ANÁLISES

AGRO


SOJA


MILHO


ARROZ


ALGODÃO


TRIGO


FEIJÃO


CANA


CAFÉ


CARNES


FLV


INSUMOS

14/Jul/2022

UE: legislação sobre produtos zero desmatamento

A União Europeia (UE) está em fase final de aprovação da legislação que vai impor exigências sobre algumas commodities agropecuárias que, na visão do bloco, são produzidas em áreas desmatadas. O objetivo da UE é garantir que os volumes importados provenientes de países de fora do bloco ou produzidos por países do bloco, nas commodities citadas a seguir, sejam de áreas sem desmatamento, considerando 2020 ou 2021 como data de corte (a proposta é que a data exata seja 31/12/2020). As commodities que deverão estar sujeitas a esta legislação são: boi gordo, carne bovina, couros e peles bovinas, cacau e derivados, café, amêndoa de palma, óleo de palma, soja e derivados (óleo e farelo), madeira e papel e celulose. O processo legislativo passa pelas seguintes fases: a primeira é a apresentação da proposta pela Comissão Europeia, etapa que ocorreu em novembro de 2021. A proposta foi enviada para discussão no Parlamento Europeu e no Conselho Europeu de Estados Membros.

A discussão no Parlamento se dá em comissões. A proposta foi debatida em várias comissões, sendo as mais importantes: meio ambiente (a comissão que tem a palavra final da proposta que será enviada para votação no plenário do Parlamento), agricultura e comércio internacional. A proposta final que será enviada para votação foi aprovada pela Comissão de Meio Ambiente em 12 de julho. A votação no plenário da Parlamento deverá ocorrer até meados de setembro de 2022 (a data marcada é 12/09). Em paralelo às discussões no Parlamento Europeu, o Conselho Europeu, formado pelos representantes dos executivos dos países membros, faz também sua análise. Assim, é nele que os países da Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais efetuam suas contribuições para subsidiar as discussões no Parlamento. Lembrando que a Comissão Europeia é uma espécie de executivo supranacional, legislações por ela propostas não necessariamente representam a visão dos executivos nacionais.

Em 28 de junho, o Conselho Europeu definiu seu parecer sobre a legislação e aprovou um posicionamento geral, ou seja, o Conselho não aprova texto legal, mas princípios e conceitos que devem integrar a legislação. Assim, o processo no Conselho Europeu se encontra terminado. A posição será defendida pelo Conselho na votação em plenário no Parlamento. Importante mencionar que há dois tipos de propostas de legislação que a Comissão Europeia propõe: regulamentação e diretiva. A regulamentação, uma vez aprovada no processo legislativo, se torna obrigatória para entrar em vigor para todos os países membros. Já a diretiva, uma vez aprovada no processo legislativo, precisa ser ratificada pelos estados membros por legislações validadas no legislativo nacional. As diretivas, portanto, têm um tempo de implementação que tende a ser mais longo. A legislação sobre importação de produtos com desmatamento foi proposta como regulamentação. Conforme evidenciei, a União Europeia está muito perto de aprovar a legislação que determinará o desmatamento zero aos que exportam para o bloco ou produzem dentro do bloco.

Com respeito ao conteúdo da legislação, dois pontos são cruciais. Um deles se relaciona aos procedimentos que serão impostos sobre os agentes econômicos que comercializam com a União Europeia, e o outro está ligado a questões geopolíticas pois afetam a credibilidade das regiões produtoras das commodities cobertas pela legislação. O primeiro ponto preocupa as associadas da Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove), dado que elas exportam soja e derivados para a União Europeia, e o segundo ponto coloca em risco a credibilidade do Brasil como fornecedor de alimentos, bioenergia e fibras para o mercado europeu. A exigência de desmatamento zero vem acompanhada de um conjunto complexo de procedimentos para aqueles que compram e movimentam as commodities comprovarem que os produtos transacionados com o mercado da União Europeia não foram produzidos em área desmatada depois da data de corte.

Trata-se de procedimentos de diligência devida que precisam ser cumpridos para o produto ter sua entrada no mercado da União Europeia aprovada à luz da legislação. A diligência devida vai demonstrar que a cadeia de custódia da empresa exportadora é controlada tanto na origem da produção da commodity (ou seja, na fazenda) como na sua movimentação até chegar nos portos dos países da União Europeia. A principal preocupação das associadas da Abiove é com o risco de mistura de produtos. Há uma provisão explícita que a mistura de produtos de diferentes origens precisa ser considerada como risco de a carga conter produto com desmatamento e, assim, medidas adicionais de mitigação precisam ser implementadas, ou para eliminar a mistura, ou para comprovar que a mistura não permite a entrada de produtos de áreas desmatadas depois de 31/12/2020.

Ou seja, o risco de haver mistura, para uma commodity que é transportada a granel como a soja e o farelo, pode resultar em mudanças na logística de movimentação da cadeia reduzindo a eficiência e gerando custos adicionais para os compradores europeus. Há interpretações, até, pela necessidade de formação de cadeias de custódia dedicadas para que os navios destinados para a União Europeia tenham suas cargas segregadas, o que tornaria os custos de logística proibitivos. A segunda preocupação que traz implicações para o Brasil como grande fornecedor mundial de produtos do agro é a classificação de regiões produtoras (dentro e fora da União Europeia) de acordo com o risco de desmatamento: alto, padrão ou baixo. As regiões produtoras podem ser um país ou regiões infranacionais. Enquanto os procedimentos de diligência devida são aplicáveis a todos, não importando a origem, a classificação de risco (chamada de benchmarking na legislação) vai discriminar contra regiões produtoras.

É muito provável que regiões produtoras de soja no Brasil sejam classificadas como de alto risco, e países inteiros, como Estados Unidos, de baixo risco, impondo desvantagem para os exportadores brasileiros, dado que estes serão obrigados a executar procedimentos de diligência devida mais complexos e custosos do que os dos Estados Unidos. Politicamente e do ponto de vista de diplomacia comercial, tal sistema de classificação não pode ser aceito pelo governo brasileiro. Uma vez aprovada em setembro, a legislação e suas obrigações deverão fazer parte dos negócios a partir de 2024. O ano de 2023 deverá ser de preparação para operacionalizar a implementação dos procedimentos. Mas, considerando que o benchmarking deverá ser aprovado, será o ano para o Brasil cobrar reciprocidade dos países da União Europeia, caso o Brasil seja de fato classificado como região de alto risco. Fonte: André Nassar. Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove). Broadcast Agro.