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16/Jun/2023

Entrevista: os impactos da AI - Gita Gopinath (FMI)

A adoção de regulamentação internacional sobre as atividades de Inteligência Artificial (AI) é urgente sob pena de haver uma grande ruptura no mercado de trabalho em vários países, com substituição maciça de profissionais por máquinas. Gita Gopinath, primeira vice-diretora-executiva do Fundo Monetário Internacional (FMI), citou estudos que apontam que dois terços das ocupações nos Estados Unidos estão expostas e podem ser afetadas por essa tecnologia e defendeu que as regulamentações sejam desenhadas em conjunto por governos, dirigentes de empresas, cientistas e especialistas em ética e tecnologia. Claro que cada país deverá desenvolver suas próprias normas de acordo com suas circunstâncias específicas, mas é preciso ter pelo menos princípios amplos para um acordo global, pois os maus atores aplicando essa tecnologia podem existir em qualquer lugar do mundo. Na opinião da primeira vice-diretora-executiva do FMI, as regulações também são relevantes para evitar que a IA gere outros problemas como permitir vieses na concessão de crédito e contratação de profissionais por empresas, além da produção de informações falsas. Segue a entrevista:

Como deve ser a regulamentação internacional sobre AI para evitar, entre outros riscos, uma ruptura maciça do mercado de trabalho em termos globais?

Gita Gopinath: Estamos enfrentando incertezas quanto à compreensão de todas as ramificações dessa nova tecnologia, a inteligência artificial generativa. Mas é claro que todos concordam que um grande número de empregos é suscetível ao seu impacto. Há estudos que apontam que dois terços das ocupações nos Estados Unidos estão expostas e podem ser afetadas por essa tecnologia. Existem mais pontos de desacordo sobre como isso pode aumentar a produtividade no mundo, algo que precisamos, já que a expansão da produtividade é fraca há uma década. Um estudo do banco Goldman Sachs aponta que a AI pode aumentar a produção global em 7%, o equivalente a US$ 7 trilhões. No entanto, outras pesquisas questionam se esse aumento de produtividade seria tão grande, como a realizada pelo professor Daron Acemoglu, do MIT. Esta é uma questão global que afetará trabalhadores em todos os países. É uma tecnologia que imita o pensamento humano e precisamos de regulamentação para lidar com ela.

Qual é a sua avaliação da proposta de legislação feita pela União Europeia para regulamentar a AI?

Gita Gopinath: A União Europeia tem avançado na legislação sobre o assunto, está à frente em relação a muitos países e adota uma postura de avaliação de riscos. Essa abordagem aponta que existem alguns tipos de atividades que apresentam riscos muito altos que devemos proibir, como o social scoring. Existem também outros riscos que exigem mais transparência, maior controle humano e outros menores. Este tipo de abordagem é útil. Mas sejam quais forem os regulamentos que venham a ser definidos, penso que a princípio haverá uma fase experimental das regras que vão funcionar. Elas precisarão ser elaboradas em conjunto por governos, dirigentes de empresas, cientistas e especialistas em ética e tecnologia, pois será necessário avaliar se precisaremos de um código de conduta ética em termos globais para decidir quais aplicações de IA podem ser aceitas e as que não podem. Será necessário um posicionamento global sobre o assunto para que haja a regulamentação mais adequada.

Em um artigo publicado no último domingo no The New York Times, os professores Daron Acemoglu e Simon Johnson apontam que AI concentra-se basicamente em duas grandes empresas: Microsoft e Google. Eles defendem, entre outras medidas, a adoção de um sistema tributário nos EUA com altos impostos sobre os lucros dessas empresas muito grandes a ponto de incentivar seus acionistas a repartirem estas companhias em outras empresas para estimular a concorrência. Qual a sua opinião sobre esta proposta?

Gita Gopinath: O FMI está estudando os mercados digitais e descobrimos que já está altamente concentrado. É possível identificar diversas práticas anticompetitivas. Essa é uma questão com a qual devemos nos preocupar. Sabemos que essas empresas que trabalham com IA têm grande poder de computadores e imensas quantidades de dados que os colocam em vantagem na aplicação dessa tecnologia. Mas também há evidências de que a geração de modelos abertos de IA podem exigir muito menos poder de computadores e de dados. Uma pergunta justa a ser feita é se há concentração de poder. Por exemplo: se observarmos a produção de chips desenhados especificamente para essa tecnologia generativa, ela está basicamente concentrada em uma única empresa. Isso pode ser uma fonte de concentração à qual é preciso prestar atenção especial. Mas com este tipo de situação estamos mais habituados a lidar, o que não ocorre no caso da concentração de dados, para a qual não temos muitas regulamentações e que temos de enfrentar.

Qual é o fórum internacional mais apropriado para debater e definir as principais sugestões para a regulamentação global da AI?

Gita Gopinath: O ideal seria termos iniciativas que abrangessem um grande número de países. A AI não respeita fronteiras e práticas regulatórias são exigidas em muitas nações. Ao mesmo tempo, também é muito relevante definir essas regras rapidamente. O fato de o G7 ter estabelecido um grupo de trabalho para lidar com AI é um passo importante. Também ajuda muito que nos Estados Unidos a legislação sobre este tema esteja sendo analisada. Normalmente, quando surge uma nova tecnologia há resistência das empresas que atuam no setor a serem regulamentadas. Mas agora existe um forte consenso de que é importante regulamentar as empresas que produzem AI. É muito revelador que 350 cientistas, pensadores e CEOs tenham se reunido para declarar que querem mitigar o risco de extinção das atividades humanas causadas pela inteligência artificial. Acho que há um impulso para políticas que garantam que essa nova tecnologia beneficie a humanidade. Espero ver mais plataformas onde teremos essas discussões que exigirão uma verdadeira colaboração internacional para que a regulamentação funcione. Dado que temos de agir rapidamente em múltiplas plataformas, quem começar a pensar neste tema vai ajudar muito. É uma questão global, que envolve instituições multilaterais para discuti-lo. No FMI, ela é muito importante. Temos 190 países membros e a discutiremos com eles de forma abrangente.

Seria necessário criar uma Agência Internacional de Inteligência Artificial para controlar a aplicação de AI em todo o mundo?

Gita Gopinath: Não sei se precisamos especificamente de uma agência internacional, mas necessitamos de uma estrutura na qual possamos ter uma perspectiva global da regulamentação, com um conjunto mínimo de padrões. Claro que cada país deverá desenvolver suas próprias normas de acordo com suas circunstâncias particulares, mas precisaremos ter pelo menos princípios amplos para um acordo global, pois os maus atores aplicando essa tecnologia podem existir em qualquer lugar do mundo.

Existe um prazo para a adoção desses princípios gerais de regulamentação global para o uso da AI?

Gita Gopinath: Este é um assunto muito urgente. Existem muitas incertezas sobre o impacto dessa tecnologia, mas ao mesmo tempo temos que agir rapidamente para definir as regulamentações mínimas que queremos e quais atividades devem ser proibidas, como a União Europeia determinou que práticas de alto risco não devem ser permitidas. Não podemos nos dar ao luxo de poder esperar e teremos que agir rapidamente.

Como o FMI pode apoiar os países em desenvolvimento para mitigar os impactos no mercado de trabalho que podem ser causados pela AI?

Gita Gopinath: Em primeiro lugar, precisamos acabar com a divisão digital que existe no mundo. Há uma infraestrutura digital fraca nas economias de baixa e média renda e essa lacuna precisa ser eliminada. Precisamos garantir que o financiamento esteja disponível de países ricos a países pobres para acabar com essa divisão digital. Caso contrário, teremos uma situação polarizada em relação a essa nova tecnologia. Em segundo lugar, o FMI tem um papel importante a desempenhar com seus 190 países membros para reuni-los e discutir as consequências da AI para suas economias e o que isso implicará em termos de políticas que deverão ser adotadas. O FMI também participa das reuniões do G-7 e do G-20 e, por meio desses fóruns, expressamos nossa voz e aumentamos as preocupações sobre o que a comunidade global precisa fazer.

As principais empresas de AI do mundo, incluindo os mais importantes fabricantes de microprocessadores, estão sediadas em Taiwan, Estados Unidos, Japão, Coreia do Sul e Holanda. Autoridades dos governos desses cinco países deveriam se reunir em breve para acelerar a formulação de regulamentações para empresas que operam com essa tecnologia?

Gita Gopinath: As implicações da AI vão além da concentração de empresas que fabricam componentes de computadores que operam essa nova tecnologia. Também estamos preocupados com vieses enraizados no desempenho dessas máquinas se quisermos confiar em seu julgamento, que se baseia no exame de grandes quantidades de dados com viés e oferece análise com esse tipo de julgamento. Isso é um grande problema, por exemplo, definir a quem deve ser feito um empréstimo, quem deve ser contratado por uma empresa e assim por diante. Existe também a chamada alucinação de AI que basicamente produz informações falsas. Os riscos dessas práticas podem trazer muitas consequências à sociedade. No passado, vimos que a automação causou grandes rupturas no mercado de trabalho e as políticas internas não atuaram para corrigi-las, pois faltavam redes de segurança social e treinamento suficiente para requalificar os trabalhadores, o que causou muito sofrimento humano. Desta vez é muito importante que sejam adotadas políticas para manter os trabalhadores no mercado e que haja uma rede de proteção social que funcione. Os professores Acemoglu e Johnson também apontam que é preciso garantir que as políticas tributárias não estimulem as empresas a substituir trabalhadores por máquinas. Se os impostos são baixos para esse tipo de companhia eles acabam incentivando essa substituição, algo que também precisamos ter cuidado para evitar.

Como a senhora classificaria o atual momento da economia mundial, no qual a AI pode ter grandes consequências às sociedades, especialmente para os trabalhadores?

Gita Gopinath: Este é um evento transformador e, para entendê-lo, os economistas precisarão conversar com cientistas, que por sua vez terão que dialogar com especialistas em ética, que precisarão conversar com advogados. Este trabalho exigirá uma abordagem interdisciplinar, pois é uma questão que transcende aspectos da economia e da sociedade. Não acho que os economistas do FMI possam descobrir como lidar com este tema por conta própria. Para isso, precisamos trabalhar em conjunto com muitas pessoas que atuam em outras áreas profissionais.

Fonte: Broadcast Agro.