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17/Nov/2022

Entrevista com presidente da Climate Bonds Initiative

Segundo Sean Kidney, presidente da Climate Bonds Initiative (CBI), a adoção de uma sólida política ambiental pelo governo do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, em 2023, com uma boa administração da economia, permitirá ao Brasil realizar uma emissão soberana de US$ 5 bilhões em títulos verdes, sustentáveis e sociais (GSS). A instituição é uma organização internacional sem fins lucrativos que visa fomentar o mercado de títulos GSS e é a principal certificadora de green bonds no mundo. Tudo isto trará uma dinâmica diferente para a relação do Brasil com o mundo, pois o País adotará uma política bem mais substancial para proteger os seus ecossistemas. Há confiança de que Lula atuará desta forma porque já o fez quando foi presidente, o que gera grande respeito internacional.

Sean Kidney destacou que o fato de Lula ir à COP-27 antes mesmo de tomar posse como o próximo chefe de Estado mostra a importância que ele dedica ao tema. Os investimentos internacionais aumentarão de forma rápida no Brasil, inclusive pelo comércio exterior. Além disso, o País terá o apoio dos governos dos Estados Unidos, de diversos países europeus e da China, pois passarão a considerá-lo como um parceiro muito importante no combate às mudanças climáticas, o que não existia durante os quatro anos da atual administração federal. Há otimismo com as perspectivas de a Petrobras tornar-se uma empresa integrada de energia, não apenas com o foco na exploração de petróleo, mas também na produção de energias renováveis, como eólica, biomassa e hidrogênio verde. Segue a entrevista:

Como investidores internacionais na área de sustentabilidade ambiental avaliam as perspectivas de aplicar recursos no Brasil a partir da eleição de Luiz Inácio Lula da Silva?

Sean Kidney: Investidores sempre buscam comprar títulos que geram o retorno esperado e o mais importante para eles é a situação macroeconômica do Brasil, a fim de manter a confiança de que a dívida pública continuará a ser paga. Com o novo governo do presidente Lula eu acredito que o Brasil vai ampliar muito as relações com os EUA, a Europa e a China, pois mudarão bastante. Eu acredito que haverá um aumento do ingresso de capitais internacionais no País. Os investidores estrangeiros estão esperando quem será o ministro da Fazenda e qual direção a política econômica tomará no próximo governo.

Lula promete uma mudança de 180 graus na área ambiental que terá como foco o desmatamento zero, implementar a Autoridade Climática, adotar programas para o desenvolvimento sustentável dos 28 milhões de pessoas que vivem na Amazônia, além de respeitar os territórios indígenas. Se tais medidas forem adotadas, em um contexto de eficiente gestão macroeconômica, como será a avaliação de investidores internacionais em relação ao Brasil?

Sean Kidney: Tudo isto trará uma dinâmica diferente para a relação do Brasil com o mundo, pois o País adotará uma política bem mais substancial para proteger os seus ecossistemas. Há confiança de que Lula atuará desta forma porque já o fez quando foi presidente, o que gera grande respeito internacional. O fato de ele decidir vir para a COP 27 aqui no Egito como presidente eleito é um exemplo da importância que ele dedica ao tema. E essa mudança deverá trazer também efeitos positivos para o Brasil no comércio internacional. A China é um grande parceiro comercial do Brasil e nos últimos anos não houve muito diálogo entre os dois países. A China está se movendo de forma agressiva com a transição para uma economia verde. O agribusiness do Brasil precisa mostrar a nações como a China que seus produtos têm alta qualidade e valor agregado porque respeitam a proteção ambiental e assim podem expandir seus mercados. Por outro lado, estou preocupado que os investimentos externos que serão feitos no Brasil não sejam dedicados ao desenvolvimento sustentável e equitativo, que trará empregos e crescimento da renda das famílias, sobretudo nos Estados mais pobres, o que não vimos ocorrer recentemente. Isto significa aumentar a produtividade da agricultura no uso da terra para que não haja mais desflorestamento. Lula terá que viabilizar essas políticas, inclusive com regulações. Isto vai requerer capital externo e doméstico.

O senhor avalia que ocorrerá em breve um novo boom mundial de commodities. O que o Brasil precisa fazer para beneficiar-se deste novo ciclo de expansão de tais mercadorias?

Sean Kidney: O Brasil tem uma grande vantagem que a maioria dos mercados emergentes não têm: as receitas em dólar obtidas por muitos agricultores, o que ajuda a acumular reservas cambiais. E isto dá a segurança para o País emitir bonds em moeda forte de modo mais fácil que outros países. O Brasil é muito grande, com imenso potencial também para fornecer minerais críticos para novas indústrias voltadas à baixa emissão de carbono. Falo do lítio, níquel, cobalto, as terras raras. O País poderia dedicar também o foco na exploração destes minerais. O Chile vai beneficiar-se deste boom de commodities em áreas diferentes e o Brasil também pode se o novo governo desenvolver a adequada infraestrutura e as permissões de exploração destas atividades sempre protegendo o meio ambiente. O combate ao aquecimento global precisa do Brasil. Estou muito confiante na nova política ambiental do País. Por outro lado, na próxima administração o foco da Petrobras não deveria ser apenas a produção offshore de petróleo.

Lula quer tornar a Petrobras em uma empresa de energia integrada, como a BP, Equinor e a Total. Além de elevar a eficiência do refino de petróleo, ele quer que a companhia também produza energias renováveis, como eólica, desenvolver biomassa e hidrogênio verde, pois considera que são bem importantes para a reindustrialização verde do Brasil.

Sean Kidney: Estas informações me animam muito e aumentam ainda mais meu otimismo em relação às perspectivas de crescimento do Brasil de forma sustentável do ponto de vista ambiental.

Se em 2023 o Brasil passar a ter políticas ambiental e econômica competentes, quanto o governo poderia captar em uma emissão soberana de títulos verdes, sustentáveis e sociais (GSS) ao final do próximo ano?

Sean Kidney: Em tais condições, a República poderia captar US$ 5 bilhões nesta primeira emissão. E se ela for de green bonds os juros serão menores. A maior questão é o governo ter vários projetos sustentáveis nos quais aplicará estes recursos externos, mostrar os empregos que serão gerados com eles. Nosso objetivo não é criar um grande mercado de títulos, mas sim fazer com que os capitais fluem. Agora que não haverá um governo hostil à questão ambiental estes investimentos externos vão crescer bem rápido no Brasil. A captação de capitais não será sempre por títulos, pois ocorrerá também através de financiamentos. Mas quando um País decide realizar uma emissão soberana de green bonds normalmente ela ocorre bem. Ainda não analisamos o Orçamento federal para 2023, mas tal emissão da República será um sucesso e haverá pressão interna para que outras sejam realizadas, o que será muito bom.

Para que os investidores externos apliquem bem mais no Brasil, o novo governo precisará tornar mais rígidas as contribuições voluntárias para a redução de gases de efeito estufa (NDCs) oferecidas pela atual administração, a fim de atender os parâmetros do Acordo de Paris?

Sean Kidney: É claro que gostaríamos que as NDCs fossem mais rigorosas, pois foram esvaziadas na atual administração. Mas seria mais importante que o Brasil tivesse um plano de financiamento para programas sustentáveis. Eu já vi países estabelecerem metas ambientais que ficaram enfraquecidas rapidamente porque não determinaram previamente como seriam financiadas.

A mudança da política de proteção ecológica pelo governo vai viabilizar finalmente o acordo comercial da União Europeia com o Mercosul?

Sean Kidney: Sim, claro. A União Europeia está muito preocupada com a questão ambiental, tanto que está definindo as regras para a cobrança de impostos sobre mercadorias importadas com base nas emissões de carbono que ocorreram para serem produzidas. Se o Brasil conseguir parar o desflorestamento, a Europa será muito amigável, inclusive para tornar o acordo com o Mercosul em realidade. A Europa entende bem o poder do comércio internacional e o fluxo de capitais. Ela adotará medidas favoráveis a países com políticas ambientais positivas, como será o caso do Brasil a partir de 2023.

Com uma política de Estado de proteção ao meio ambiente, as grandes indústrias de carros vão implementar no Brasil fábricas de veículos e baterias elétricas?

Sean Kidney: Como o Brasil tem um grande mercado consumidor muitas montadoras produzem carros no País e será bom quando tornarem suas plantas capazes de fabricar veículos elétricos. Só não sei se tal mudança ocorrerá no curto ou longo prazos. As cadeias internacionais de valor estão enfrentando uma situação delicada em relação ao lítio para a produção de baterias elétricas. Sei que o País possui rochas de lítio. O problema é que tal minério depois que é extraído vai para a China para ser processado, pois tal procedimento não é realizado na Austrália e no Brasil. Uma das dificuldades para indústrias de carros elétricos é que demandam altos níveis de investimentos. Mas eu acredito que a produção destes veículos certamente ocorrerá no Brasil.

A política de combate às mudanças climáticas é prioridade do governo dos EUA. O senhor acredita que o presidente Joe Biden atuará para criar um fundo internacional de proteção da Amazônia, o que ele expressou que faria quando foi candidato ao cargo em 2020?

Sean Kidney: Eu acredito que será difícil, pois Biden pode até direcionar certo montante de recursos do orçamento americano para esta finalidade, mas não será muito, o que seria necessário inclusive para estimular a participação no fundo de outros países, sobretudo os europeus. O que eu espero é que os EUA apoiarão garantias de financiamentos a projetos dedicados a mitigar riscos climáticos. Isto reduzirá muito o custo de capital externo que o Brasil poderá captar. A defesa do meio ambiente é a prioridade número 1 da administração Biden, o que viabilizará um terreno bastante fértil de colaboração com o novo governo do Brasil, apesar de diferenças ideológicas.

Fonte: Broadcast Agro.