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15/Jun/2023

Riscos do não cumprimento do processo legislativo

A preponderância do Congresso Nacional sobre o Executivo foi amplamente debatida nas últimas semanas, sobretudo por conta da aprovação, apenas no último dia do prazo, da medida provisória da estrutura dos ministérios. Se a proposta não fosse aprovada, a estrutura da Esplanada voltaria àquela instituída no governo Bolsonaro. A aprovação do arcabouço fiscal na Câmara foi outra demonstração da força do Parlamento, que colocou velocidade no processo, aliviando o Executivo e o cenário macroeconômico brasileiro. O terceiro exemplo da preponderância foi a votação, também na Câmara dos Deputados, do projeto de lei que estabelece o marco temporal para demarcação de reservas indígenas. Tal projeto foi apreciado pelo plenário com rapidez, para que a aprovação ocorresse antes da avaliação, pelo Supremo Tribunal Federal, da Ação Direta de Inconstitucionalidade 6622 (que deveria ter acontecido em 7 de junho). Embora a relação descrita neste exemplo envolva o Legislativo e o Judiciário, o Executivo, contrário à matéria, tinha grande esperança de que o marco temporal fosse considerado inconstitucional pelo STF.

Essa primazia do Parlamento aliada ao crescente sentimento de força política traz riscos que precisam ser avaliados e não podem passar despercebidos dos setores organizados que lá atuam. Um desses riscos é o do não respeito aos ritos de tramitação de proposições. Neste artigo apresentarei dois casos nos quais, em minha visão, houve descumprimento do processo legislativo constitucional e regimental. Aqui é necessário um esclarecimento: é verdade que trago dois exemplos negativos para o setor que represento, mas, buscando a maior neutralidade possível, analisarei principalmente o rito de deliberação seguido e não o mérito dos projetos em si. O primeiro exemplo é a Medida Provisória (MP) 1153/2022, publicada no último dia útil do governo Bolsonaro, cuja intenção central foi dar o direito exclusivo às empresas transportadoras de contratação do seguro obrigatório de carga, impedindo o dono da mercadoria de contratar seguro para sua própria carga. Nossa intenção era convencer as lideranças de que o dispositivo tinha que ser suprimido.

No entanto, emenda de plenário aprovada de última hora na Câmara apenas tornou-o menos pior. O problema concreto na tramitação ocorreu no Senado Federal. A MP veio da Câmara com a seguinte redação para o caput do artigo 13 da Lei 11.442: "São de contratação obrigatória dos transportadores, pessoas físicas ou cooperativas, prestadores do serviço de transporte rodoviário de cargas os seguros de:" O texto aprovado na Câmara, destarte, previa apenas que a obrigatoriedade de contratação recairia sobre os transportadores autônomos, individualmente ou cooperados. A visão que predominou foi a de que a mudança legislativa daria mais segurança para os caminhoneiros, um objetivo nobre, a meu ver. Os outros atores do setor, quais sejam, embarcadores e transportadoras, portanto, ficariam em cenário de liberdade de negociação e concorrência quando contratassem entre si. No Senado, a emenda "de redação" feita pelo relator tornou a obrigatoriedade válida para todas as transportadoras, de forma que eliminou qualquer possibilidade de o embarcador contratar o seguro e estabelecer seu Plano de Gerenciamento de Riscos (PGR).

Observe-se: "São de contratação obrigatória dos transportadores, prestadores do serviço de transporte rodoviário de cargas, os seguros de:" Fica claro que o Senado alterou o conteúdo da MP, ampliando a exclusividade de contratação às transportadoras, algo antes confinado aos autônomos, e restringindo o direito dos proprietários das cargas. Evidentemente, o Senado pode alterar o mérito de qualquer medida provisória ou projeto de lei. Quando isso ocorre em uma proposta que veio da Câmara dos Deputados, é necessária nova análise da Casa iniciadora. Entretanto, o relator afirmou que suas modificações se tratavam apenas de emendas de redação, e não de conteúdo. Pela regra, essas emendas não requerem apreciação pela outra Casa. Assim, a MP foi enviada diretamente à sanção. Em nosso entendimento, houve um claro rompimento, pelo Senado, do processo legislativo constitucional, pois aceitou-se a interpretação de que as mudanças não atingiam o mérito da proposição, o que não foi o caso. O segundo exemplo é o projeto de lei 877/2022, aprovado no Senado nas últimas semanas.

Este PL cristaliza em lei o sistema atual de rodízio único para contratação de serviços praticagem, que, em nossa visão, é oferecido de forma monopolística e impõe custos extraordinários para a navegação brasileira. A proposta também impede, na prática, qualquer regulação econômica da atividade. O PL foi aprovado terminativamente na Comissão de Serviços de Infraestrutura do Senado Federal e enviado à Câmara sem qualquer análise sobre os requerimentos que pediam discussões em outras comissões e a realização de audiências públicas. O poder terminativo das comissões é previsto em regimento, mas o atropelo aos requerimentos demonstra que a tramitação buscou evitar discussão. Ao chegar na Câmara dos Deputados, a mesa diretora deveria despachar o projeto às comissões permanentes. Porém, observou-se um rito inusitado: houve, antes mesmo de qualquer despacho, designação de relator diretamente em plenário, algo que só é possível após a aprovação de requerimento de urgência pela maioria absoluta da Casa.

Claramente, a intenção é aprovar a matéria sem qualquer discussão sobre seus significativos impactos. Importante lembrar, ainda, que há projetos de lei sobre o tema já tramitando na Câmara que propõem soluções muito mais favoráveis aos contratantes da praticagem. O PL 877 poderia, aliás, tramitar apensado a esses e seguir o mesmo rito, mas a intenção é justamente solapar qualquer argumento contrário, como foi feito no Senado. Nesse cenário, sobraram poucos instrumentos para os setores que querem alterar o PL atuarem no decorrer da tramitação, dada que essa é inusual e, a meu ver, errada. A sensibilização da Presidência da Câmara passa a ser mandatória para que seja restabelecido o devido processo legislativo. O argumento da praticagem em favor da proposta é o de que seu serviço garante a segurança da navegação e do meio ambiente, por isso precisa do resguardo que só a lei possibilita. Ora, e a regulação econômica de uma atividade monopolística pelo próprio Estado que edita tal lei prejudicaria esse fim de alguma forma? É evidente que não. Fonte: André Nassar. Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove). Broadcast Agro.