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28/Nov/2022

Propostas de taxação do agronegócio desagradam

A apresentação de duas propostas estaduais que taxam o agronegócio, em Goiás e no Paraná, causaram celeuma na semana passada e, consequentemente, os celulares de tributaristas acostumados a aconselhar empresários do setor não pararam de tocar. Similares, os dois projetos de lei sugerem a criação de fundos alimentados por percentuais recolhidos da produção e comercialização de cadeias do agro. Em Goiás, a proposta da instituição do Fundo Estadual de Infraestrutura (Fundeinfra) partiu do governador Ronaldo Caiado (União Brasil). No Paraná, a sugestão foi do governador Ratinho Júnior (PSD). Ambos acabaram de ser reeleitos com o apoio do campo. O setor, um reduto bolsonarista, sentiu-se “traído”. O Fundeinfra, de Goiás, foi aprovado no dia 23 de novembro e prevê a cobrança de até 1,65% da produção agrícola, pecuária e mineral, o que pode render R$ 1 bilhão por ano. O dinheiro será destinado à infraestrutura, e não passará pelo cofre do Tesouro estadual.

Segundo o governo de Goiás, a verba vai para a autarquia responsável por obras públicas. A gestão dos recursos ficará a cargo de um conselho formado por representantes públicos e de iniciativa privada do agro. Após a aprovação do fundo pelos deputados estaduais, o próximo passo é a elaboração do decreto que regulamentará a cobrança em cada segmento. Goiás vai taxar soja, milho e cana-de-açúcar. Será aberto um diálogo para modular a cobrança do modo mais assertivo possível. A cobrança vai compensar o impacto no caixa estadual da redução de ICMS em algumas áreas, como combustíveis. É uma forma de o setor contribuir com algo que, no fim, voltará para o próprio produtor. Se as estradas melhoram, há benefício logístico e de queda de custos, defende o governo. A formação de fundos que taxam o setor para ampliar o caixa de Estados não é uma estratégia recente. Existe desde 1999, quando foi criado o Fundo e Desenvolvimento do Sistema Rodoviário de Mato Grosso do Sul (Fundersul).

Em 2000, nasceu o Fundo Estadual de Transporte e Habitação (Fethab) de Mato Grosso, o maior, por incidir sobre o maior Estado agrícola do País. Este fundo tem servido como referência para estruturas similares criadas depois. O Fundo Estadual de Desenvolvimento Industrial do Maranhão foi aprovado em 2005, e o Fundo Estadual de Transporte do Tocantins é de 2019. Na maior parte dos casos, a verba recolhida vai para projetos de infraestrutura, obras e logística. Além da cobrança de taxas sobre produtos agropecuários, os fundos têm outros pontos em comum, como a definição de que as contribuições não são obrigatórias. Mas, como estão atreladas à concessão de benefícios fiscais nos Estados, tributaristas questionam esse aspecto. Mais um ponto em comum entre os fundos é a estrutura de gestão do dinheiro. Eles geralmente são conduzidos por conselhos de administração que podem contar com a participação de entidades privadas.

As contribuições para os fundos costumam ser exigidas como contrapartida de algum incentivo, benefício, regime de apuração ou diferimento fiscal. Esse vínculo leva tributaristas a entenderem a cobrança dessas taxas como uma espécie de “imposto disfarçado”. O problema dos fundos que taxam o agronegócio, reiteram os críticos, não é a busca por receita para políticas públicas, mas a forma como está sendo feita essa busca. Esses fundos são uma ficção jurídica. Não são tratados como tributos, então não estão sob a égide de legislação tributária ou orçamentária. É como “assinar um cheque em branco” para os governadores. Os Estados encontraram uma maneira de arrecadar “fora da caixa” das regras tributárias para se livrarem de amarras de recolhimento e aplicação. Há uma série de princípios constitucionais que pautam a arrecadação de tributos no País. Impostos precisam ser divididos com prefeituras, por exemplo. Em Mato Grosso, parte dos recursos vai para o Legislativo e até associações privadas recebem.

Se fosse tributo, não funcionaria assim. Mesmo os termos (taxa, imposto, contribuição) não poderiam ser empregados nestas arrecadações. É que cada um deles têm um significado diferente no sistema tributário e estão sujeitos a regras distintas. Em Mato Grosso, onde está em vigor o Fethab, que arrecadou mais de R$ 2,7 bilhões em 2021, o recolhimento da contribuição varia de 0,03% a 11,5% da Unidade Padrão Fiscal do Mato Grosso (UPF), dependendo do produto. Nesse Estado, a contribuição do agro é recolhida sobre soja, milho, algodão, feijão, madeira e gado. Vale destacar que o valor bruto de produção do agro no Estado ronda R$ 200 bilhões anuais. A contribuição não é obrigatória, mas em Mato Grosso está vinculada à isenção de ICMS. Se um exportador de soja optar por não contribuir com o fundo, ele terá que antecipar o valor de ICMS para o Estado, e será restituído apenas depois de concretizado o embarque da carga. Por causa da possibilidade de restituição, o Supremo Tribunal Federal (STF) entendeu que não há compulsoriedade.

A Corte analisou a cobrança do Fethab no âmbito de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI). Ocorre que essa cobrança, da maneira como funciona, leva um contribuinte a preferir entregar um pouco para o fundo a ter que enfrentar todo um processo burocrático para ter de volta um dinheiro que antes do surgimento do fundo não precisava desembolsar (ICMS na exportação). A cobrança acaba causando distorções na cadeia que afetam a competitividade dos produtos brasileiros no exterior. Existem outros caminhos para compensar as perdas de receitas nos Estados, como em Goiás. Há projetos legislativos que têm soluções alternativas e podem ser discutidos no Congresso Nacional, porque envolvem a União. Mas, o debate no STF sobre o Fethab não está encerrado. A tônica é sobre a constitucionalidade. A Constituição tem uma disposição que diz que não cabe a nenhum Estado restringir as hipóteses de imunidade tributária.

O tema foi analisado pelo tributarista Heleno Torres, professor da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP). O parecer de Torres sustenta que a legislação do Fethab não pode condicionar o benefício fiscal a um recolhimento. Em outros termos, a ameaça de revogação da não tributação das operações de exportação esbarra na vedação dessa tributação, diz o parecer. É flagrantemente inconstitucional, continua o texto. Além do pagamento de ICMS, exportadores são isentos pela Constituição de ISS, IPI, PIS/Cofins e outras contribuições. Entre os autores de pelo menos três ADIs apresentadas ao STF estão a Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes (Abiec) e um braço estadual da Associação Dos Produtores De Soja (Aprosoja). Duas delas aguardam avaliação do ministro Gilmar Mendes. Caso o STF decida no futuro que a cobrança do Fethab foi indevida, por exemplo, não há garantia de que o dinheiro será devolvido.

É que questões que envolvem devolução de grandes quantias são sujeitas à invocação, pelos Estados, do argumento de prejuízo financeiro ao caixa. Ainda que daqui a alguns anos julguem que a cobrança não poderia ter ocorrido, os Estados podem invocar essa questão para conseguir que a cobrança seja válida a partir da decisão. Mesmo que a decisão de uma ADI valha para todos, advogados têm orientado clientes a acionarem a Justiça individualmente. O contribuinte que ficou esperando a decisão da ADI pode se livrar do pagamento dali para a frente, enquanto quem acionou a Justiça individualmente antes garantiu o direito. A turbulência pode ser boa para os escritórios de advocacia, mas não para o ambiente de segurança jurídica. Diante do cenário na via jurídica, os movimentos de pressão política organizados pelo setor neste momento seriam a alternativa mais eficiente para brecar uma possível onda de novos fundos dessa natureza que possam ser instituídos. Fonte: Valor Online. Adaptado por Cogo Inteligência em Agronegócio.