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21/Mar/2022

Comércio mundial agrícola no contexto da guerra

O conflito Rússia-Ucrânia e suas consequências sociais, geopolíticas e econômicas são foco da análise de especialistas de diversas áreas e estão presentes o tempo todo, e em tempo real, no noticiário e nas rodas de conversas. Nas vertentes econômica e social, o impacto no comércio internacional de bens, e especialmente dos produtos relacionados ao agronegócio, ocupa um papel central nas discussões. Esse debate sobre cadeias globais de suprimento, interdependência entre os países e até soberania nacional ganhou força em função da pandemia da Covid-19. As limitações impostas pela crise sanitária impactaram fortemente o comércio internacional de bens e serviços. A questão se tornou tão relevante que, em 2021, este foi o tema do relatório publicado anualmente pela Organização Mundial do Comércio (OMC), o World Trade Report. Com o título "Resiliência econômica e comércio", o documento avaliou como o sistema interconectado de comércio global deixa, ao mesmo tempo, os países mais vulneráveis a choques e torna as economias nacionais mais resilientes para suportar as crises.

O relatório afirma que, em 2020, apesar de o comércio global ter sofrido uma queda de 7,6%, o setor de equipamentos médicos registrou um aumento de 16% e o comércio de produtos agropecuários permaneceu estável, evitando que a crise sanitária se tornasse uma crise alimentar. A preocupação da OMC é com o aumento indiscriminado de medidas que restrinjam o comércio mundial e, com isso, tornem as economias menos resilientes a choques. No contexto da Covid-19, desde o início de 2020 os países registraram na OMC 35 medidas restritivas à exportação de produtos agropecuários e oito voltadas à facilitação da venda a outros países. Do lado da importação foram reportadas quatro medidas restritivas e 44 de facilitação. Em função da pandemia, governos passaram a questionar o custo-benefício de importar/exportar esse ou aquele produto. No setor agropecuário, países utilizaram o termo "soberania alimentar" para justificar o uso de regulações voltadas a facilitar ou dificultar o comércio de determinados produtos.

O receio de uma possível interrupção no fornecimento de alimentos, especialmente para países que dependem fortemente da importação para garantir o abastecimento interno, se tornou prioridade dos governos. O que está por trás disso é o aumento do comércio internacional de produtos agropecuários, que, entre 2010 e 2020, cresceu cerca de 40%, passando de US$ 1,2 trilhão para US$ 1,7 trilhão. Para entender como essa interdependência funciona, é preciso olhar além dos grandes players - Estados Unidos, China, Brasil e União Europeia - e identificar, para cada cadeia produtiva, quais são os fornecedores mais relevantes. Para a maioria das pessoas que não trabalha com comércio internacional, foi uma surpresa saber que a Ucrânia é um importante player no mercado agrícola internacional. O país é o terceiro maior exportador de milho, o segundo de cevada e o primeiro de óleo de girassol. A Rússia também ocupa posição de destaque: é o principal fornecedor mundial de trigo e de fertilizantes nitrogenados. A interrupção, parcial ou total, da produção agropecuária e das exportações de Rússia e Ucrânia afeta a cadeia de fornecimento de diversos países.

Semelhante ao que aconteceu por causa da pandemia da Covid-19, o conflito traz à tona a questão da interdependência entre os países motivada pelo comércio internacional. Recentemente, a FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura) divulgou uma nota intitulada "A importância da Ucrânia e da Rússia para o mercado global de produtos agropecuários e os riscos associados ao conflito". O documento apresenta dados que comprovam a relevância dos dois países, como o fato de que 50 países importam da Rússia e da Ucrânia mais de 30% do trigo que consomem internamente. No caso do Brasil, o comércio de produtos agropecuários com esses dois países movimentou, em 2021, cerca de US$ 1,5 bilhão. Para prevenir ou limitar os impactos negativos do conflito, a FAO recomenda que a produção interna e o comércio de alimentos e fertilizantes entre os dois países e o resto do mundo permaneça funcionando e que aqueles que dependem do fornecimento da Rússia e da Ucrânia para garantir o abastecimento interno diversifiquem suas importações.

Com a previsão de que a população mundial chegue a 8,5 bilhões em 2030, 9,7 bilhões em 2050 e 11,2 bilhões em 2100, inevitavelmente a demanda por alimentos também vai crescer, assim como a interdependência entre os países. A garantia da segurança alimentar passa pelo aumento do comércio global. O discurso da autossuficiência total é ilusório. Crises como a da Covid-19 e o conflito entre Rússia e Ucrânia são utilizadas como justificativa para que alguns países aumentem o seu grau de protecionismo. Desde o início da pandemia, o comércio internacional enfrenta desafios que devem ser encarados como uma oportunidade para a melhoria desse sistema de trocas, tanto do ponto de vista de produção, quanto logístico, regulatório e de comercialização. A questão dos fertilizantes exemplifica bem essa situação.

Como o quarto maior consumidor mundial e com aumentos crescentes na importação desse importante insumo para a produção agropecuária nacional, é necessária a discussão sobre formas de reduzir a dependência externa e diversificar fontes de fornecimento. Entre 2009 e 2019, o Brasil aumentou em quase 120% o uso de fertilizantes. No mesmo período, China e Estados Unidos, outros dois grandes produtores de alimentos, registraram crescimento de 1,3% e 5,4% respectivamente. Nesse e em outros casos, não há que se falar em autossuficiência, mas sim em formas de tornar a economia menos vulnerável. Com cadeias de produção cada vez mais globalizadas, o risco é inerente ao processo. As lições aprendidas com a pandemia e com o conflito entre Rússia e Ucrânia ajudarão governos e setor privado a definirem estratégias mais assertivas para reduzir esses riscos. A proposta deve ser no sentido de fortalecer as economias nacionais e o comércio internacional ao mesmo tempo. Fonte: Sueme Mori (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil - CNA). Broadcast Agro.