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29/Abr/2022

Importância do Código Florestal para o agronegócio

Em maio de 2022, a Lei de Proteção da Vegetação Nativa, conhecida como Código Florestal, completará 10 anos. Vale lembrar que a lei estabeleceu um processo de adequação ambiental visando recompor passivos de vegetação nativa em áreas rurais e definiu um equilíbrio possível entre as diversas regras que tratavam do tema. A despeito das críticas e questionamentos, o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou a constitucionalidade dos principais dispositivos do Código Florestal. A efetiva implementação das leis (enforcement na expressão em inglês) é um grande desafio no Brasil e, levando-se em conta a ambição e complexidade do Código Florestal, vale questionar se há razões para comemorar esses 10 anos. O Cadastro Ambiental Rural (CAR) gerou uma imensa base de cadastros autodeclarados que precisam ser avaliados pelas Secretarias de Meio Ambiente estaduais, desafio enorme que ganhou finalmente, em 2021, suporte da Análise dinamizada do CAR (AnalisaCAR).

A Agroicone fez um cruzamento de dados do CAR com o Cadastro Nacional de Florestas Públicas, ambos do Serviço Florestal Brasileiro (SFB), que apontou existência de 19,7 milhões de hectares de terras públicas com CAR sobrepostos na Amazônia Legal. Esse dado sugere a sobreposição de áreas privadas com terras públicas, a falta de regularização fundiária para quem está há anos nas áreas e o oportunismo de quem pretende titular terras públicas recentemente invadidas. Somente esse exemplo seria suficiente para ilustrar a complexidade do CAR em um país extenso como o Brasil. Ao longo dos anos, o CAR validado permitirá comprovar o montante de Áreas de Preservação Permanente (APP) e áreas de Reserva Legal (RL) existentes em cada bioma, o que dará uma visibilidade para o papel da agropecuária na conservação da vegetação nativa associada às atividades produtivas. Estima-se que há mais de 120 milhões de hectares de vegetação nativa em imóveis rurais. A recomposição de vegetação nativa, objetivo central da lei, ainda tem pouco alcance.

Independentemente do método a ser utilizado - regeneração natural, semeadura direta de sementes, plantio de mudas - o Brasil tem o desafio de fomentar uma cadeia de restauração, que terá no CAR avaliado um impulso. A adoção de Sistemas Agroflorestais, que ganha força em vários estados, permite, além da recomposição de vegetação nativa, a produção de espécies madeireiras ou não associadas a outros produtos alimentícios. Em 2018 foi aprovado o Decreto 9.640/2018, que regula a compensação de passivos de Reserva Legal em áreas de excedente de vegetação de outros produtores por meio da aquisição de Cotas de Reserva Ambiental (CRA). O mercado de CRA é, na prática, um imenso programa de pagamento por serviços ambientais que conecta atores privados em um negócio que permite pagar pelo desmatamento legal evitado.

Para que esse mercado evolua e permita dar valor para a floresta em pé é preciso avançar na avaliação do CAR, resolver definitivamente a questão levantada pelo STF quanto a compensação em áreas com identidade ecológica, e que os Estados estimulem o uso das CRAs como instrumento para compensar passivos de Reserva Legal. Em 2021, o SFB lançou o Módulo de Regularização Ambiental, pelo qual o produtor rural que tiver o CAR validado poderá elaborar uma minuta de proposta de adesão ao Programa de Regularização Ambiental e avançar na adequação ao Código Florestal. Em março de 2022, o Decreto 11.015/2022 criou o Plano Nacional para a Regularização Ambiental dos Imóveis Rurais, que visa, dentre outros objetivos, promover e aperfeiçoar a integração de sistemas de informação e bases de dados que potencializem a aplicação e uso do CAR e orientar a atuação governamental para impulsionar a regularização ambiental.

O Plano, também chamado de RegularizAgro, criou um Comitê gestor que envolve Ministério da Agricultura, Serviço Florestal Brasileiro, Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária, Ministério do Meio Ambiente, Associação Brasileira de Entidades Estaduais de Meio Ambiente, Conselho Nacional dos Secretários de Estado de Agricultura. Ainda é cedo para antever resultados do RegularizAgro, mas essa organização de vários órgãos que tem conexão direta com a agenda de implementação do Código Florestal em torno da pauta de implementação é mais do que oportuna, mesmo que tardia. Do ponto de vista legal, o CAR é um instrumento que transcende o Código Florestal e atesta o cumprimento das regras ou o status da adequação ambiental. Por essa razão, o CAR já é cobrado pelos bancos para conceder crédito, pela agroindústria aos seus fornecedores, para autorizações de licenciamento ambiental, dentre outras obrigações que incidam sobre a posse ou propriedade rural.

Como previsto na lei, o CAR é um instrumento de planejamento territorial. Serve para conter desmatamento ilegal, definir com precisão onde acontece a conversão legal, estimular o pagamento pelo desmatamento legal evitado, confere credibilidade para potenciais projetos que buscam dar valor ao carbono estocado em vegetação nativa e, principalmente, atesta que a produção segue os parâmetros legais quanto à conservação de vegetação nativa. A implementação do Código Florestal compõe as ações do Brasil no Acordo de Paris, ao lado do Plano ABC+ que visa estimular a adoção de sistemas, processos, práticas e tecnologias que favorecem a adaptação da agropecuária às mudanças do clima e ainda permite, em vários casos, reduzir emissões de gases de efeito estufa. Sem o CAR, nada disso poderá sair do papel com a velocidade, credibilidade e transparência necessários.

O CAR será o ativo da agropecuária nas relações comerciais, nos mercados interno e externo, na tomada de crédito público e de financiamento sustentável ASG, pois permitirá, de maneira eficiente, apresentar que a produção anda junto com a conservação. A agropecuária brasileira tem desafios para incrementar produtividade, agregar inovação e diversificar a pauta de produtos, incluindo milhares de pequenos e médios produtores. Como preconiza o ABC+, por meio da abordagem integrada da paisagem, que inclui a conservação de vegetação nativa e adequação ao Código Florestal, será cada vez mais possível agregar critérios de sustentabilidade aos produtos da agropecuária. Vale ponderar se os próximos 10 anos permitirão consolidar o Código Florestal como um enorme ativo que diferencia a agropecuária, se a lei será apenas parcialmente implementada ou, pior, novamente alterada. Nesse cenário, é relevante apontar que houve avanços que merecem ser comemorados nos últimos 10 anos, mas é prudente reconhecer que ainda pairam obstáculos, em várias frentes, que atrapalham sua efetiva implementação. Fonte: Rodrigo C. A. Lima. Broadcast Agro.