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02/Jun/2023

China disputa papel de superpotência com os EUA

A China surpreendeu o mundo em março ao se apresentar como o principal mediador do restabelecimento das relações entre Arábia Saudita e Irã, rompidas por sete anos. A mediação foi feita sem alarde. Mas, uma vez que o acordo veio a público, as aspirações chinesas ficaram evidentes e o governo chinês começou uma incursão menos discreta para ser reconhecida como ator de peso no jogo diplomático, capaz de resolver conflitos, garantir estabilidade e ser alternativa aos Estados Unidos. Dias depois do acordo, o país decidiu entrar de vez nos holofotes em torno da guerra na Ucrânia. O presidente Xi Jinping havia apresentado um plano de paz no aniversário da invasão russa, em 24 de fevereiro, mas inicialmente o plano foi visto sob o ceticismo do Ocidente, que inclui os Estados Unidos e as nações aliadas da Europa. Com o prestígio conquistado com os árabes, no entanto, a China se habilitou a ter um papel importante.

No fim de abril, Xi Jinping conversou com o presidente ucraniano Volodmir Zelenski e garantiu o envio de representantes a Kiev para tentar iniciar negociações de paz. Cumpriu o prometido. O representante especial da China para a Europa, Li Hui, ex-embaixador em Moscou, desembarcou na capital ucraniana duas semanas depois da ligação e seguiu para Polônia, França, Alemanha e Rússia. O ministro das Relações Exteriores chinês, Qin Gang, também esteve conversando com líderes europeus em maio. As novas incursões representaram uma mudança à política externa tradicional da China, caracterizada no mundo contemporâneo pelo pragmatismo. A China é a principal parceira comercial de 120 nações e ganhou presença cada vez maior na América Latina, Ásia Central e África na última década. Apesar disso, se absteve de interferir em questões políticas nessas regiões. A exceção é o Leste Asiático, onde busca reordenar a ordem de segurança desde que o governo Obama ordenou mais investimento diplomático e econômico no Pacífico em 2011.

À época, a decisão foi vista como movimento para combater o crescimento da China. Para analistas, o novo perfil reflete uma confirmação do status de superpotência que o país conquistou neste período e é resposta aos embates com os Estados Unidos, com quem a relação começou a se deteriorar mais fortemente em 2016, com a chegada de Donald Trump à presidência. Sete anos depois, a relação dos dois países atingiu o pior momento nos últimos 40 anos. Segundo Susan Thorton, diplomata norte-americana com 30 anos de experiência na Eurásia e Leste Asiático e atual professora da Universidade de Yale, é natural que potências maiores tenham interesses que se espalham pelo mundo inteiro. No caso da China, é uma manifestação de poder crescente, interesses em expansão, desejo de um ambiente previsivelmente estável e acesso a recursos e que serve para mostrar que são `responsáveis'. Segundo o Centro Brasileiro de Relações Internacionais (CEBRI), apesar de ter se tornado a segunda maior economia do mundo em 2010, a China ainda não havia almejado um protagonismo no campo diplomático mundial.

Enquanto crescia em um ritmo acima de dois dígitos por ano no início do século, as relações internacionais da China focaram exclusivamente no comércio. Quando o crescimento diminuiu, esse perfil mudou. As mudanças da China na área diplomática aconteceram durante o governo Trump, que impôs restrições comerciais ao país asiático e passou a considerá-lo uma ameaça à segurança nacional. Com isso, a diplomacia chinesa foi ficando mais ativa em verbalizar ideias. As relações entre as duas maiores economias mundiais se deterioraram progressivamente a partir daí e se acentuou com a pandemia de Covid-19, em 2020. Os Estados Unidos adotaram a retórica de "vírus chinês" para tratar o coronavírus. A China acusou os Estados Unidos de promover desinformação. A imagem do país asiático piorou em todo o mundo. Em resposta às críticas, os diplomatas chineses agiram de maneira enérgica para defender o país, em um estilo diplomático apelidado de `diplomacia do lobo guerreiro'.

Ao Financial Times, um diplomata alemão chegou a declarar que a China estava falando com a Alemanha em um tom que só usariam para países que consideravam pequenos ou fracos. A estratégia foi abandonada após reações negativas, mas sinalizou que o governo chinês se sentia à altura dos países mais influentes politicamente. O governo norte-americano, no entanto, já encarava o país como "a maior ameaça para os Estados Unidos hoje", nas palavras do então diretor de Inteligência Nacional (CIA), John Ratcliffe, em dezembro de 2020. Segundo analistas, foi neste momento que o governo chinês entendeu que precisava fortalecer alianças e ter boas relações exteriores não apenas econômicas, mas também políticas. Segundo a Crisis Group, organização voltada à resolução e prevenção de conflitos armados internacionais, a China quer aliviar as pressões da competição com os Estados Unidos fortalecendo sua posição diplomática.

Com a chegada de Joe Biden à presidência dos Estados Unidos em 2021 e a invasão na Ucrânia no ano seguinte, as tensões continuaram crescendo. Biden ampliou a guerra comercial com mais sanções; Nancy Pelosi, então presidente da Câmara dos Estados Unidos, irritou o governo chinês ao visitar Taiwan (ato considerado pelo governo chinês uma violação da política de "Uma Só China", que reconhece Pequim como único representante da China); e a detecção de um balão chinês sobre os Estados Unidos levou os Estados Unidos a acusar a China de espionagem. Enquanto isso, o plano chinês para construir uma boa imagem no exterior continuou. O esforço para se apresentar como um ator construtivo para a paz é parcialmente destinado a refutar as acusações ocidentais de que a China é o oposto, que é agressiva e ameaçadora à ordem existente. Ao apresentar o plano de paz para a Ucrânia, a China tratou diretamente do problema no Leste Europeu pela primeira vez. Com isso, se contrapôs ao Ocidente.

O embaixador da China na Rússia, Zhang Hanhui, afirmou que não foi a China que criou a crise da Ucrânia, não fez parte dela e não forneceu armas a nenhuma das partes do conflito. As nações Ocidentais viram o plano de paz com ceticismo devido à relação entre China e Rússia, fortalecida nas vésperas da guerra. O documento também foi considerado genérico ao apresentar apenas princípios, divididos em 12 pontos. A China, no entanto, disse que esses países não estariam em posição de dar instruções sobre o que fazer com a questão. E, com o acordo no Oriente Médio, obteve prestígio para se habilitar como mediador. A importância do acordo entre Irã e Arábia Saudita para o jogo diplomático está demonstrado por um fato inédito: foi a primeira vez que uma negociação no Oriente Médio não precisou de um país Ocidental para ser concluído. A existência e o fato do acordo ter sido bem sucedido oferece ao mundo o potencial que a China tem como conciliadora de conflitos.

Em maio, as tensões com os Estados Unidos começaram a baixar. O governo norte-americano reagiu de maneira positiva sobre o acordo no Oriente Médio. Os Estados Unidos não teriam condições de mediar um acordo semelhante pela falta de relações com o Irã, uma das partes envolvidas. Para analistas, o governo norte-americano parecia ter uma disposição maior para o envolvimento da China na questão da Ucrânia. Os primeiros comentários após as incursões chinesas na Europa, no entanto, são um sinal da resistência que a China pode enfrentar para cooperar na questão da Ucrânia. Segundo uma reportagem do Wall Street Journal, Li Hui, o representante especial da China, entrou num impasse com os líderes europeus ao propor um cessar-fogo imediato na Ucrânia, enquanto os europeus querem a medida somente depois de as tropas da Rússia se retirarem das regiões anexadas durante o conflito. Essa condição seria inegociável para o Ocidente.

Entretanto, a versão do Wall Street Journal foi questionada pelo ministro das Relações Exteriores da Ucrânia, Dmitro Kuleba. Kuleba disse ter entrado em contato com autoridades europeias que se encontram com Li Hui e "nenhum deles" confirmou que o diplomata chinês propôs um cessar-fogo com as tropas russas ocupando áreas da Ucrânia. Na análise da Universidade de Relações Exteriores da China, o papel chinês em uma eventual paz na Ucrânia é crucial por duas razões. A primeira é que se trata de um dos poucos países que mantêm boas relações com a Rússia e ao mesmo tempo dialoga com a Ucrânia. A segunda é a capacidade econômica para reconstruir o país invadido. A China é um país que tem condições de negociar a paz porque tem força sobre ambos os países. O governo chinês tem consciência da importância do sucesso da diplomacia para se firmar como superpotência mundial, capaz de questionar a ordem vigente.

É um passo muito bem planejado, tanto que demorou um ano para a China falar mais ativamente sobre essa questão. As movimentações diplomáticas da China em maio e a retomada de diálogos entre funcionários do alto escalão da China e dos Estados Unidos indicaram abertura para a cooperação entre os chineses e o Ocidente. No entanto, interesses contrários em outros temas, como a competição por influência mundial e o entendimento sobre Taiwan, tornam difícil uma reaproximação definitiva, principalmente com os Estados Unidos. O que se vê no futuro é um “balé diplomático entre as duas superpotências". A oscilação da relação teve um novo passo no dia 29 de maio. O Departamento de Defesa dos Estados Unidos disse que a China recusou pedido para uma reunião entre os chefes de defesa em Singapura. O motivo do cancelamento não está claro, mas analistas atribuem às sanções norte-americanas contra Li Shangfu (Conselheiro de Estado da China), aplicadas em 2018 pela compra de aeronaves e equipamentos de combate do principal exportador de armas da Rússia, a Rosoboronexport.

Em comunicado, o Ministério das Relações Exteriores da China disse que os Estados Unidos estavam "bem cientes" das razões. Os Estados Unidos devem corrigir imediatamente suas práticas erradas, mostrar sinceridade e criar atmosfera e as condições necessárias para o diálogo e a comunicação entre os dois militares, disse Mao Ning, porta-voz do ministério. O novo embate não significa um retrocesso na possível cooperação da Ucrânia, mas dá mostras de como a competição deve continuar acontecendo. Ora mais próxima, ora mais distante. O que não se sabe é o que pode acontecer se uma das duas superpotências se sobressair em definitivo desta disputa. No momento, nenhuma parece disposta a baixar a guarda nas próprias ambições e parar a dança diplomática. Fonte: Broadcast Agro. Adaptado por Cogo Inteligência em Agronegócio.