser melhorado, mas que a retórica de Lacalle Pou é mais dura do que a de presidentes anteriores, como José Mujica e Tabaré Vázquez. A necessidade de reforma no Mercosul é uma pauta antiga no Uruguai e foi defendida pela esquerda e pela direita, mas isso nunca implicou em cortar laços com o Mercosul ou se distanciar dos países da região. Por isso, o discurso de Lacalle Pou é mais inflexível. O Uruguai pode até sair do Mercosul, mas alguns setores da economia, que se beneficiam do bloco, seriam prejudicados. Sempre há vencedores e perdedores. O governo uruguaio precisaria discutir mais isso, porque o Brasil pode optar por retaliações. Há temores sobre uma possível dependência economia do país, caso o acordo com a China saia do papel. Se o Uruguai tivesse um tratado de livre-comércio com a China, em vez de ter mais abertura e liberdade, teria uma maior dependência econômica, incluindo maior impacto ambiental.

De todo modo, o Uruguai não deve deixar o Mercosul, porque a economia do país depende do bloco. Além disso, o governo uruguaio sabe da importância das relações com Brasil e Argentina, que ficariam comprometidas em caso de mudança. Durante a cúpula de Puerto Iguazu, o Uruguai também se distanciou da posição de Brasil e Argentina em relação à volta da Venezuela ao bloco. Lacalle Pou adota uma retórica de confronto sobre a Venezuela para ganhar frutos internamente. O Uruguai tem uma tradição de não julgar outros países por sua política interna, e Lacalle Pou quebrou essa tradição em uma tentativa de atacar a esquerda uruguaia. É difícil chegar a um consenso dentro da América do Sul sobre a melhor forma de lidar com a Venezuela, mas a chancelaria uruguaia não está interessada em construir pontes. O discurso de Lacalle Pou é importante para a sociedade uruguaia, mas não leva o país a nenhum tipo de mediação, porque a política externa uruguaia não está voltada para isso. Fonte: Broadcast Agro. Adaptado por Cogo Inteligência em Agronegócio.