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24/Mai/2023

Recuperação Judicial: suspeita de fraudes a fundos

Recuperações judiciais milionárias têm sido questionadas na Justiça por indícios de fraudes ao mercado de capitais, em especial, a Fundos de Investimentos em Direitos Creditórios (Fidcs). Esses fundos são usados como alternativa para financiar negócios e triplicaram nos últimos anos. Movimentaram quase R$ 100 bilhões no pico, em 2021, segundo a Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima). Há problemas em ao menos seis recuperações judiciais: Grupo DOK, Riopet, Graneleiro, Geoforest, Agroaraçá e Mixtel. O rombo potencial aos fundos de investimento é de, ao menos, R$ 840 milhões. A principal suspeita que recai sobre as companhias, segundo as peças juntadas aos processos, é semelhante ao do Grupo DOK, dono das marcas Dijean e Ortopé: emissão de notas frias e duplicatas sem lastro. Parte dos títulos fraudados teria passado a compor a carteira de fundos que emitiram cotas a investidores no mercado financeiro. Há também acusações de adulterações de documentos contábeis, de falsa devolução de mercadorias e de desvio de recursos pelos sócios. Procuradas, as empresas citadas negam irregularidades e dizem que as suspeitas de fraudes devem ser apuradas independentemente, em ações penais.

Ao todo, mais de 90 Fidcs teriam sido lesados pelas operações. Segundo as acusações, as empresas teriam usado estratégias controversas para levantar um montante elevado de recursos no mercado de capitais e turbinado o endividamento com vistas, posteriormente, pedir proteção à Justiça. O instrumento da recuperação judicial, com tutela cautelar antecipada, seria a forma usada para não ter de honrar as dívidas ou conseguir desconto e parcelamento. Advogados demonstram preocupação sobre práticas fraudulentas semelhantes no momento em que o número de reestruturações e recuperações judiciais de empresas dispara no País. Para o escritório Chiarotiino & Nicoletti, é uma versão moderna da duplicata fria e é uma prática que está se tornando comum. Representantes legais de fundos e instituições financeiras têm se unido para trocar informações sobre casos suspeitos e tentar combater as fraudes. Segundo eles, novos indícios surgem a cada semana. É certo que os pedidos recentes de recuperação judicial apresentam uma prática comum quanto à emissão e negociação de títulos sem lastros (duplicatas frias) em período imediatamente antecedente ao pedido de recuperação, afirma a Associação Nacional de Fomento Comercial.

Do ponto de vista ético e até criminal, a prática deve merecer a devida reprimenda da sociedade e do Judiciário. O caso mais emblemático é o do grupo Dok, recuperação judicial com dívidas de R$ 400 milhões, e com suspeita de uso de notas frias para a emissão das dívidas. O advogado da empresa afirma que as investigações criminais não devem influenciar na recuperação judicial. Há outros exemplos, como o da Mixtel, do Paraná, atacadista de equipamentos eletrônicos e de comunicação que revende para marcas como a TIM. Com faturamento de R$ 700 milhões, a Mixtel entrou com pedido de recuperação judicial em novembro. Nele, informou débitos de mais de R$ 600 milhões e a justificativa de desequilíbrio no caixa gerado pela crise econômica da pandemia. A Justiça concedeu tutela cautelar para antecipar os efeitos da recuperação, mas chegou a reverter a proteção por constatar indícios contundentes de utilização fraudulenta da ação de recuperação judicial. Das provas contidas nos autos, inclusive do laudo de constatação prévia, é possível vislumbrar que a recuperanda utilizou-se de meios ilícitos, emissão de notas fiscais e duplicatas sem lastro, para o fim de alavancar valores de monta junto a inúmeras instituições financeiras e, logo após, se valeu da presente recuperação judicial com o fito de se blindar da cobrança, em evidente fraude contra credores.

A Mixtel teria emitido duplicatas a empresas como Havan e Deltasul sem o consentimento dessas lojas e a devida comprovação de entrega das mercadorias. O volume de produtos devolvidos chegou até a superar o faturamento. O caso é apurado em inquérito pela Polícia Civil do Paraná. A recuperação judicial está suspensa desde fevereiro para realização da perícia. O advogado da empresa não quis comentar as acusações e afirmou que a Mixtel não se posicionará fora dos autos do processo. Ele disse que a empresa vai recorrer da suspensão da RJ por não concordar com os termos nela contidos. Suspensão de edital. A empresa de alimentos Agroaraçá, do Rio Grande do Sul, fundada em 2001, teve o pedido de recuperação aceito em janeiro. O edital publicado em seguida apontava dívida de R$ 368 milhões, cerca de 30% do total junto aos Fidcs. O valor da dívida foi questionado várias vezes pela Justiça e, 11 dias depois do lançamento do edital, o juiz o cancelou, por falta de documentação obrigatória. Representantes dos Fidcs acusam a companhia de emitir duplicatas simuladas e não entregar as mercadorias.

Na visão deles, a estratégia teria sido usada para criar uma falsa impressão de dificuldades. Os títulos foram tomados para justificar o ajuizamento da recuperação judicial, afirma o escritório FZ Advogados Associados. O valor potencial do prejuízo aos fundos com as duplicatas simuladas é de R$ 104 milhões, segundo documentos do processo. A Agroaraçá emprega mais de 1,6 mil funcionários e já exportou para mais de 30 países. O advogado da empresa afirma que as acusações de fraudes precisam ser apuradas, mas em outro processo, que não atrapalhe o curso da recuperação judicial. O juiz do caso teve o mesmo entendimento. Na recuperação judicial da madeireira Geoforest, de Santa Catarina, aprovada em junho do ano passado, são citados casos de notas fiscais cujas mercadorias foram objeto de cancelamento minutos depois. As devoluções teriam causado prejuízo de R$ 50 milhões a fundos e securitizadoras, detentores de 56,4% das dívidas apontadas no processo à Justiça. Somente em um dos casos, o dano teria alcançado 64 instituições financeiras. A empresa é investigada pelo Ministério Público.

Perícia feita pelo administrador judicial encontrou inconsistências entre a lista de credores e o passivo, além de balanços que não refletem a real situação patrimonial da empresa. As apurações mostraram mais de 1,5 mil duplicatas cedidas para mais de uma instituição financeira e outras objeto de mercadorias devolvidas. A Geoforest, que também defende a Agroaraçá, diz que as inconsistências apuradas precisam ser analisadas independentemente e não devem influenciar a recuperação judicial. Os fatos são verdadeiros e incompatíveis com a legislação, afirma. O que deve ser apurado é a responsabilidade vinculada ao ator que efetivamente foi responsável pela constituição dos passivos, na esfera criminal. O juiz do caso afastou o dono da empresa, nomeou um gestor judicial e trocou o administrador judicial, mas não impediu o prosseguimento da RJ. A troca dos gestores é um pleito comum nos casos suspeitos, numa tentativa de evitar que as fraudes causem a falência e dificultem a recuperação dos créditos.

Sobre o avanço de fraudes envolvendo Fdics, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) disse que acompanha e analisa informações e movimentações no âmbito do mercado de valores mobiliários brasileiro, tomando as medidas cabíveis, sempre que necessário, mas que não comenta casos específicos. A Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima) afirmou que qualquer informação ou documento precisam ser mantidos em sigilo absoluto até que seja realizada e concluída alguma ação de supervisão. Para advogados, a legislação de recuperação judicial tem falhas que dão brecha para aprovação de processos fraudulentos. O instrumento passa a dar um "salvo-conduto" para gestores de má-fé. Os processos de recuperações judiciais (RJs) têm sido questionadas na Justiça por indícios de fraude na obtenção de crédito. Ao menos 90 Fundos de Investimentos em Direitos Creditórios (Fidcs) teriam sido lesados pelas práticas.

Uma das falhas é a não realização de uma perícia prévia, essencial para apurar a origem da dívida da empresa, assim como as condições reais dela para se reerguer. Sem isso, as RJs se tornam um verdadeiro “calote institucionalizado", diz o escritório Balduino e Manikowski Advogados, que atua em defesa de Fidcs em algumas das ações. A perícia foi chamada de "constatação prévia" na reformulação da lei das RJs, incluída no artigo 51-A. Porém, nem todos os juízes a concedem. Antes da reforma da legislação, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em 2019, emitiu uma recomendação para que os magistrados determinem a realização da perícia, antes do deferimento do processo. Esse "calote institucionalizado" ocorre porque, quando deferida uma RJ, a legislação dá inúmeros benefícios à empresa, como suspensão das ações e execuções movidas pelos credores por 180 dias. É possível ainda obter descontos de até 90% do valor original da dívida, prazo de pagamento de até 15 anos e ter esses privilégios ainda estendidos aos sócios administradores, desde que aprovados na assembleia geral de credores.

A recuperação judicial fraudulenta não é um benefício, mas sim uma prática ilegal e condenável que afeta a economia como um todo. Ela pode gerar um ambiente de desconfiança e insegurança nos negócios, afastando investidores e diminuindo a disponibilidade de crédito para empresas legítimas que realmente necessitam de auxílio financeiro para se reerguerem. A principal forma de atuar das empresas que são suspeitas de emitirem crédito de maneira fraudulenta consistiria na emissão de duplicatas simuladas para vendê-las a um Fidc, com o objetivo de obter recursos financeiros. A empresa vira o meio fraudulento de angariar recursos financeiros, perdendo assim, sua função social. Quando ocorre a limitação de levantamento de recursos, buscam proteção sob o manto da recuperação judicial. A legislação relativamente recente, de 2005, faz ainda com que o devedor seja visto como vítima, segundo a FZ Advogados.

Além disso, a falta de varas especializadas também prejudica uma avaliação mais minuciosa do juiz. A ação não existe para defender o empresário, mas para prevenir o impacto negativo da falência no mercado. Se na revisional (bancária) ele é visto como devedor, na recuperação de crédito é visto como salvador de empregos e da atividade econômica. Nas recuperações judiciais, o fraudador também se beneficiaria do fato de não haver análise do mérito. A FZ Advogados diz que o processo de recuperação se limita em discutir a elaboração de um plano de pagamento, deixando de lado as razões pelas quais a empresa entrou no estado de quebra, a menos que os credores se movimentem em notícias crime. Mesmo com a apresentação dessas denúncias, juízes têm decidido que uma acusação criminal deve ser investigada em outro processo, na esfera penal, para evitar tumultos no andamento da recuperação.

Afinal, o objetivo deste processo é preservar a função social da empresa, salvar empregos e garantir a atividade econômica. Um exemplo é a decisão que suspendeu o andamento da recuperação da transportadora Graneleiro. O juiz André da Fonseca Tavares afirmou que, mesmo se a fraude for comprovada, cabe aos credores, em assembleia, decidir pelo andamento da ação. A identificação de eventual fraude deve ser comprovada de forma robusta e consistente, e a mera alegação ou suspeita não é suficiente para obstar o processamento do pedido de recuperação. Ao final, mesmo comprovada, caberá ao conjunto de credores, em assembleia, decidir sobre a viabilidade da recuperação, sem prejuízo da responsabilização, nas esferas civil e criminal, dos administradores responsáveis pelos ilícitos comprovados, bem como pelas reparações cabíveis. Fonte: Broadcast Agro. Adaptado por Cogo Inteligência em Agronegócio.