ANÁLISES

AGRO


SOJA


MILHO


ARROZ


ALGODÃO


TRIGO


FEIJÃO


CANA


CAFÉ


CARNES


FLV


INSUMOS

27/Jan/2023

Marco Global de Biodiversidade Kunming-Montreal

Em meio à crise do multilateralismo, pontuada pela pandemia da Covid-19, a escalada da crise econômica e os efeitos nefastos da guerra, nos últimos dias de dezembro de 2022 foi aprovado o “Marco Global de Biodiversidade de Kunming-Montreal” com um ambicioso pacote de 23 metas globais de biodiversidade. A 15ª Conferência das Partes da Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB) logrou o consenso de suas Partes que aprovaram o Marco Global, um acordo que estabelece as bases iniciais de um mecanismo de repartição de benefícios derivados da utilização de sequências oriundas de recursos genéticos, dentre várias outras decisões da CDB, do Protocolo de Nagoya sobre Acesso e Repartição de Benefícios e do Protocolo de Cartagena sobre Biossegurança.

O conjunto de decisões é amplo e engloba diversos assuntos relacionados à conservação da biodiversidade, promoção do uso sustentável e utilização dos recursos genéticos e, quando aplicável, a consequente repartição justa e equitativa de benefícios, conhecidos como os três pilares base da CDB. Pode-se afirmar que o Marco Global é comparável ao Acordo de Paris, muito embora não seja um tratado. Sua implementação deve mirar o ano de 2050, onde a biodiversidade é valorizada, conservada, restaurada e utilizada com sabedoria, mantendo serviços ecossistêmicos, sustentando um planeta saudável e proporcionando benefícios essenciais para todas as pessoas (Visão 2050). Isso exige que todas as Partes contribuam para sua implementação, definindo metas nacionais que espelhem as 23 metas do Marco Global.

Mais do que isso, o setor privado é um ator essencial para contribuir com a implementação das metas de biodiversidade, o que traz um peso significativo como propulsor do Marco Global. A meta 15 prevê que os países deverão adotar medidas regulatórias, administrativas ou políticas para garantir que as empresas de grande porte, bem como as companhias transnacionais e instituições financeiras, atuem para monitorar, avaliar e divulgar, com transparência, suas dependências, riscos e impactos à biodiversidade. Houve uma intensa pressão para que essa meta exigisse o cumprimento de ações de monitoramento, avaliação e divulgação, vinculando os países a obrigatoriamente definir regras sobre como o setor privado deve agir.

No entanto, tal abordagem não prosperou, permitindo que cada país defina, a partir de agora, a tipologia dos instrumentos mais adequados para buscar a efetivação desses compromissos. Na prática, assumindo que o Marco Global passará a ser adotado como referência para o mercado financeiro e para as empresas que buscam avaliar, monitorar e divulgar indicadores ambientais, a meta 15 deverá gerar uma imensa mudança na postura do setor privado diante da biodiversidade. A grande questão, que precisa ser compreendida, caso a caso, é quais são as dependências, riscos e impactos que cada setor gera a biodiversidade. Uma empresa de mineração possui um perfil distinto de uma empresa de fomento à coleta de açaí ou de essências naturais.

A produção agropecuária é distinta de uma empresa florestal, e ambas dependem do uso apropriado da biodiversidade para que seus negócios sejam perenes. Por sua vez, a indústria de alimentos ou de energia possui impactos que precisam ser mensurados considerando outros indicadores. No Marco Global ainda não foi aprovada a metodologia ou o enfoque para avaliar esses impactos e dependências, isso deverá ser negociado nos próximos dois anos. Por isso é relevante citar que já existem enfoques sendo elaborados, via iniciativas como a Global Reporting Initiative e a Taskforce on Nature-related Financial Disclousures.

Vale observar algumas metas como forma de enxergar indicadores de biodiversidade. Reduzir próximo a zero a perda de áreas relevantes para a biodiversidade é o primeiro desafio, inerente a ambição de reverter abruptamente a perda dos recursos da fauna e da flora decorrentes do desmatamento e da degradação. A meta de restauração propõe restaurar ao menos 30% das áreas terrestres, aquáticas e marinhas até 2030, fomentando sempre que possível a conectividade de áreas e a integridade ecológica. Recompor os recursos da diversidade biológica é uma agenda que pode catalisar a economia verde e deve ser incentivada como forma de gerar impactos ganha-ganha do ponto de vista socioeconômico e ambiental.

Conservar vegetação nativa em ao menos 30% das áreas terrestres e marinhas, de acordo com as políticas e enfoques de cada país, é crucial para assegurar a manutenção e resiliência da diversidade biológica. Esperava-se que essas metas vinculassem todos os países a restaurar e conservar ao menos 30% de suas áreas degradadas e dos seus territórios, o que não foi alcançado. O setor privado, grande usuário dos recursos naturais, está intrinsecamente ligado à conservação de vegetação nativa, a sua restauração no âmbito da implementação do Código Florestal ou de compensações ambientais, podendo propiciar a conectividade entre áreas, o que é crucial para fortalecer corredores ecológicos.

Reduzir os riscos e impactos negativos de quaisquer fontes de poluição que possam impactar a biodiversidade é outro elemento. Isso inclui os riscos da poluição associados ao uso de pesticidas e à perda de excesso de nutrientes para o meio ambiente. Promover a agricultura, aquicultura, pesca e silvicultura mediante práticas de manejo sustentáveis, incluindo práticas positivas para a biodiversidade, como a intensificação sustentável, práticas agroecológicas e enfoques inovadores que contribuam para a resiliência, produtividade dos sistemas e a segurança alimentar deve nortear as políticas dos países e ações do setor privado. Fortalecer a utilização dos recursos genéticos, incluindo as suas sequências, visando à repartição de benefícios é outra meta essencial, que se conecta também à decisão de criar um mecanismo para tratar de repartição de benefícios da utilização de sequências.

Esse tema tenderá a ser o mais relevante das negociações até a COP16, em 2024, na Turquia. Promover a capacidade para desenvolver avaliação científica de riscos no campo da biotecnologia e reconhecer os impactos positivos que o desenvolvimento da biotecnologia pode ter para a biodiversidade é outra meta importante quando se observa a integração do setor privado. Outra meta relevante propõe, até 2025, identificar, eliminar ou reformar incentivos lesivos à biodiversidade, a fim de reduzi-los ao menos em US$ 500 bilhões por ano até 2030, o que ensejará uma ampla avaliação de políticas de subsídios a nível global. A meta de financiamento para fomentar a implementação do Marco Global propõe mobilizar ao menos US$ 200 bilhões por ano até 2030, considerando várias fontes de recursos.

Os países desenvolvidos se comprometeram com recursos na casa de US$ 20 bilhões por ano até 2025 e ao menos US$ 30 bilhões por ano a partir de 2030. A implementação do Marco Global, considerando a estrutura anunciada pelo novo governo, com Secretarias no Ministério do Meio Ambiente e no Ministério da Indústria, Desenvolvimento e Comércio Exterior, exigirá uma ampla interação junto a todos os segmentos da sociedade, incluindo o setor privado. Espera-se que esse processo aconteça ao longo de 2023 para acelerar a internalização destas metas e assegurar entendimento e engajamento com as metas do Marco Global. É preciso integrar o setor privado como ator fundamental para contribuir com a implementação de diversas metas do Marco Global.

Além da agenda de mudanças do clima, há enormes externalidades positivas que precisam ser mensuradas, avaliadas e comunicadas como ativos gerados na produção de diversos produtos “Made in Brazil”. Da bioeconomia que gera impactos socioeconômicos positivos para pequenas comunidades, a produção de dezenas de produtos que utilizam florestas plantadas, a produção das várias cadeias agrícolas, a produção de biocombustíveis, bioplásticos, mineração, indústria têxtil, dentre vários outros setores e elos das cadeias produtivas.

O Brasil como país megadiverso tem os olhos do mundo voltados para si, o que traz responsabilidade equiparável à oportunidade de liderança global nas agendas de mudanças do clima e biodiversidade. Essas pautas não se dissociam do desenvolvimento econômico e social, ao contrário, potencializam uma nova economia que precisa do setor privado como elo que impulsiona ações que geram cobenefícios em prol do desenvolvimento do país e que contribuem com metas multilaterais. Fonte: Rodrigo C. A. Lima. Broadcast Agro.