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11/Mai/2023

Relações internacionais e o comércio agropecuário

As recentes viagens internacionais do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e as declarações feitas no decorrer delas, trouxeram de volta o debate sobre a posição brasileira de equidistância nas relações internacionais. Alguns experts questionaram se o governo brasileiro estava dando sinais de que a posição de equidistância estava sendo revisada diante de uma aproximação mais explícita com a China e a Rússia. O Brasil tem um governo novo e muito diferente do anterior no que diz respeito às relações internacionais. Acho cedo tirarmos conclusões definitivas sobre a revisão deste posicionamento com base unicamente em declarações, embora vindas da maior autoridade da nação, o presidente da República, ainda mais pelo fato de estar somente há quatro meses na cadeira.

É prudente analisar como o Itamaraty vai se comportar diante de um governo no qual seus diplomatas, eu suponho, terão mais liberdade e deverão ser mais ouvidos pelo Palácio do Planalto na formulação das posições e estratégias de relações internacionais. Embora cedo, no sentido de afirmar que o governo brasileiro atual estaria revisando a posição de equidistância, entendo que o debate sobre o tema é importante e necessário. Primeiro porque, como disse, o governo atual deverá ter perfil alto nas relações internacionais, evidenciando grande guinada em relação à gestão anterior. No governo anterior, vejo duas fases. A primeira, de total ideologização do assunto, no qual muitos de nós ficávamos torcendo para que nada fosse falado, ou seja, a indiferença em relação ao Brasil era o melhor resultado, sobretudo para o setor privado exportador.

Depois, com a positiva troca de comando no Itamaraty, o medo das falas se dissipou e a diplomacia passou a ter abordagem pragmática, para nosso alívio. Mas essa fase boa foi caracterizada por um confinamento das relações internacionais a poucos, embora bons, tópicos. A meu ver, os dois grandes pontos foram as negociações para adesão do Brasil à OCDE, liderado pelo antigo Ministério da Economia (mas com suporte no Itamaraty), e o comércio agropecuário, tanto do lado exportador com foco na Ásia e no Oriente Médio, como do lado importador, quando estourou a guerra da Ucrânia e os insumos explodiram de preço, liderado pelo Ministério da Agricultura (também com suporte do Itamaraty). O segundo ponto que vale debater é se o Brasil já se afastou da posição de equidistância em outros momentos.

Aqui, valho mais da minha experiência do que da leitura de experts. No primeiro mandato do presidente Lula, o grande debate não era sobre equidistância, mas sobre multilateralismo versus regionalismo. Era o auge da Organização Mundial do Comércio (símbolo maior do multilateralismo do comércio internacional) e o mundo entrava numa fase intensa de acordos regionais e bilaterais. A decisão do governo, na ocasião, foi alocar todos os esforços na OMC e não fazer acordos regionais. Cito os dois exemplos de maior importância econômica para ilustrar o contexto. A negociação da Alca (Área de Livre Comércio das Américas) foi travada pelo Brasil, já o Acordo UE-Mercosul tinha apoio do governo, mas este preferiu usar a grande ambição de alguns setores como escudo para não deixar a negociação evoluir com rapidez.

No caso da Alca, houve decisão de se afastar dos Estados Unidos, assim como estamos vendo hoje. No caso da União Europeia, o não fechamento do acordo decorreu mais de um cenário feito pelo governo, que no futuro (lembrando que o futuro a Deus pertence) se mostrou incorreto, de que a Rodada de Doha da OMC seria concluída com sucesso (lembrando, todas as fichas haviam sido apostadas no multilateralismo). A estratégia brasileira na OMC era o comércio Sul-Sul. Isto é, mesmo atuando no ambiente multilateral (que dá a entender equidistância), a abordagem era de aglutinar os países em desenvolvimento, se afastando dos desenvolvidos. Semelhante ao que estamos vendo hoje.

Tanto é verdade que o Brasil, graças ao enorme ativo negocial que nosso comércio agropecuário deu para o governo, que já era enorme em 2003, criou e liderou o G20 da OMC, grupo de países em desenvolvimento, que tinha Brasil, China, Índia, Argentina e África do Sul como membros, e somente não tinha Rússia porque ela entrou na organização anos mais tarde. Me parece, assim, que o Brasil já tinha desviado da equidistância outras vezes. O terceiro ponto é tentar olhar o afastamento na visão do comércio internacional, dada a já mencionada relevância do nosso comércio agropecuário para a liderança global do Brasil. A experiência passada, e o fato de que foi o agronegócio que cresceu do primeiro mandato do presidente Lula até hoje, nos indica que a liderança global do Brasil tem legitimidade por causa deste setor.

Portanto, qualquer guinada ou mudança de rumo promovida pelo governo nas relações internacionais precisa fazer uma análise de risco para o comércio agropecuário. Aproximar-se da Ásia, assim, faz sentido. Mas, não basta pensar apenas na nossa ação, é preciso pensar na reação. É aqui que o afastamento da equidistância pode trazer riscos. Estados Unidos, União Europeia e Inglaterra assumiram para si a liderança no tema da emergência climática. O Brasil passou quatro anos alheio a esse movimento e nosso espaço foi ocupado por eles. Esses países estão colocando enorme pressão sobre as companhias globais, que são aqueles agentes que viabilizam o comércio agropecuário brasileiro, a assumir compromissos de implementar ações na sua cadeia de suprimento que resultem na redução das emissões de gases de efeito estufa.

Ou seja, as exigências almejadas por países, se implementadas, vão bater no produtor rural brasileiro. Assim, embora grande parte do nosso comércio agropecuário seja voltada para a Ásia e o Oriente Médio, são empresas globais brasileiras, ou multinacionais com forte inserção no Brasil, que garantem tal comércio. E companhias globais são vitrine. Quanto mais o Brasil se afastar dos desenvolvidos, mais a pressão será feita diretamente nos agentes que viabilizam o comércio externo brasileiro. Dada a enorme importância do comércio agropecuário brasileiro, é esperado que o governo dê respaldo para as companhias que atuam em tal comércio. Olhando a floresta, me parece que preservar a equidistância permanece sendo o caminho de menor risco para o agronegócio brasileiro. Fonte: André Nassar. Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove). Broadcast Agro.