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28/Abr/2023

Comércio internacional e regulamentação ambiental

A aprovação da regulamentação de devida diligência (due diligence) pelo Parlamento Europeu, no dia 19 de abril, que cria exigências para controlar e coibir a importação de produtos agrícolas em áreas com desmatamento, é mais um passo da União Europeia no contexto do Plano Verde Europeu. Reino Unido e Estados Unidos estão elaborando regras similares para afastar o risco de desmatamento e emissões de gases de efeito estufa (GEEs) associados aos produtos importados. A taxação de carbono na fronteira, por meio do Carbon Border Adjustment Mechanism (CBAM), é outra regulamentação que está no forno e deve iniciar em outubro de 2023. A lógica é evitar o "vazamento de carbono" na produção de certos produtos nos países exportadores. Canadá, Estados Unidos e outros países estudam medidas semelhantes. Vale dizer que um dos objetivos intrínsecos de medidas dessa natureza é, na prática, precificar emissões de GEEs para setores que não são sujeitos a metas de redução de emissões nos seus países.

Os Estados Unidos aprovaram, no fim de 2022, o "Inflation Reduction Act", um ambicioso pacote de subsídios que visa incentivar o setor de energias renováveis a fim de fortalecer a produção de energias renováveis e vender produtos industriais do setor, que soma US$ 430 bilhões. O "World Trade Report 2022", publicado pela Organização Mundial do Comércio (OMC) em dezembro de 2022, tratou das conexões de medidas comerciais que visam atingir objetivos ambientais, tendo as medidas de carbono na fronteira e políticas para coibir desmatamento como exemplos clássicos da discussão atual no plano multilateral. A OMC, que busca se reinventar diante da profunda crise do multilateralismo, propõe encontrar formas de evitar barreiras ao comércio e usar o comércio internacional como instrumento para catalisar a produção sustentável de alimentos, energias e serviços. Há vários grupos na OMC tratando das relações de comércio e carbono, valendo citar, por exemplo, o "Trade and Environmental Sustainability Structured Discussions (TESSD)".

Regulamentações e padrões que visam atingir efeitos em outros países, o que se denomina regulação extraterritorial, são cada vez mais presentes no dia a dia do comércio internacional, dos investimentos e dos negócios. As novas exigências europeias não aceitarão a produção em áreas desmatadas a partir de 31/12/2020. A tônica é desmatamento zero, o que exigirá informações dos polígonos produtivos a fim de comprovar que não houve conversão. Capturar e fazer com que essas informações transitem ao longo da cadeia logística do campo ao importador final não é trivial, especialmente para commodities que não são segregadas. Isso pode incrementar os custos de transação no processo de exportação. Importadores europeus já sinalizaram uma intensa preocupação com esses custos, que podem, na verdade, aumentar o preço dos produtos. Reduzir o risco de ter contaminação pelo desmatamento será crucial. A regulamentação prevê que os países e/ou regiões poderão ser classificados de alto ou baixo risco, o que servirá como um norte para os importadores.

Estados com elevadas taxas de desmatamento podem recair na categoria de alto risco e, simplesmente, ficarem de fora das exportações. Na prática, os importadores europeus terão que encontrar meios para comprovar que os produtos são livres de desmatamento, sob pena que serem severamente penalizados. Para tanto, poderão usar documentos-base que serão disponibilizados exigindo diversas informações, ou mesmo aderir a padrões voluntários de sustentabilidade ou certificações. A União Europeia tem uma vasta experiência com o uso de certificações no mercado de biocombustíveis, o que exigiu um intenso envolvimento das usinas de etanol nos últimos anos. Uma vez aprovada a regulamentação, as medidas começarão a vigorar em 18 meses, o que certamente criará um intenso movimento de importadores europeus e de exportadores aqui no Brasil e outros países com risco de desmatamento. A Comissão Europeia é um ator central nessa discussão, visto que deverá trabalhar com os parceiros comerciais a fim de reduzir risco de desmatamento.

As negociações para transformar o Acordo UE-Mercosul parecem um espaço oportuno para apresentar evidências consistentes sobre o que o Brasil está fazendo para conter desmatamento. A versão da consulta pública do Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAM) apresentada pelo governo aponta que, em 2022, o desmatamento na Amazônia ocorreu em 25% de áreas privadas, 32% em terras públicas não destinadas, 29% em assentamentos da reforma agrária, 11% em Unidades de Conservação e 2% em Terras indígenas. A gestão e controle do desmatamento em áreas privadas tem o Cadastro Ambiental Rural (CAR) como instrumento central, o que exige urgentemente envolver os estados no processo de avaliação do CAR e fortalecimento da regularização ambiental. Essa agenda, que se arrasta desde 2012 por diversas regiões, pode estampar os produtos da agricultura com um selo verde que evite as barreiras europeias e de outros países. Na prática, a produção e a conservação propiciada pelo Código Florestal diferenciam os produtos do agro brasileiro, e isso terá força com o avanço do CAR.

Vale lembrar, por exemplo, que a China já anunciou que não aceitará comprar produtos de áreas com desmatamento ilegal, muito embora ainda não tenha regulamentação a respeito. Só o CAR avaliado e periodicamente atualizado permitirá dar essas informações em tempo real para qualquer importador. Os anseios diante da nova regra europeia exigem um intenso envolvimento do setor privado e do governo, a fim de evitar barreiras que desconsiderem os efetivos riscos do desmatamento na agricultura e, simplesmente, bloqueiem a compra de produtos de diversas regiões do País. A Europa representa, em média, 15% do total das exportações do agro brasileiro e é um cartão de visitas fabuloso. É fundamental definir estratégias para jogar no campo do comércio internacional e do meio ambiente. Conter rapidamente o desmatamento ilegal é apenas uma das ações que urgem. Impulsionar a adequação ao Código Florestal, com envolvimento concreto dos Estados, dos Ministérios envolvidos do RegularizAgro, do setor privado e atores que buscam fomentar a economia da restauração é outro desafio central.

Em paralelo, é preciso que o Brasil tenha a OMC, o Acordo UE-Mercosul e novos acordos regionais como base para reconhecer que a agropecuária tropical agrega elevados padrões produtivos, minimamente equivalentes aos que os parceiros comerciais demandam. Os países têm o direto de definir suas políticas de desenvolvimento sustentável, devendo, no entanto, seguir suas obrigações em tratados e acordos internacionais, como é o caso do Acordo de Paris. O fato de existir mais de 140 países que pretendem adotar ações climáticas de agricultura e segurança alimentar evidencia que não existe um enfoque correto, mas sim que há diversos fatores que norteiam e desafiam os países a produzir mais alimentos e energias renováveis, recuperar solos degradados, conservar vegetação, reduzir emissões e, sobretudo, permitir que os diferentes sistemas adotem práticas que favoreçam a adaptação aos impactos do aquecimento global. O tabuleiro dessas medidas de comércio e meio ambiente está posto. Cabe ao Brasil estar preparado para mostrar seu papel de potência agrícola e ambiental e qualificar produção sustentável agregando elementos que qualificam os produtos nacionais. Fonte: Rodrigo C. A. Lima. Broadcast Agro.