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09/Jun/2023

Entrevista com Carlos Nobre - Future Carbon Group

Uma palavra-chave na grande luta mundial pelo meio ambiente, descarbonização, está presente, há muitos anos, na vida de Carlos Afonso Nobre. Trata-se, simplesmente, de eliminar o excesso de carbono produzido no planeta, para garantir um futuro saudável aos seus habitantes. Nobre, engenheiro eletrônico, atua nessa cruzada persistentemente. Nesse caminho, acaba de aceitar ser copresidente do Comitê de Alta Integridade do Future Carbon Group, um instrumento financeiro recém-criado para negociar créditos de carbono. Sua especialidade é o aquecimento global.

Pesquisador da Universidade de São Paulo (USP), participou da confecção do Relatório de Avaliação do IPCC, que foi agraciado com o Prêmio Nobel da Paz em 2007. Na sua luta contra desmatamentos (sabe-se que 50% do desmate em 2022 ocorreu em unidades de conservação pertencentes ao governo federal), Nobre se diz decepcionado com o enfraquecimento que vem ocorrendo no Ministério do Meio Ambiente. Grande parte da população quer proteger a Amazônia, restaurar a Mata Atlântica, o Cerrado, a Caatinga, o Pantanal, o Pampa.

Esse enfraquecimento mostra que somos um País pobremente democrático. A população quer a preservação; e os políticos, não. O foco do Future Carbon, empresa brasileira com atuação global, é buscar soluções de descarbonização unindo visão de negócio e tecnologia, capital intensivo e excelência técnica. O Brasil pode se tornar um dos líderes mundiais no combate à emergência climática. Mas, por outro lado, advertiu: perderá mercados internacionais se não cuidar dos seus biomas. Segue a entrevista:

Vamos ao centro do problema: como vai à luta para regular o mercado brasileiro de carbono?

Carlos Nobre: Já começou a aparecer no Congresso um marco legal, que ainda vai ser muito debatido. Temos de ser otimistas para que seja adotado, e logo. É importante porque, quando for regulado globalmente, será um mercado de centenas de bilhões de dólares.

Quando isso vai ocorrer?

Carlos Nobre: Demora, porque nos países em desenvolvimento persiste a ideia de que somente os países ricos devem criar o mercado de carbono. Isso não faz sentido. O Brasil é o quarto maior emissor historicamente. Desde meados do século 19, 86% das nossas emissões de gases de efeito estufa foram de desmatamentos e agricultura.

China e EUA juntos produzem mais de 50% desses gases. E o Brasil, quanto?

Carlos Nobre: O Brasil é responsável por quase 4%. Mas, eticamente, não podemos falar só do total: o cálculo deve ser per capita. Pegar as emissões e dividir pela população. Nesse cálculo, o Brasil em 2022 passou a China: chegou a 11,2 toneladas de CO2 equivalente por habitante. A China está em 10,5; os Estados Unidos em 16,5; Alemanha, entre 10,5 e 11 toneladas. Então, o Brasil tem emissões per capita muito altas.

Qual a perspectiva para a regulação mundial do mercado de carbono?

Carlos Nobre: Acredito que até a COP 29 chegaremos a um acordo sobre o Artigo 6, sobre o mercado de carbono global. Os países tropicais têm um enorme potencial porque suas florestas crescem rapidamente e removem muito gás carbônico da atmosfera pela fotossíntese. Com a Amazônia, o Cerrado e a restauração da Mata Atlântica, o Brasil tem um gigantesco potencial: US$ 15 bilhões a US$ 25 bilhões por ano durante muitas décadas.

O sr. presidirá o Comitê de Alta Integridade de um fundo para o mercado de carbono. Como ele atuará?

Carlos Nobre: Sim, o fundo é o Future Carbon. Ele vai assegurar que todos os créditos de carbono negociados sejam verdadeiros. Que representem, de fato, redução das emissões de gases com recrescimento de floresta, que beneficiem a população que mantém a floresta em pé. Quem sabe até a COP 30, que será em Belém do Pará, em 2025, o Brasil já possa ser beneficiado por esses recursos?

O que falta para conscientizar as pessoas a manter a floresta no Brasil?

Carlos Nobre: Falta entender que as florestas em pé tornam a agricultura mais resiliente aos extremos climáticos. Mas o nosso agronegócio, historicamente, é expansionista, visa à posse da terra. E isso faz com que se mantenha uma enorme pressão para desmatamento dos nossos biomas. Mas eu não estou pessimista, acho que conseguiremos inverter, porque a pressão internacional vai crescer demais. O Brasil pode perder muitos mercados internacionais se mantiver essa trajetória de não valorizar os biomas, não zerar os desmatamentos.

Poderia ser diferente?

Carlos Nobre: Com uma pecuária superprodutiva, usaríamos menos de 50% de todo o território hoje utilizado. Quando você faz uma agricultura regenerativa, você diminui a alta temperatura e mantém mais água no solo. E essa agricultura absorve mais carbono. Precisamos criar escala, porque seria, inclusive, muito mais lucrativa.

Acha que podemos chegar lá e usufruir de tudo isso?

Carlos Nobre: Infelizmente, essa cultura de agricultura de expansão inclui um mercado de terras griladas na Amazônia, propriedades até privadas, que desmatam porque acham que o mercado de terras se valoriza. Combater esse crime ambiental é um enorme desafio de todos.

Fonte: Broadcast Agro.