08/Jun/2022
A urbanização, o crescimento econômico e a preocupação com a segurança do alimento causam impacto direto no consumo de alimentos na China. Tendências já em curso foram reforçadas durante a pandemia de Covid-19 e indicam que os consumidores chineses continuarão a exigir uma vasta gama de produtos agrícolas de alta qualidade. O desafio para a liderança do país, com a intenção de reduzir a dependência de importações, deverá ser o de obtê-los do maior número possível de fornecedores globais. Estudo recente publicado conjuntamente por Asia Society e China Policy detalha alguns destes aspectos e aponta grandes oportunidades de curto prazo para exportações agrícolas em setores de nicho, como alimentos e bebidas funcionais e produtos prontos para consumo. A médio prazo, a expansão da internet de alta velocidade e das plataformas de comércio eletrônico cada vez mais sofisticadas, combinadas à eficiência logística, permitirão aos exportadores alcançarem uma base maior de consumidores, localizados em diferentes regiões da China, inclusive na zona rural.
O Brasil, que tem na China seu grande cliente no setor agrícola, deve estar atento a tais tendências. Temos a oportunidade de nos beneficiar das mudanças em curso na dinâmica da alimentação da classe média chinesa, mas precisamos nos posicionar e ocupar um lugar na mente e no coração de consumidores do outro lado do globo. A China vive desde 1978 a maior urbanização que o mundo já viu. Entre 1978 e 2019, a população urbanizada passou de 17,92% para 60,6%, ou seja, as cidades abrigavam 172 milhões de pessoas e passaram a 848 milhões de pessoas, um verdadeiro milagre em migração campo-cidade. Este movimento está desacelerando e conserva maior ímpeto no centro e no oeste da China, onde a urbanização cresce a taxas maiores do que na zona costeira. Os chineses terminaram 2021 com 64,72% de sua população nas áreas urbanas, segundo o órgão de planejamento do país, a Comissão Nacional de Desenvolvimento e Reforma.
O 14º Plano Quinquenal, documento nacional que mostra os rumos que o país deseja alcançar entre 2021 e 2025, indica a expectativa de que se chegue a 65% de urbanização em 3 anos. O crescimento econômico acelerado das décadas de 1990 e 2000, combinado à urbanização, elevaram o nível de renda e o poder de compra da população, o que se refletiu em novas escolhas alimentares. O foco passou a ser a carne e os produtos frescos (como frutas), elementos de uma dieta considerada de qualidade, nutritiva. Os novos padrões nutricionais receberam, inclusive, o apoio tácito do Estado chinês, por meio da publicação de orientações nacionais para a dieta da população, divulgadas pela Sociedade de Nutrição da China, que preza o equilíbrio entre a dieta tradicional (e ainda atual) à base de carboidrato e a inserção de maior quantidade e variedade de cereais, carnes, verduras, frutas, leite e soja. O crescimento da classe média e as mudanças em seu padrão alimentar estão alterando a dinâmica das importações agrícolas da China.
Em 2019, pela primeira vez, as importações chinesas de produtos alimentícios de maior valor agregado, voltados ao consumidor, ultrapassaram as compras de "commodities" agrícolas a granel. A maior demanda está nas carnes, laticínios e produtos hortícolas. Com grandes restrições para dar escala à produção interna, as importações chinesas de carne bovina e produtos relacionados crescem aceleradamente desde 2012 e levaram o país a se tornar o maior comprador mundial neste segmento em 2019. A China é o principal mercado internacional para os lácteos, avaliado em US$ 12 bilhões em 2019. Boa parte da demanda está concentrada em leite UHT, leite em pó integral e fórmula infantil. A fórmula infantil importada é entendida pelo consumidor como um produto mais seguro, após problemas com a produção local há mais de uma década. Terceiro maior importador mundial de frutas frescas, a China comprou US$ 8,6 bilhões em frutas em 2019, especialmente pelo interesse em alimentos saudáveis, o que também sustenta importações de castanhas.
Durians, cerejas e bananas representam quase metade do total importado em frutas frescas. Consumidores destacam a segurança do alimento como um aspecto na decisão de compra: caso a fruta não esteja boa, costuma ser mais fácil de identificar. Alimentos importados bastante valorizados, apesar do alto custo, são os frutos do mar. Mariscos, lagosta, caranguejo, salmão, vieiras, atum e bacalhau são alguns dos itens desejados pelos consumidores de maior poder aquisitivo, em suas versões naturais, em refeições pré-cozidas ou como "snacks". A conveniência, aliás, aquece o mercado de refeições prontas, para serem consumidas de imediato ou com o mínimo de cozimento. Como o Brasil irá se posicionar no consumo de maior valor agregado da China? O Brasil está entre os países mais bem posicionados para se aproveitar do apetite do consumidor chinês por carne bovina. Em 2019, fornecemos 25% da carne bovina importada pela China, seguidos por Austrália e Argentina, com 21% cada.
Temos espaço para ir além, mesmo com a desvantagem natural da distância geográfica e da ausência de um acordo comercial com a China, aspecto que facilita as exportações de países com os quais concorremos. Exemplo é o segmento de alimentos e bebidas saudáveis, à base de frutas, muito promissor para o Brasil. Vejamos os outros países e blocos posicionados para atender a demanda chinesa por produtos agrícolas de maior valor agregado, que podem nos inspirar a buscar oportunidades. A União Europeia é responsável por mais de 80% das importações chinesas de produtos alimentícios destinados ao consumidor final, tendo lácteos e carne de suíno como principais produtos. No topo da lista estão, ainda, Nova Zelândia e Austrália e, apesar dos problemas geopolíticos recentes, o produto agrícola australiano mantém excelente reputação de qualidade junto ao consumidor chinês. De forma geral, a Ásia se beneficia largamente das exportações agrícolas de alto valor para a China. O RCEP, pacto comercial que reúne 15 países da região indo-pacífica, incluindo China e Austrália, entrou em vigor em janeiro de 2022.
O acordo irá enriquecer a gama de importações agrícolas da China, com destaque para carne bovina e produtos lácteos da Austrália e Nova Zelândia e frutas tropicais dos países da ASEAN. Embates comerciais com os Estados Unidos, parceiro nas "commodities" e nos produtos agrícolas de maior valor agregado, têm dificultado as exportações agrícolas norte-americanas e aberto espaço para outros fornecedores. Ainda assim, as exportações norte-americanas de produtos orientados para o consumidor têm mantido uma tendência crescente, especialmente nos casos da carne, castanhas e refeições prontas. A exportação de carne suína e produtos correlatos dos Estados Unidos para a China mais do que quintuplicou entre 2009 e 2019, possivelmente encorajada pelos largos investimentos de empresas chinesas em frigoríficos de suínos norte-americanos. As exportações de alimentos processados quase quadruplicaram, incluindo preparados alimentares, produtos de confeitaria e sopas.
As importações de castanhas da China mantêm tendência de crescimento de 26% ao ano desde 2001 e chegaram a US$ 2,8 bilhões em 2019. Os Estados Unidos são o maior fornecedor da China, com uma participação de 30%, seguidos da Austrália (14%) e do Vietnã (12%). Nas frutas, Tailândia, Chile e Vietnã exportam durian, cerejas e bananas, respectivamente. Embora a pandemia tenha prejudicado a renda das famílias chinesas e reduzido as perspectivas de crescimento econômico, os gastos com alimentação têm-se mostrado resilientes. A China continua empenhada em seu processo de urbanização, ainda que em ritmo menos acelerado, e sua classe média seguirá crescendo nos próximos anos. São consumidores exigentes que demandarão alimentos e bebidas de alto padrão de qualidade para uma dieta diversificada e nutritiva. O Brasil tem reconhecidas vantagens competitivas no agronegócio, mas precisa fazer um esforço de apresentação de sua marca país e de seus produtos aos consumidores no oriente, em especial na China. Este é um tema de grande relevância e exige uma reflexão mais aprofundada. Retornaremos a ele nas próximas colunas. Fonte: Larissa Wachholz. Broadcast Agro.