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21/Jun/2022

Auxílio Brasil: fila cresce com aumento da pobreza

Os municípios de todo o País contabilizam uma demanda reprimida de 2,78 milhões de famílias para ter acesso ao Auxílio Brasil, programa social do governo Jair Bolsonaro. De acordo com o mais recente mapeamento da Confederação Nacional de Municípios (CNM), são 5,3 milhões de pessoas que têm o perfil para receber o benefício e estavam na fila em abril. A velocidade do crescimento da demanda reprimida vem surpreendendo e preocupando os prefeitos, que na ponta sentem as cobranças da população na esteira do aumento da pobreza nas suas localidades. É nos municípios que as famílias fazem o cadastramento ao programa no Centro de Referência da Assistência Social (Cras) para ter acesso à rede de proteção social do País. O mapeamento da CNM foi divulgado 10 dias após a publicação do resultado do 2º Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia de Covid-19, que mostrou que a fome no Brasil voltou a patamares registrados pela última vez nos anos 1990.

Atualmente 33,1 milhões de pessoas não têm o que comer no País, 14 milhões a mais do que no ano passado. Enquanto as prefeituras alertam para a necessidade de reforçar o programa, especialistas defendem uma grande mobilização para enfrentar o aumento da fome. Eles apontam falhas no desenho dos benefícios do Auxílio Brasil e chamam atenção para a necessidade de direcionar recursos ao Alimenta Brasil, programa de aquisição de alimentos de agricultores familiares e doação para famílias em situação de insegurança alimentar. Com a falta de exposição de dados pelo Ministério da Cidadania, responsável pela gestão do Auxílio Brasil, a CNM resolveu seguir com um acompanhamento próprio da situação nos 5.570 municípios. O Ministério da Cidadania não revela os números oficiais nem comenta como estão sendo distribuídos os diversos benefícios previstos no programa, entre eles o de Inclusão Produtiva Rural, pago em parcelas mensais de R$ 200,00 a famílias que possuam em sua composição agricultores familiares.

O clima entre os técnicos experientes da Pasta é de indignação com a falta de transparência de informações, que deveriam ser públicas. Faltando quatro meses para as eleições, os dados detalhados do Auxílio Brasil, que garante um benefício mínimo de R$ 400,00 são tratados como sensíveis nos bastidores do governo pelo seu potencial eleitoral. A CNM atribui a ausência de dados amplos à conjuntura eleitoral. O governo federal vem escondendo dados. A situação vai piorar ainda mais até a eleição. O quadro preocupa porque a fila, que tinha diminuído no início do ano, já voltou ao patamar anterior. O problema estoura nas prefeituras. As escolas municipais acabam se transformando em refúgio para as crianças que chegam com fome e precisam de reforço alimentar antes das aulas. Pelos dados da CNM, entre março e abril, a demanda reprimida subiu em velocidade que se aproxima dos dados apurados antes da migração do programa Bolsa Família, extinto no ano passado, para o Auxílio Brasil, que era de 3,1 milhões de famílias.

De um mês para o outro, houve um aumento real de mais de 1,480 milhão de famílias à espera do benefício. Ou seja, a fila mais que dobra em apenas um mês, um crescimento de 116%. Salta de 1,307 milhões de famílias (2,1 milhões de pessoas) para 2,788 milhões de famílias (5,3 milhões de pessoas), faltando pouco mais de 401 mil famílias para se atingir o patamar anterior à transição dos programas. As mudanças no desenho do programa têm contribuído para acentuar os problemas. Entre elas, a decisão de garantir um benefício mínimo de R$ 400,00 por mês para cada família. Essa regra tem feito com que um beneficiário que mora sozinho acabe recebendo o mesmo valor que uma mãe com dois filhos pequenos. Esse modelo funciona, na prática, como um incentivo para pessoas que moram juntas se cadastrem como se morassem separadas, recebendo R$ 800,00. Esse quadro pode acabar deixando de fora do programa famílias que mais precisam.

Além do desenho nada equitativo, o piso de R$ 400,00 gera incentivos para que pessoas que moram juntas se cadastrem separadamente. É uma espécie de desmembramento de famílias, que prejudica enormemente a qualidade dos dados do Cadastro Único e, com isso, sua capacidade de direcionar as políticas públicas à população mais vulnerável. Com a criação do Auxílio Brasil, perde-se o “princípio da territorialidade”. Havia um mapeamento da pobreza nos municípios. Era sabido onde estavam as famílias com maior grau de vulnerabilidade social. Mas, agora, ficou difícil para o município ter um marco de acompanhamento sem ter informação concreta. Outro problema colateral é o aumento da demanda por auxílios eventuais, como cesta básica, aluguel social e auxílio energia. O cadastramento continua sendo feito pelo Cras, porém, os condicionantes para o acompanhamento das famílias não são mais cobrados, como, por exemplo, vacinação de crianças, peso e avaliação se estão se alimentando bem. Essa rede de saúde, assistência social e educação, fica quebrada.

O estudo aponta que a previsão orçamentária para o Auxílio Brasil deste ano não é mais suficiente para zerar a fila. O orçamento previsto é de R$ 89 bilhões. Em 2021, dados obtidos via consulta pública e coletados pela CNM mostravam mais de 25 milhões de famílias registradas no Cadastro Único, o correspondente a cerca de 75 milhões de pessoas. Já em 2022, o número cresce e passa dos 33 milhões de famílias ou 83 milhões de pessoas. É um pouco mais de 38% da população (de 215 milhões de habitantes em 2021) recorrendo aos programas oficiais de assistência social. No final de 2021, o governo Bolsonaro teve de correr para incluir oito famílias na lista da Inclusão Produtiva Rural, benefício adicional do programa Auxílio Brasil. Se não fizesse o pagamento, o novo benefício não poderia ser pago em 2022 por causa das restrições da lei eleitoral. Na contramão, o governo esvaziou neste ano os recursos do programa de aquisição de alimentos, que no governo Bolsonaro tem o nome de Alimenta Brasil.

Esse programa estimula a compra da produção de agricultores familiares combinada com a doação para a população vulnerável. Para especialistas, esse quadro revela a precariedade da forma como o governo vem lidando com os diversos benefícios abarcados pelo Auxílio Brasil. Entre esses benefícios, estão a Bolsa de Iniciação Científica Júnior e o Auxílio de Esporte Escolar, pagos para estudantes que se destacarem em competições acadêmicas e esportivas, o Inclusão Produtiva Urbana (para beneficiários do programa que conseguem emprego com carteira assinada) e o benefício Compensatório de Transição. Esse último concedido às famílias que tiveram perdas financeiras na transição entre o extinto Bolsa Família e o Auxílio Brasil. No caso da Inclusão Produtiva Rural, o benefício prevê um valor mensal de R$ 200,00 por até 36 meses, a famílias que tenham em sua composição agricultores familiares.

Batizados de “penduricalhos” pelos especialistas, esses benefícios complementares ao Auxílio Brasil comprometem as prioridades do programa social para combater a fome. É preciso um conjunto de ações. Uma situação tão grave e estrutural se manifesta de forma muito diferente nas famílias e nas regiões. Deveria haver uma mobilização nacional urgente em torno de uma ação emergencial para atender as pessoas que passam fome no Brasil. É preciso reconhecer que tem gente fora do programa e fazer uma busca ativa dessas famílias. Assim como o SUS na saúde, o Brasil tem um Sistema Único de Assistência Social, o SUAS, presente em todos os municípios. Há críticas sobre a forma como o benefício de Inclusão Produtiva Rural foi desenhado e que prevê depois de um tempo a doação de 10% da produção pelos beneficiários. Quem fez não tem a menor ideia de como funciona o campo. Uma pessoa que está vulnerável não tem como passar a doar da noite para o dia, sem nenhum apoio técnico vinculado a isso.

A Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) diz que esse benefício deveria estar vinculado à assistência técnica e à extensão rural, potencializando os seus resultados. Pelas regras do programa, o beneficiário deve devolver 10% em produtos, a partir do segundo ano. Os 10% não chegam a comprometer as questões de segurança alimentar, mas a grande questão é que esse recurso não está articulado com outros apoios para as famílias, como assistência técnica rural para dar suporte para as famílias. O orçamento do Alimenta Brasil vem sofrendo um encolhimento depois de um reforço de R$ 586 milhões na pandemia, em 2020. Nem tudo foi gasto. Os recursos voltaram a cair a partir de 2021. O Ministério da Cidadania não fornece informações sobre os dados e a distribuição dos benefícios complementares. O governo cancelou a portaria porque identificou prefeituras não alinhadas com o governo a operar. Fonte: Broadcast Agro. Adaptado por Cogo Inteligência em Agronegócio