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04/Mai/2022

China e oportunidades para agronegócio do Brasil

Frases recentes do presidente da China, Xi Jinping, demonstram a preocupação do governo chinês com o tema de segurança alimentar e despertam a atenção de analistas ao redor do mundo, embora não sejam exatamente inéditas. Elas reafirmam a visão de que a China não pode depender dos mercados globais para garantir acesso ao alimento: "a tigela de arroz do povo chinês deve ser segurada firmemente pelas mãos do povo chinês" e "deve-se encher a tigela de arroz do povo chinês principalmente com grãos chineses". A primeira foi parte do discurso do presidente em reunião sobre temas rurais em dezembro de 2021. A segunda repercutiu durante as "sessões gêmeas", encontro político anual da China, que ocorreu em março de 2022. Xi afirmou que autossuficiência e segurança alimentar são prioridades máximas para este ano. Falando sobre a "estratégia nacional de segurança alimentar", o líder chinês apresentou como objetivo a produção de mais de 650 milhões de toneladas anuais de grãos.

Afirmou que o desenvolvimento da capacidade nacional de produção de sementes é uma questão de "segurança nacional", indispensável para garantir a autossuficiência do país neste campo. Também descreveu como uma "linha vermelha" a manutenção de área plantada de pelo menos 120 milhões de hectares. Neste contexto, afirmou que autoridades que permitam a conversão ilegal de terras agrícolas sob sua responsabilidade para outros fins, notadamente a especulação imobiliária, serão severamente punidas. Para que se compreenda a visão chinesa sobre segurança alimentar, é preciso primeiro dizer que a China teme a fome. Não são os únicos, já que crises de insegurança alimentar corroem o bem-estar e a estabilidade social de qualquer país. Entretanto, apesar de ser hoje a segunda maior economia do globo, a China guarda memória recente da escassez de alimentos - o país enfrentou uma crise alimentar nos não muito distantes anos de 1960.

Foi a combinação de rápido crescimento econômico, incremento da renda per capita e grandes ganhos de produtividade na agricultura que permitiu uma queda expressiva no percentual de desnutridos da população chinesa, de 16,2% em 2000 para 8,6% em 2017, segundo a FAO. A política chinesa de segurança alimentar, "questão de segurança nacional" nas palavras de Xi, incorporou diferentes preocupações ao longo das últimas décadas. Em 1996, foram estabelecidas metas nacionais de autossuficiência de 95% na produção de arroz, trigo e milho, grãos considerados estratégicos. Os ganhos consideráveis de produtividade na agricultura chinesa permitiram, de forma geral, cumprir as metas e atender à demanda de grãos do país, que mais do que triplicou entre 1975 e 2018, passando de 125 a 420 milhões de toneladas. Nos anos subsequentes, caracterizados por acelerada urbanização e crescimento da renda, verificou-se grande diversificação da dieta da população, com destaque para o papel da proteína animal nas refeições. De 1998 a 2018, o consumo de carne na China aumentou 72%.

O país passou a fazer uso de importações para sustentar as mudanças de hábitos alimentares. Entre 2003 e 2017, suas compras de alimentos no mercado internacional saltaram de US$ 14 bilhões para US$ 104 bilhões (4). Apesar de a China ser também uma potência na exportação de produtos agrícolas, mantém uma posição deficitária em alimentos, o que levou as lideranças do país a reconhecer que importações "moderadas" seriam usadas para atender a demanda por segurança alimentar. O conceito de segurança alimentar, então, adquiriu novos contornos e passou a incorporar a ideia de uma dieta diversa e nutricionalmente rica, um componente importante de bem-estar. A alteração do padrão alimentar da nova classe média teve enorme impacto no comércio global de alimentos e beneficiou fortemente o Brasil, cuja pauta exportadora agrícola, pecuária e de produtos florestais cresceu e se diversificou, ainda que a soja em grãos tenha-se mantido como carro-chefe.

O grande desafio chinês passou a ser o acesso a grãos para ração. Em 2021, as importações anuais de grãos atingiram o volume recorde de 160 milhões de toneladas. Desdobramentos recentes, notadamente a guerra comercial com os Estados Unidos, a pandemia de Covid-19 e, agora, a guerra na Ucrânia, recolocaram o tema da segurança alimentar no topo da agenda política chinesa. Para além do acesso à ração, cuja dinâmica no mercado internacional também é impactada pela recuperação do plantel de suínos chinês pós-peste suína africana, a preocupação se voltou de novo aos grãos "estratégicos", que encareceram por restrições de oferta e por distúrbios nas cadeias de suprimento, ou por ambos os fatores. Inflação no preço do noodle (tipo de macarrão) ou do baozi (pão cozido no vapor) é notícia pior do que eventual insatisfação com uma dieta menos diversa.

Como a memória da escassez de alimentos permanece viva, o assunto é de grande interesse da opinião pública e exige um posicionamento firme das autoridades, que têm reafirmado compromissos de aumento da produção interna, diversificação de grãos para ração e desenvolvimento de novos fornecedores internacionais. O reforço na produção doméstica se daria pelo uso intensivo de tecnologia, firme controle das áreas agrícolas (para garantir que não sejam transformadas em áreas urbanas), além de outras medidas. Embora as metas sejam claras, limitações na quantidade de terras agricultáveis, no acesso à água doce e problemas de degradação ambiental dificultam a tarefa. Especialistas afirmam que a taxa de autossuficiência da China em grãos está em 80% e deverá cair, impulsionada pela demanda de milho e soja. Há quem contemple um "novo normal" com importações anuais de 120 milhões a 140 milhões de toneladas em commodities agrícolas, segundo a consultoria China Policy, que acompanha as políticas públicas no país.

O tema é estratégico para a China e para o Brasil, seu maior fornecedor de produtos agropecuários. Cabe uma reflexão sobre os riscos e oportunidades que se apresentam a nós. Um aumento da percepção de risco da sociedade chinesa sobre o mercado internacional faz crescer a pressão sobre as lideranças, cobradas a buscar soluções. O receio natural da dependência excessiva de um número restrito de fornecedores não deixa escolha aos chineses se não o fomento de novas parcerias internacionais com países de potencial agrícola (explorado ou ainda adormecido). Há, portanto, risco de maior concorrência às exportações brasileiras no futuro. Temos, por outro lado, a oportunidade de aproveitar a relevância que o assunto tem no debate público chinês para nos aproximarmos de nosso maior parceiro comercial. O comércio agrícola sino-brasileiro é maior do que o PIB de muitos países, mas conta com grande número de intermediários. Brasil e China deveriam buscar maior protagonismo nesta relação comercial.

O financiamento da produção agrícola brasileira custa caro, movimentando aproximadamente R$ 750 bilhões por safra. O crédito rural atende apenas um terço da demanda e terá dificuldades de crescer por restrições de orçamento público. Há espaço para estimular o financiamento chinês ao setor, com ganhos de confiança e previsibilidade para os dois lados. Investimentos em armazenamento e logística poderiam ser feitos em parceria com empresas chinesas e contribuiriam para maior eficiência e redução de custos. Instrumentos de mercado como o Fiagro (Fundo de Investimento nas Cadeias Produtivas Agroindustriais) podem ser utilizados para este fim. Projetos já em curso servem de inspiração, mas o espaço para fazer crescer as relações diretas no setor é muito vasto. Devemos aproveitar a prioridade que a China dá ao tema da segurança alimentar para fomentar novas iniciativas e garantir uma relação de confiança de longo prazo, benéfica para os dois países. Fonte: Larissa Wachholz. Fonte: Broadcast Agro.