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24/Fev/2023

Agropecuária: desafios e riscos climáticos no Brasil

Uma das decisões adotadas na 27ª Conferência das Partes da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças do Clima (COP-27 UNFCCC), que ocorreu em Sharm el-Sheikh, no Egito, em 2022, trata da relação entre agricultura, mudanças climáticas e segurança alimentar. Há pelo menos 10 anos se discute, na UNFCCC, como aprofundar o envolvimento dos países e diversos atores ligados à agricultura, na adoção de ações que permitam, além de reduzir emissões de gases do efeito estufa (GEEs), favorecer a adaptação aos efeitos das mudanças climáticas. A decisão da COP-27 criou o "Trabalho conjunto de Sharm el-Sheikh para a implementação de ação climática na agricultura e segurança alimentar", com mandato de 4 anos para aprofundar o que são as ações climáticas em agricultura, estimular a cooperação e apoiar os países nessa agenda.

Ainda estabeleceu o "Sharm El-Sheikh online portal" para trocar informações sobre projetos, iniciativas e políticas voltadas para implementação de ações climáticas. Em 2023 as negociações em torno desse novo grupo deverão se voltar para temas prioritários e como funcionará essa plataforma, tendo como prioridade salvaguardar a segurança alimentar, acabar com a fome e enfrentar as vulnerabilidades dos sistemas produtivos. Vale destacar que das 166 Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDC) submetidas e atualizadas pelas Partes até setembro de 2022, 141 contemplam ações em agricultura. O desafio em âmbito global é integrar soluções que permitam produzir mais alimentos, de forma mais eficiente, reduzir emissões de GEEs e adotar práticas, tecnologias e instrumentos de gestão de riscos que permitam minimizar as perdas decorrentes dos eventos climáticos extremos em qualquer sistema produtivo.

Na prática, a ambição é viabilizar a agropecuária resiliente, que sofra menos com os impactos do clima. Como potência agrícola, o Brasil não fica imune a esses efeitos, o que se torna, ano após ano, uma realidade incômoda. A estiagem e a falta de chuvas regulares, a intensidade de chuvas, alagamentos e vendavais, o aparecimento de novas pragas, o atraso no plantio e as geadas intensas assolam diversas regiões do País. De acordo com dados do governo do Rio Grande do Sul, na safra 2019/2020, 394 (79%) municípios decretaram situação de emergência por conta da estiagem. Na safra 2021/2022, foram 417 (84%) municípios, o que gerou desembolsos da ordem de R$ 44 milhões de recursos da União para socorrer impactos somente da estiagem.

Na safra corrente, 2022/2023, 317 municípios (64%) já decretaram emergência por estiagem, o que ilustra de forma marcante a intensificação dos riscos climáticos e a urgência de se aprimorar os instrumentos de gestão de riscos combinados com estratégias para aumentar a resiliência na produção agropecuária. Riscos climáticos na agricultura geram vários efeitos. O mais imediato é a quebra de safras e a morte de animais, que prejudicam diretamente produtores de todos os tamanhos e níveis tecnológicos. A degradação e a perda de fertilidade dos solos geram impactos que serão sentidos ao longo dos anos, podendo inviabilizar a produção de certas culturas em algumas regiões. Há vários outros impactos. Torna-se evidente que o mundo enfrenta uma crise climática, e que se preparar para enfrentá-la é uma questão urgente que exige políticas públicas estruturantes.

Em 2021, o Ministério da Agricultura aprovou o Plano de Adaptação à Mudança do Clima e Baixa Emissão de Carbono na Agropecuária (Plano ABC+), integra as estratégias do País no Acordo de Paris e busca coordenar as ações climáticas que o Brasil pretende estimular integrando adaptação e mitigação. Espera-se adotar Sistemas, Práticas, Produtos e Processos de Produção Sustentáveis (SPSABC) em 72,68 milhões de hectares até 2030, permitindo reduzir até 1 bilhão de toneladas de CO2eq. As tecnologias da agropecuária tropical de baixo carbono são necessárias para viabilizar a produção e potencializar sistemas produtivos mais resilientes. A meta de recuperar 30 milhões de hectares de áreas degradadas é um exemplo notório do quanto é estratégico orientar as políticas públicas para ações que permitam produzir mais, recuperar fertilidade dos solos, agregar resiliência e, ainda, reduzir emissões de GEEs.

A integração entre agricultura, pecuária, florestas, incluindo sistemas agroflorestais, merece especial atenção diante dos diversos co-benefícios que podem advir desses sistemas, incluindo maior resiliência hídrica. Vale, neste sentido, mencionar que o Plano ABC+ prevê a inserção explícita da agricultura familiar, o que abre um amplo leque de ações que podem ser desenvolvidas para fortalecer a agricultura em todos os estados, incluindo pequenos produtores que precisam de assistência técnica e crédito para a produção de pequena escala, preferencialmente integrada a cadeias produtivas. Os Estados estão construindo seus Planos ABC+ estaduais como forma de definir metas alinhadas com os desafios regionais. De que forma podem integrar assistência técnica, reunir bancos, cooperativas, associações de produtores, dentre outros atores, na implementação de ações que permitam incrementar a agropecuária estadual tendo uma política climática como instrumento dependerá de como cada estado tratará do assunto.

A adaptação da agricultura tropical é uma agenda que merece ser avaliada com muito afinco. Fomentar tecnologias mais apropriadas, aprofundar a utilização do Zoneamento Agrícola de Risco Climático - ZARC (e, em futuro próximo, o ZARC Níveis de Manejo) desenvolvido pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e adotado parcialmente no crédito rural (no Programa de Garantia da Atividade Agropecuária - Proagro e no Programa de Subvenção ao Prêmio do Seguro Rural - PSR), desenvolver e monitorar indicadores de adaptação para diferentes sistemas produtivos, atuar de maneira enfática na adequação ao Código Florestal, ampliar o acesso à assistência técnica e ao crédito de acordo com as realidades de cada região, são apenas alguns desafios a serem enfrentados.

Em tempos de mudanças na esplanada ministerial em Brasília, com a recriação do Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar, a ênfase do Ministério da Agricultura e Pecuária na relevância da política de agropecuária de baixo carbono, e na importância que a agenda climática ganha em vários ministérios, no Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e no Banco Central do Brasil, vale ressaltar a necessidade de convergência entre as políticas públicas para a agropecuária de baixo carbono e o potencial de incentivar a produção aliada ao enfrentamento do aquecimento global.

Espera-se que o Brasil apresente seu plano de implementação da sua NDC até a COP-28, no final de 2023. Em paralelo, as negociações de agricultura tratarão do que significam ações climáticas e como financiá-las. O Plano ABC+ federal e os planos estaduais podem se consolidar como instrumentos de política agrícola climática e reduzir diversos impactos ao passo em que permitem com que o Brasil continue a produzir alimentos, energias renováveis, fibras e biomassa com atributos de sustentabilidade e resiliência climática. É tempo de pensar e implementar ações que fortaleçam a agropecuária tropical diante dos efeitos do aquecimento global partindo de políticas públicas que favoreçam uma economia de baixa emissão. Fonte: Rodrigo C. A. Lima. Broadcast Agro.