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12/Mai/2022

PL Política Nacional de Proteção ao Produtor Rural

O assunto de hoje é um projeto de lei batizado de Política Nacional de Proteção ao Produtor Rural (PL 4.588/2021). Este PL, ainda que em início de tramitação, foi apresentado no final de 2021 e deu seu primeiro passo ao ser encaminhado para a Comissão de Agricultura (CAPADR) da Câmara dos Deputados, onde já teve seu relator designado. Dado o fato da sua tramitação estar apenas começando, é razoável pensar que ele deverá passar por muitas modificações e, caso venha a progredir na Câmara, um texto bastante diferente será votado nas duas casas. Ou seja, para alguém que está preocupado com este projeto, que é o meu caso, evidenciar tal apreensão agora, no início da tramitação, pode parecer precipitado. Exclusivamente na visão prática do que ainda está por vir no que se refere a esta proposta, externar as preocupações neste momento é, de fato, algo precipitado. No entanto, o PL está assentado em dois princípios que precisam ser questionados. Se tais preceitos não se sustentarem, ele perde sua função.

Assim, apesar da juventude do projeto, julgo necessário analisar estes princípios nos quais ele está alicerçado. O primeiro deles é que o projeto assume que o produtor rural é hipossuficiente. A justificativa para tal é que o produtor, frente ao aumento da complexidade das transações das quais participa, se vê em situação negocial desvantajosa diante do poder exercido pelos fornecedores de insumos e compradores da sua produção. Não há como negar que, até a própria definição de agronegócio criada no final dos anos 1950 por Ray Goldberg assim o reconhece, a produção rural é pulverizada (em número de agentes econômicos) e se vê, antes e depois da porteira, diante de setores mais concentrados (também em número de agentes). No entanto, usando expressão comum falada por produtores, não se pode matar a galinha dos ovos de ouro. Se a indústria de insumos ou processadores/compradores matarem o produtor, matam a si próprios. A premissa de que o produtor rural é hipossuficiente desaparece quando se analisa o sistema de formação de preços de produtos agropecuários.

Commodities agrícolas tais como soja e milho, citando apenas a mercadoria ainda não processada, ou seja, vendida diretamente pelos produtores rurais, operam em condições de concorrência perfeita, com seus preços formados pelas condições de oferta e demanda globais, levando em conta todas as regiões que são produtoras líquidas (exportam) e consumidoras líquidas (importam). Os compradores de soja e milho, que farão seu processamento ou exportarão in natura, não determinam o preço pago ao produtor. No caso destes grãos, os valores recebidos pelos produtores refletem os preços internacionais em dólar, a taxa de câmbio brasileira e os custos de frete do porto de exportação até a região produtora (considerando os prêmios negativos ou positivos frutos de muita oferta ou muita demanda, respectivamente). Ou seja, embora o produtor transacione com uma comercializadora ou processadora, o preço de aquisição não é escolhido pelo comprador. Inexiste, assim, hipossuficiência na produção agropecuária brasileira. Mesmo reconhecendo que o antes e o depois da porteira são mais concentrados do que o dentro da porteira, as evidências do sistema de formação de preços ao produtor comprovam que inexiste a chamada "posição negocial menos vantajosa".

O segundo princípio que não para de pé está relacionado à seção do projeto chamada de "proteção contratual". A condição é que o produtor, por ser hipossuficiente e por estar exposto a riscos fora do seu controle (os climáticos são citados de forma explícita), deverá ter o direito unilateral de readequar normas contratuais. No caso deste princípio, vale a pena recorrer a fatos jurídicos, sobretudo jurisprudência de tribunais superiores. Diversas tentativas de legitimar revisões contratuais via judiciário foram feitas em contratos de entrega futura de grãos. A compra antecipada de soja e milho é uma das práticas comerciais de maior sucesso entre as cadeias produtivas do agronegócio. A enorme liquidez para o produtor vender e para a comercializadora comprar e depois vender decorre da consolidação desta prática. Ela permite travar preços reduzindo os riscos de mercado, fomentar a produção (por meio de operações barter ou de compra com pagamento antecipado) e tornar o fluxo de escoamento da safra muito mais previsível, o que é positivo para o produtor que entrega e para a comercializadora que retira o produto.

Esse tipo de transação comercial foi objeto de algumas tentativas de contestação judicial, seja porque as condições de mercado mudam entre o momento da venda e da entrega, seja porque eventos climáticos podem frustrar parte da produção. Os tribunais superiores já possuem jurisprudência afirmando dois pontos: riscos climáticos e de doenças são parte inerente do negócio de produção agropecuária e, sendo assim, não autorizam a adoção da teoria da imprevisão, que ensejaria a possibilidade de revisão contratual. Dada a interpretação citada, o projeto de lei, ao criar dispositivo afirmando que é direito do produtor readequar cláusulas contratuais, está em desacordo com os entendimentos já consolidados no judiciário. É fácil de compreender por que o judiciário optou por proteger os contratos ao invés de autorizar as revisões contratuais: se as revisões fossem autorizadas, as transações de venda antecipada perderiam toda sua segurança jurídica, culminando até na interrupção delas. O impacto negativo na liquidez do mercado de soja e milho seria enorme prejudicando os produtores rurais e as comercializadoras.

A jurisprudência nos tribunais se soma a uma questão prática: se ao produtor for dado o direito de readequar unilateralmente cláusulas contratuais, o mesmo será concedido para o comprador do seu produto. Dado que o produtor não é hipossuficiente, a reciprocidade aqui precisa ser imposta. Ocorre que às comercializadoras, que compram do produtor e vendem ao mercado externo, não será dada a chance de readequar contratos de exportação com clientes externos. Assim, havendo readequação contratual pelo produtor, toda a cadeia de compra e exportação da commodity produzida pelo produtor perderá liquidez e as cadeias de suprimento serão interrompidas. Trata-se, como se vê, de uma má ideia. Como disse no início, o Projeto de Lei está ainda nos seus passos iniciais. Nossa expectativa é que ele seja ajustado logo, reconhecendo que contratos não podem ser readequados, ficando do lado de quem prefere defender a segurança jurídica e os negócios como um todo. Fonte: André Nassar. Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove). Broadcast Agro.