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29/Jul/2022

Mundo precisa de soluções para acabar com a fome

No dia 15 de julho, os líderes da Organização das Nações unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), Organização Mundial do Comércio (OMC), Banco Mundial, Fundo Monetário Internacional (FMI) e o World Food Programme salientaram a urgência de uma resposta multilateral efetiva para estancar a iminente crise alimentar global. A pandemia de Covid-19, a interrupção nas cadeias de suprimentos internacionais, as migrações e os impactos das mudanças do clima catalisaram o enfraquecimento dos sistemas alimentares. A guerra entre Rússia e Ucrânia assevera os impactos nos mercados de alimentos, energia e fertilizantes, gerando uma escalada do protecionismo, de políticas de restrições às exportações e, de forma mais ampla, o enfraquecimento da economia global, o que prejudica ainda mais a disponibilidade e o acesso a alimentos em um mundo onde pobreza estrutural e desigualdade florescem ao invés de recrudescer.

Dados do World Food Programme mostram que 828 milhões de pessoas não têm comida suficiente e 50 milhões de pessoas estão enfrentando níveis emergenciais de fome, abrangendo 82 países. Já o relatório "O estado da segurança alimentar e nutricional no mundo em 2022", da FAO, aponta que perto de 12% da população global (928 milhões de pessoas) viveu em situação de grave insegurança alimentar em 2020. Mais da metade da população desnutrida vive na Ásia e mais de 1/3 na África. O relatório mostra que a meta de erradicar a fome até 2030, Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS 2) da Agenda 2030 das Nações Unidas, dificilmente será alcançado, sugerindo que cerca de 660 milhões de pessoas ainda enfrentarão fome em 2030. Estimativa recente das Nações Unidas prevê que, em novembro de 2022, a população global ultrapassará 8 bilhões de habitantes, subindo para 8,5 bilhões em 2030 e 9,7 bilhões em 2050. Mais da metade desse crescimento ocorrerá no Congo, Egito, Etiópia, Índia, Nigéria, Paquistão, Filipinas e Tanzânia.

Diante desse cenário, acabar com a pobreza (ODS 1), promover a produção e consumo responsáveis (ODS 12) e enfrentar o aquecimento global (ODS 13) são objetivos intrinsecamente relacionados com o desafio de alcançar a segurança alimentar e nutricional e, por que não dizer, a paz. Não existe resposta uníssona para esses desafios. Prover ajuda a quem mais precisa é o primeiro passo, e isso depende da capacidade de fortalecer as políticas e redes de segurança para pessoas vulneráveis e, em escala global, aumentar exponencialmente a atuação do World Food Progamme. O acesso a alimentos é intrínseco à redução da pobreza e melhoria das condições sociais e de vida. Em paralelo, garantir acesso a alimentos para quase 1 bilhão de pessoas que dependem de apoio para ter o que comer no dia a dia é um desafio imperioso e multifacetado. Não se pretende, neste artigo, entrar na miríade de assuntos que emergem desse chocante desafio. A ideia é debater como fomentar a disponibilidade de alimentos seguros, tendo como premissa o aumento da produção e a liberalização do comércio como fatores basilares.

Aumentar a produção de alimentos depende de investimentos em inovação, tecnologias, melhorias de manejo, assistência técnica e fortalecimento de todos os sistemas produtivos, com base contínua. A coexistência entre sistemas produtivos deve ser a tônica, passando pela intensificação sustentável da agropecuária e pela promoção da agroecologia. Em meio à fome de quase 1 bilhão de pessoas não é prudente concentrar o debate em torno da escolha de um ou outro modelo produtivo. A questão de fundo parece ser como produzir mais comida, usando menos recursos (solo, água, insumos, energia), integrando pequenos e médios produtores a cadeias produtivas estruturadas, reduzir a intensidade de emissões de gases de efeito estufa (GEEs), fomentar a adaptação às mudanças do clima e, com base nisso, estimular a necessária transição dos sistemas alimentares.

De acordo com o "OCDE-FAO Agricultural Outlook 2022-2030" da FAO e da Organização para Cooperação Desenvolvimento Econômico (OCDE), o consumo global de alimentos deverá aumentar em 1,4% ao ano na próxima década, puxada por países de baixa e média renda, enquanto em países de alta renda será limitado pelo menor crescimento da população e a saturação no consumo per capita de vários alimentos. Há inúmeras "receitas" que tentam preconizar o que é produção sustentável. Coibir o uso de fertilizantes em função das emissões de GEE, cortar abruptamente o uso de insumos sem considerar a incidência de pragas, clima e quantas safras se faz por estação. Nem tampouco consideram a oportunidade de ampliar a adoção do manejo integrado de pragas e bioinsumos, como exemplos de práticas sustentáveis.

Restringir ou taxar o consumo de certos alimentos, definir metas obrigatórias de transição para a agricultura agroecológica, coibir o uso da biotecnologia e das técnicas de edição gênica são enfoques que insistentemente integram as discussões multilaterais e precisam ser pensados sob o prisma do efetivo enfrentamento da segurança alimentar global. Quando se observa que 140 contribuições nacionalmente determinadas submetidas pelos países no Acordo de Paris integram agropecuária como setor essencial quando se trata de adaptação e mitigação, fica explícita a visão de que há um consenso quanto à necessidade de evoluir tendo inovação para todos os sistemas produtivos. Não se pode perder de vista o mundo que avança para quase 10 bilhões de pessoas, onde as culturas distintas em torno da alimentação, o uso, as escolhas pessoais, a disponibilidade de alimentos e a possibilidade de acessá-los exige uma abordagem em que vários sistemas produtivos se combinem para um fim comum.

A grande questão que se coloca para fomentar em escala a agropecuária de baixa emissão de carbono é levar assistência, tecnologias, capacitação e recursos para que processos produtivos sejam aprimorados, produtores produzam pautados por inovação, se estimule a produção de novas variedades de alimentos, se agregue valor à produção de pequena escala. Espera-se, na COP-27 no Egito, adotar uma decisão sobre como levar o financiamento climático e tecnologia para o campo. A Iniciativa "Agriculture Innovation Mission for Climate (AIM for Climate)", da qual o Brasil faz parte, tem como propósito justamente aumentar os investimentos em inovação para a agropecuária de baixa emissão de carbono e sistemas alimentares. O Plano ABC+, apresentado pelo Brasil em Glasgow, na COP-26, é uma estratégia que visa contribuir para a segurança alimentar pautada pela produção climaticamente inteligente, como se costuma chamar no jargão das negociações.

Adotar tecnologias de baixo carbono em 72 milhões de hectares é uma condição para produzir mais e se adaptar aos desafios do aquecimento global, além de gerar redução de emissões. As soluções para a fome e pobreza mundial dependem de uma intensa cooperação e não se beneficiam de visões antagônicas sobre como produzir. Investir na agricultura resiliente ao clima e ampliar enormemente a produção de alimentos são condições sine qua non para se ter disponibilidade de alimentos. Em paralelo, é crucial rever e aprimorar as estratégias de favorecer acesso a alimentos saudáveis, o que inclui o comércio internacional. Em pleno 2022, com as feridas do Covid-19 ainda por cicatrizar, o mundo precisa encontrar soluções efetivas para acabar com a fome. Opções existem para promover essa transição, resta saber se o esse caminho será efetivamente trilhado ou a lógica do embate é que prevalecerá. Fonte: Rodrigo C. A. Lima. Broadcast Agro.