ANÁLISES

AGRO


SOJA


MILHO


ARROZ


ALGODÃO


TRIGO


FEIJÃO


CANA


CAFÉ


CARNES


FLV


INSUMOS

27/Mar/2023

Mercado internacional de títulos verdes – entrevista

O Brasil pode registrar uma expansão marcante da sua participação no mercado internacional de títulos verdes, sociais e sustentáveis (GSS) neste ano. Em entrevista, Maria Netto, especialista principal do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), aponta que o mercado pode aceitar uma emissão soberana de US$ 3 bilhões de GSS bonds e ela estima que pode subir 10% a movimentação do setor privado com estes papéis ante o montante de US$ 5,7 bilhões registrado em 2022. Por parte do setor público, a emissão é viável especialmente com a posição do novo governo federal de tornar a proteção do meio ambiente uma das suas prioridades.

No segmento privado, a maioria das captações até hoje ocorreram em energia e uso do solo. Ainda é pequena a participação das áreas de transporte, saneamento básico e agribusiness, mas ela tem um espaço grande para crescer bem no médio prazo. Além de financiar projetos para modernizar redes de energia, a especialista também destaca que o BID pode trabalhar com o Brasil para o desenvolvimento do hidrogênio verde, como já faz com o Chile. Ela destaca que tal fonte de energia renovável poderia ser produzida em grandes parques solares e eólicos, muitos deles localizados na Região Nordeste. Segue a entrevista:

Como o BID atua com projetos socioambientais?

Maria Netto: O BID tem como meta financiar 40% da sua carteira com projetos de impacto socioambiental em 2025, basicamente com mitigação e adaptação a mudanças climáticas. Temos um papel protagonista como instituição multilateral de catalisar recursos financeiros para projetos climáticos na América Latina, com instrumentos como o Green Climate Fund, o Climate Investment Fund e fundos bilaterais, como os que realizamos com o Reino Unido, Noruega e Alemanha. Para o setor público, além de oferecermos empréstimos também atuamos com garantias, inclusive para emissões soberanas. Temos um programa de liquidez para países em casos de desastres naturais que cada vez mais está se tornando importante. E atuamos na intermediação financeira com os bancos públicos e com o setor privado, com fundos de investimentos, por exemplo.

Como o BID pode trabalhar com o Brasil para avançar o mercado de green bonds?

Maria Netto: O Brasil tem um potencial muito grande de atuar com títulos verdes, sociais e sustentáveis devido ao seu tamanho, a matriz energética limpa e o seu capital natural, que inclui a Amazônia. Há também um imenso potencial de recuperação de áreas degradadas de florestas. Segundo a consultoria McKinsey, o Brasil poderia responder por 15% da remoção de gás de efeito estufa do planeta com o reflorestamento de todas as áreas degradadas. O Brasil também tem grandes potencialidades com a indústria que é muito mais limpa do que a manufatura global, pois utiliza menos carbono dada a matriz energética. No agrobusiness, se conseguirmos mostrar que o setor não está desmatando, o potencial é enorme. O Boston Consulting Group calcula que a agricultura regenerativa, que está hoje em 20 milhões de hectares, poderia crescer 5 vezes. O Brasil tem a biomassa, a energia limpa, o hidrogênio verde.

No caso do governo do Brasil melhorar a gestão ambiental, quanto podem subir os investimentos em green bonds do setor privado neste ano?

Maria Netto: Em 2021, o mercado privado movimentou US$ 13,8 bilhões. Mas, com a desaceleração da economia mundial em 2022, as emissões de green bonds pelo setor privado do Brasil baixaram para US$ 5,7 bilhões. A maior parte das emissões até hoje ocorreram nos setores de energia e de uso da terra. Isto significa que ainda é pequena a participação de outros segmentos, como o de transporte, de saneamento básico e agrobusiness. Há um bom espaço para trabalhar com eles.

É viável o total de emissões de US$ 5,7 bilhões em 2022 subir 10% em 2023?

Maria Netto: Eu acho que sim, com a ressalva de que a expansão deste mercado está relacionada com o crescimento econômico do Brasil. Sai o fator das eleições (presidenciais) de 2022 e haverá mais interesse do mercado agora, pois o governo dá uma sinalização mais positiva em relação a questões ambientais. Em 2023, as áreas de destaque de emissões deverão ser energia e papel e celulose.

E quando este mercado voltará à marca de US$ 13,8 bilhões? Seria possível retornar em dois ou três anos?

Maria Netto: Não sei, eu espero que sim. Precisamos trabalhar com a diversificação de setores, de emissores e de instrumentos financeiros. Por exemplo, se uma grande companhia de agribusiness começa a investir para ter um selo verde, que comprove que produz mercadorias sem desmatamento, faz sentido que ela faça uma emissão de títulos verdes.

Como o BID está trabalhando com o governo federal no mercado de green bonds?

Maria Netto: O BID e o Banco Mundial atuam há 2 anos com o Tesouro Nacional para ajudar no desenvolvimento de um arcabouço para títulos sustentáveis, que está bem avançado. No momento, a ideia é realizar uma emissão sustentável com um pacote de investimentos. No caso de emissões soberanas deste tipo é feito um trabalho de revisar o orçamento federal, avaliar o que existe de projetos sociais e verdes. Pode incluir financiamento de infraestrutura e apoio à capacitação de gestão administrativa do governo. Uma emissão soberana de títulos sustentáveis e verdes teria melhores condições junto aos investidores do que uma sem estas características. Ela ajudaria investidores internacionais a voltar a trabalhar com o País.

Executivos do setor privado têm manifestado que com uma melhor política ambiental o Brasil pode realizar ao final deste ano uma emissão soberana de US$ 3 bilhões de títulos verdes, sociais e de sustentabilidade (GSS, na sigla em inglês). Haveria interesse de investidores por uma emissão desta magnitude?

Maria Netto: Sim. A emissão sustentável tem a vantagem de permitir certa flexibilidade no portfólio (de investimentos).

E tal emissão soberana em títulos GSS poderia incluir a destinação de recursos a projetos sociais, como Minha Casa, Minha Vida e programas de financiamentos a mulheres empreendedoras?

Maria Netto: É possível, foi o que fizemos no Equador. O país realizou uma emissão soberana e os recursos foram para um fundo que financiava moradias sociais.

Como o BID está trabalhando com projetos sustentáveis na Amazônia?

Maria Netto: Em 2021, o BID criou um programa com fundos destinados a captar recursos à região amazônica. Com o Green Climate Fund, conseguimos aprovar um programa de US$ 279 milhões para o bioma amazônico da América Latina. O BID tem uma unidade dedicada à Amazônia. Nós olhamos para a região do ponto de vista de conservação, como o apoio na redução de desmatamento, e para a necessidade de ampliar a infraestrutura local. Temos foco em questões sociais, como inclusão e diversidade, além da bioeconomia e saneamento básico. Nós também trabalhamos com os Estados. No Pará, atuamos para desenvolver melhores capacidades de gestão pública para poder enfrentar o desmatamento, mas também na cooperação técnica do fundo Amazônia Agora, que visa deslanchar projetos públicos e privados de infraestrutura na região.

O que está sendo feito na área de transição energética com o Brasil?

Maria Netto: Tem um trabalho com o Climate Investment Fund no qual tentamos canalizar recursos internacionais para a modernização das redes, digitalização do sistema, melhorar o acesso à energia. Há o potencial de replicar experiências como as do Chile de trabalhar com hidrogênio verde no Brasil. O MDIC lançou com o Ministério das Minas e Energia um grupo de trabalho sobre o tema na semana passada. Alguns Estados e empresas privadas já fazem projetos pilotos. O tema hidrogênio verde ainda está na esfera da Pesquisa & Desenvolvimento. Destaco os grandes parques solares e eólicos no Nordeste que poderiam produzir hidrogênio verde.

Como o BID atuou recentemente com o BNDES para estruturar um fundo garantidor de energia?

Maria Netto: É um fundo que permitirá projetos de eficiência energética, eventualmente de energia solar distribuída. Estamos tentando incluir garantias para as baterias, o armazenamento, que ainda são muito caras no Brasil. Este fundo garantidor dará condições para investidores menores financiarem os projetos e considerarem os recebíveis como garantia, pois muitas vezes não são aceitos.

Este fundo garantidor estará pronto neste ano?

Maria Netto: Eu acho que sim, já faz algum tempo que o BNDES está trabalhando nele.

No geral, como o BID atua com o BNDES?

Maria Netto: O BID fez muitas operações com o BNDES, sobretudo durante a pandemia com operações grandes para apoiar a recuperação econômica. Existe um pipeline com muitos programas que foram aprovados e estão sendo executados, como o financiamento de micro e pequenas empresas e energias renováveis. Para este ano, eu acho que talvez não tenhamos operações na carteira, que já é muito ampla. É preciso de espaço no orçamento, que já está definido (para 2023). Contudo, há possibilidade de colaborar em várias operações. Por exemplo, se formos financiar a bioeconomia na Amazônia, e há o Fundo Amazônia, nós deveríamos coordenar os recursos. Temos também a oportunidade de trabalhar com eletromobilidade. Há muito interesse de vários municípios em financiamentos nesta área e em programas que lidam com mudanças climáticas, como os relacionados a desastres naturais.

Como o BID pode cooperar com o Brasil para desenvolver o mercado de carbono?

Maria Netto: O mercado de carbono tem possibilidades muito grandes no Brasil. Como o País teria 15% do potencial global de recuperação de áreas degradadas de florestas, se investimentos fossem feitos nessa direção haveria um excedente de crédito de carbono imenso. Mas é preciso destacar que uma coisa é o mercado doméstico regulado, onde agentes compram e vendem créditos e há mecanismos de leilão, como ocorre na Europa. Outra coisa é como autorizar ou não as negociações de créditos para o exterior. Há certas incertezas sobre definições legais. No Brasil, a CVM e o Banco Central já deram indicações que o ativo será financeiro. Em outros países, como os EUA, há sinais de que será tratado como commodity. É preciso saber qual é a natureza do ativo e quais serão as leis.

O governo precisa autorizar o crédito de carbono para ser vendido no exterior?

Maria Netto: Exato. Do contrário, o Poder Executivo pode dizer que contabiliza aquilo que foi negociado para fora como parte da sua contribuição para reduzir emissões de carbono no âmbito do Acordo de Paris. Precisaria haver clareza sobre como tais operações poderiam ocorrer e quais setores poderiam atuar. Vamos supor que o Brasil desse autorização para a venda de créditos de carbono no exterior. O valor que o investidor vai dar será relativo à certeza de que tais créditos são adicionais (que surgiram devido a um projeto de redução de emissões de CO2). O Brasil pode ser um exportador desses créditos se o País tiver uma postura ativa nesta área. É preciso criar a infraestrutura, com plataformas de negociação transparentes. Há também a questão da regulação do mercado financeiro. Existem vários projetos no Congresso em Brasília que estão avançados. Provavelmente haverá no segundo semestre uma sinalização da lei saindo, o que gerará um marco jurídico que definirá o que é o ativo. O BID pode apoiar o governo nas políticas de precificação de carbono.

Fonte: Broadcast Agro.