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13/Abr/2023

Reforma Tributária e os riscos para o agronegócio

A reforma tributária dos impostos indiretos (aqueles incidentes sobre o consumo) ganhou tração novamente no Congresso Nacional. A Câmara dos Deputados criou um grupo de trabalho, que já realizou algumas audiências públicas, o que mostra o interesse político da aprovação no parlamento. O governo federal demonstra também interesse político com a criação da secretaria especial para a reforma tributária, no Ministério da Fazenda. A fusão dos tributos federais, estaduais e municipais num Imposto sobre Valor Agregado (IVA), ou dois IVAs, se aprovada, começa com mudança na Constituição Federal, por isso se fala em propostas de emenda constitucional, PEC 45 (Câmara) e PEC 110 (Senado). Leis complementares terão que ser aprovadas na sequência, após a validação dessas mudanças, visando tornar o IVA e os demais dispositivos do seu funcionamento, tal como o Comitê Gestor ou Conselho Federativo, operacionais.

A implantação do IVA muda estruturalmente o sistema de tributos indiretos no Brasil, a começar pelo fato de que o imposto será destinado à unidade federativa de consumo, e não à de produção, como ocorre hoje no ICMS (com exceção de alguns setores que já são no destino, tais como combustíveis, eletricidade etc.). Um dos segmentos que manifesta preocupação com a implantação do IVA é o agronegócio. Diferentemente da manufatura, o agronegócio, começando nos setores de insumos, passando pelo produtor rural e terminando na indústria de processamento de produtos agropecuários (incluindo parte da indústria de alimentos), convive com uma estrutura tributária dos impostos indiretos já simplificada. Compreendendo a competitividade do agronegócio brasileiro e seu crescente ganho de produtividade, os legisladores, tanto federais, quanto estaduais, fizeram o trabalho, no passado, de simplificar o modelo de incidência de ICMS (estadual) e de PIS/Cofins (federal) para o setor.

Assim, embora o sistema de tributos indiretos no Brasil seja efetivamente complexo, com elevado risco de litigiosidade, e consumidor de horas excessivas de profissionais, algumas adequações o tornaram mais funcional e menos penoso para o agronegócio. O setor respondeu com força. Não à toa, é aquele com maior ganho de produtividade, maior dinamismo nas exportações e com maior crescimento da produção da economia brasileira em anos a perder de vista. A capacidade de desenvolvimento é tal que o PIB da agropecuária cresce de forma consistente, diferentemente dos demais setores da economia que têm variações de ondas e vales sem uma trajetória sustentável. Sem falar nas exportações, dado que é o único setor com incremento consistente e ganho de participação de mercado internacional. Ao contrário da manufatura, o agronegócio brasileiro atende a um mercado de 6 bilhões de pessoas, não estando limitado aos 215 milhões de brasileiros consumidores. Essa é uma conquista da economia brasileira que não pode ser perdida. A simplificação tributária oferecida ao agronegócio, devolvida para a economia com mais produtividade, mais exportação e mais produção, se alicerça nos seguintes pontos centrais.

O primeiro é que o produtor rural adquire muitos insumos (fertilizantes, defensivos e outros) de forma desonerada de ICMS (estadual), com redução de base de cálculo ou diferimento, e PIS/Cofins (federal). Essa menor oneração se justifica para não gerar muita cumulatividade, pois o produtor, na sua venda, não recolhe PIS/Cofins e muitas vezes nem ICMS no caso de comercialização para comprador que vai exportar e para o que vai processar, seja porque está na mesma UF, seja por diferimento. Dado que o produtor não é contribuinte do PIS/Cofins e muitas vezes vende sem incidência de ICMS, a simplificação tributária para ele fica evidente, uma vez que ele não tem que lidar com os meandros dos tributos federais e estaduais. Trata-se da segunda razão, ou seja, já há simplificação tributária. Com a implantação do IVA, isso vai mudar e o produtor rural vai passar a ser contribuinte. As desvantagens para ele são claras na minha explicação anterior, as vantagens, explico a seguir. A terceira razão, mencionada acima, é a imunidade na exportação, garantida na Constituição, e implementada de forma concreta pela desoneração às exportações promovida pela Lei Kandir.

Embora a Lei se aplique a todos os setores exportadores, no agro, conforme já explicado, o elo anterior ao exportador, ou seja, o produtor, está também desonerado, criando uma cadeia de exportação limpa de tributos e simplificada. Embora haja acúmulo de créditos de PIS/Cofins e, no caso de processamento de matéria-prima de UF diferentes, de ICMS, na exportação, esse acúmulo é pequeno perto do montante de crédito que será criado com a implementação do IVA. Para se ter uma ideia, a cadeia de exportação de soja, que é o maior setor exportador brasileiro, com um IVA de 25%, terá ao redor de 10 vezes mais crédito a receber na exportação do que tem hoje. Muito embora o crédito do IVA será financeiro, entre a compra do produto e a comprovação da operação de exportação, que é quando o exportador terá direito a pedir ressarcimento para daí contar o tempo de devolução (60 dias a mais), podem levar meses. 25% sobre o preço de compra da soja serão carregados por meses pelos exportadores em seus fluxos de caixa criando um custo inexistente hoje. Os riscos de perda de competitividade internacional são evidentes, a meu ver.

A quarta razão é o incentivo à industrialização. Um dos argumentos utilizados pela manufatura para tentar convencer o agronegócio sobre os benefícios da reforma é que o IVA vai estimular a industrialização de produtos agropecuários. Vou mostrar primeiro por que isto está errado e, a seguir, mostro por que também está certo. Devido ao fato de o produtor rural não ser contribuinte de PIS/Cofins, para minimizar cumulatividade foi criado um regime especial de crédito presumido para a industrialização. As indústrias de processamento que adquirem matéria-prima agropecuária recebem um crédito de PIS/Cofins e buscam ressarcimento deste na Receita Federal. O regime especial varia entre os setores do agro mas, regra geral, ele é um forte estimulador de industrialização. Ainda usando o exemplo da soja, 2/3 da soja adquirida no Brasil é exportada em grão e 1/3 é processada para produção de farelo de soja, óleo vegetal e outros produtos. O volume de soja processado dá direito para a indústria de processamento receber o crédito presumido e ser ressarcida. O volume exportado em grão, não.

Quando o IVA entrar em vigor, o regime especial de crédito presumido para industrialização de produtos agropecuários vai acabar. Não haverá, assim, nenhum estímulo disponível para processamento de soja como há hoje. Ademais, a exportação de farelo e de óleo vai acumular, por unidade de produto exportada, mais IVA na exportação pois vai carregar o crédito da soja adquirida para processamento e o crédito dos insumos utilizados para tal. A meu ver, o IVA vai trazer desestímulo à industrialização no caso das cadeias tipicamente exportadoras. Assim, quando representantes da manufatura alegam que o IVA vai estimular mais industrialização deveriam dizer: para aquelas cadeias de mercado interno, porque para aquelas orientadas para exportação (lembrando, mais de 2/3 da nossa soja é exportada via grão ou via processados e é o maior setor exportador brasileiro), o efeito é contrário. Seria um equívoco não listar as vantagens do IVA para o agro. Na verdade, seria desnecessário porque tem um monte de gente fazendo isso. Mas seria incorreto da minha parte.

Diversos estudos mostram que a simplificação dos tributos trazida pelo IVA vai promover crescimento econômico em todos os setores. É verdade, também, que o IVA vai diminuir litigiosidade, sobretudo depois de finda sua transição. E, por fim, é também verdade que o custo de gestão tributária das companhias vai cair com a simplificação promovida. Não posso discordar destes pontos. Embora tenha ressaltado que no agronegócio há maior simplificação no sistema atual, isso não é verdade para a manufatura, incluindo a indústria de alimentos diversificada e voltada para mercado interno. Estudos mostram, também, que há um resíduo tributário estacionado no produtor rural. Como a comercialização acontece sem incidência de tributos, todos os serviços contratados por ele com incidência de ISS, investimentos em bens duráveis (lembrando que o agro é o setor com maior ganho de produtividade na economia brasileira e, assim, consequentemente, é um dos que mais investe em capital fixo) carregados de IPI (de longe o pior tributo brasileiro que precisa sumir com ou sem reforma tributária) e alguma coisa de ICMS em insumos, geram um resíduo de crédito no produtor estimado entre 5% a 10% do seu faturamento.

O IVA vai acabar com esse resíduo e isso ajuda a reduzir custo. A questão é que, dependendo do valor agregado gerado pelo produtor rural, com IVA de 25%, a incidência tributária com o IVA deverá ser maior do que o resíduo atual. Mas é verdade que o resíduo será eliminado e resíduo é pura ineficiência para a economia. O IVA vai resolver o problema da incidência de ICMS quando a matéria-prima agropecuária se origina em UF diferente da sua de processamento. Como o crédito será financeiro, as indústrias de alimentos que acumulam crédito de ICMS e hoje não conseguem utilizar, seja porque falta incidência na venda (produtos da cesta básica, por exemplo), seja porque exportam, e ficam “a ver navios” pois as UFs não devolvem, terão onde descarregar esse crédito ou serão ressarcidas via crédito financeiro no sistema unificado. Deste modo, há também um resíduo na indústria de alimentos que será eliminado pelo IVA, principalmente para aqueles que atuam no mercado interno (na exportação já falamos dos riscos acima associados ao carregamento de crédito financeiro ressarcido com demora). As premissas de gerar maior eficiência na economia e, consequentemente, promover crescimento econômico, além de diminuir a regressividade para os consumidores de menor renda, são muito fortes a favor da reforma tributária.

Se a decisão política for por sua aprovação, ela será aprovada. Mas há riscos relevantes de perda de competitividade nas exportações e na industrialização do agronegócio que podem decorrer dela. O Congresso Nacional precisa se debruçar sobre isso e colocar na Constituição dispositivos que mitiguem esses efeitos. São eles: crédito tem que ser tratado como direito do contribuinte e precisa ser ressarcido de forma rápida e sem condições acessórias, a alíquota do IVA para o agronegócio precisa ser diferenciada e menor, e um dispositivo para definição de regime especial com foco no estímulo à industrialização dos produtos agropecuários, a ser negociado em lei complementar, precisa ser garantido. Por mais que a manufatura argumente em favor da reforma tributária para trazer competitividade à indústria, a história de ganhos econômicos trazidos pelo agronegócio para a economia brasileira vale mais do que a promessa de ganhos futuros sendo feitas pela própria manufatura. A reforma tributária não pode resultar em perda de competitividade internacional do agronegócio. Vamos trocar um mercado de 6 bilhões de consumidores por um de 215 milhões. Não nos parece bom negócio. Fonte: André Nassar. Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove). Broadcast Agro.