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30/Ago/2022

Mercado de Carbono: desafios para regulamentação

O Brasil está estabelecendo seu próprio sistema de comércio de carbono, uma medida há muito pedida por ambientalistas e empresas em busca da meta de emissões líquidas zero. Mas, o esforço incipiente foi recebido com ceticismo e preocupações de que a turbulência política poderia prejudicar uma ferramenta vista como essencial para proteger a Floresta Amazônica. O novo mercado, chamado Sistema Nacional de Redução de Emissões de Gases de Efeito Estufa (Sinare), foi criado em maio, por decreto do presidente Jair Bolsonaro, frequentemente acusado de minar as agências ambientais de seu próprio governo. A medida também ocorre antes de uma eleição presidencial muito disputada em outubro, levantando dúvidas sobre as chances desse mercado decolar. Segundo a Fundação Amazônia Sustentável, organização sem fins lucrativos que promove o desenvolvimento verde na região, um mercado de carbono regulamentado é fundamental e pode trazer bilhões de dólares para o Brasil.

Mas, o decreto é um primeiro passo frágil. Ele não consegue colocar o “trem nos trilhos". Durante anos, os legisladores no Brasil e no exterior pressionaram por um mercado global formal que integrasse aqueles que operam na Europa, nos Estados Unidos e em outros lugares, na esperança de impulsionar o investimento nos projetos de conservação do País. Pelas regras do Sinare, grandes poluidores poderiam comprar créditos de carbono com base em projetos voltados para a proteção da Amazônia e de outros recursos naturais valiosos. O Sinare também pode tornar o Brasil, um dos principais exportadores mundiais de soja, carne bovina e minério de ferro, todos produtos ligados ao desmatamento, mais palatável para consumidores globais que se afastam cada vez mais das exportações do País devido ao seu histórico ambiental.

Os governos locais também precisam de mais dinheiro para impor a lei ambiental e garantir que não se desmate mais florestas em prol de novas pastagens, terras agrícolas ou minas. Mas, as dúvidas obscureceram o projeto desde o início, entre elas o histórico manchado de Bolsonaro como administrador ambiental. O momento do decreto gerou questionamentos, enquanto uma mudança de administração (Bolsonaro está atrás nas pesquisas contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva) pode retardar ainda mais o projeto. Segundo a Ninepoint Partners LP, há muita incerteza sobre quanto disso tem a ver com um posicionamento político para as eleições de outubro, e se isso realmente acontecerá. Representantes do governo descartaram a ideia de cálculo eleitoral. Segundo o Ministério do Meio Ambiente, o Brasil não pode ficar esperando para construir essa estrutura.

Voltando-se para as florestas do Brasil e os esforços em agricultura sustentável e outras frentes, o País poderá ser um grande fornecedor de serviços ambientais e soluções climáticas para o mundo. Os legisladores brasileiros debatem a criação de um mercado de carbono regulamentado há anos, mas fizeram pouco progresso, apesar do apoio de todos os lados. O decreto de Bolsonaro visava contornar o impasse e ajudar o País a cumprir sua meta do Acordo de Paris de atingir emissões líquidas zero até 2050. Os créditos de carbono podem começar a ser negociados até 2024 no novo mercado. Além de criar um mercado de carbono, o decreto também exige que organizações do setor privado estabeleçam limites de emissão até o mais tardar, meados do próximo ano. O decreto ainda cria os órgãos reguladores que eventualmente estabelecerão padrões para os créditos de carbono, entre outras metas.

Seria melhor para todos se houvesse um mercado regulado. Isso traria mais diversidade ao mercado global de carbono e seria muito positivo. O mercado de carbono do Brasil se inspira no sistema do Comércio Europeu de Licenças de Emissão e no programa Cap-and-Trade da Califórnia. As corporações brasileiras poderiam usar o mercado proposto para avançar em suas metas de emissões líquidas zero. Segundo o Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (grupo comercial que inclui algumas das maiores corporações do Brasil, como a mineradora Vale SA e o grupo agrícola Amaggi), um mercado de carbono regulamentado é estratégico para o setor privado brasileiro. O Brasil pode liderar a transição para uma economia de baixo carbono. O decreto do Sinare não estabelece limites de emissão nem penalidades por descumprimento, mas o Brasil está caminhando na direção certa.

Para a consultoria Wood Mackenzie, o fato de o Sinare ter sido criado por decreto também levantou suspeitas. Um mercado de carbono requer muitas discussões com legisladores e a sociedade civil. Não se trata de uma ferramenta padrão. Ela realmente precisa ser adaptada às necessidades do País. O comércio de carbono não é uma novidade para o Brasil. O País já possui um mercado voluntário em rápido crescimento, no qual as empresas podem comprar créditos para cumprir metas autoimpostas de redução de emissões. Mas, ambientalistas e empresários dizem que contar com um mercado oficial é um passo importante. Segundo a Carbonext Tecnologia em Soluções Ambientais Ltda. (empresa que desenvolve projetos ambientais certificados para geração de créditos de carbono), a criação de um mercado regulado garante um melhor controle das emissões dos setores mais poluentes.

O decreto é um primeiro passo de um longo caminho. De acordo com o governo, o desmatamento e outras mudanças no uso da terra foram responsáveis por 38% das emissões do Brasil em 2020; as árvores derrubadas são muitas vezes incendiadas para limpar a terra para pastagens ou colheitas. Desde que Bolsonaro chegou ao poder em 2019, a Floresta Amazônica perdeu uma área quase do tamanho de Maryland, mostram dados do governo. O desmatamento subiu para uma média de 8.600 quilômetros quadrados por ano nos últimos três anos, acima da média anual de 4.100 milhas quadradas entre 2015 e 2018. Antes da eleição de outubro, a empresa de pesquisa Datafolha mostrou o ex-presidente Lula à frente de Bolsonaro por 15% em 18 de agosto, abaixo dos 27% de maio. O resultado da eleição também gera dúvidas sobre o futuro do mercado, já que um novo governo tanto pode se esforçar para levar o Sinare a cabo, quanto pode afundar o programa e relançá-lo como sua própria versão de um mercado de carbono.

Izabella Teixeira, ex-ministra do Meio Ambiente do governo Lula e atual assessora de sua campanha eleitoral, disse que ele apoiaria a criação de um mercado de carbono, se eleito. Mas, criticou o Sinare por ter sido criado por um governo com pouca credibilidade ambiental. Lula pode querer promover um debate mais amplo com o Congresso para sustentar um mercado regulamentado. É necessário ter segurança jurídica sobre o que o País quer. Em um relatório recente, a TS Lombard, comentou que acredita que um mercado local de carbono se desenvolverá independentemente do resultado das eleições, graças em parte a interesses privados. No entanto, o histórico ambiental de Bolsonaro pode manter os investidores estrangeiros cautelosos. O histórico de Lula na abordagem da questão do desmatamento é significativamente melhor do que o de Bolsonaro nos últimos três anos. Fonte: Broadcast Agro. Adaptado por Cogo Inteligência em Agronegócio.