ANÁLISES

AGRO


SOJA


MILHO


ARROZ


ALGODÃO


TRIGO


FEIJÃO


CANA


CAFÉ


CARNES


FLV


INSUMOS

14/Mar/2022

Globalização sob ameaça de sanções econômicas

O esforço liderado pelos Estados Unidos para expulsar a Rússia do comércio internacional marca outra fratura na visão de livre comércio que orientou a política norte-americana por quase 30 anos. Também sinaliza um futuro no qual as nações e as empresas deixam de negociar com adversários e se concentram em parceiros com ideias semelhantes. As ações tomadas pelos Estados Unidos e aliados da Europa Ocidental desde que a Rússia invadiu a Ucrânia foram rápidas e punitivas, incluindo a proibição ou redução das compras de petróleo, gás e carvão russos para pressionar o presidente russo, Vladimir Putin, a recuar suas tropas. O Ocidente também expulsou bancos russos das redes financeiras internacionais, enquanto a coalizão bipartidária de legisladores dos Estados Unidos introduziu uma legislação pedindo que o país pressione pela suspensão da Rússia da Organização Mundial do Comércio (OMC), ação que não teria precedentes na história da OMC.

O sistema comercial como o conhecemos, com a Organização Mundial do Comércio (OMC) em seu núcleo e com um conjunto básico de regras sob as quais todos negociavam, está se desfazendo. O conceito de globalização (nações negociando com poucas barreiras, concentrando-se em indústrias e serviços que fazem melhor) está sob pressão há anos, impulsionada por rivalidades econômicas, fechamento de fábricas em países ricos e aqueles que dizem que as fronteiras comerciais abertas não são o melhor interesse nacional, especialmente em tempos de emergência. O ex-presidente Donald Trump alimentou a tendência ao lançar uma guerra comercial contra a China em 2018. A pandemia de Covid-19 deu força ao movimento, ao expor a dependência dos Estados Unidos de itens fabricados no exterior, como equipamentos de proteção individual e chips de computador.

O futuro dos acordos comerciais globais pode estar em grandes pactos regionais nos quais os participantes compartilham interesses mais comuns, como o Acordo Estados Unidos-Canadá-México assinado em 2020. Há mais blocos, nos quais existem coalizões de pessoas que pensam da mesma forma. Se se tornarão clubes formais que negociam entre si e não com outros ou não, mas é difícil saber ao certo. Os defensores da globalização observam que os benefícios do livre comércio foram de longo alcance, com a abertura de novos mercados às empresas e tornando acessíveis uma variedade de bens de consumo. Transferir mais produção para o mercado interno inevitavelmente aumentará a inflação, que já está em alta. Segundo o Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais, as tecnologias de transporte e comunicação ainda tornam o comércio global atraente para as empresas e permite que elas ofereçam os produtos mais competitivos.

As medidas para isolar a Rússia são muito satisfatórias no curto prazo, mas ninguém quer falar sobre as consequências de longo prazo do enfraquecimento das instituições internacionais. Apesar dos benefícios da globalização, o mundo está caminhando na direção oposta há uma década ou mais. Em 2008, as exportações mundiais atingiram 31% do produto interno bruto global. Em 2020, caiu para 26%. Nações, incluindo os Estados Unidos, também aumentaram as tarifas sobre as importações, outro freio ao comércio global. Desde 2010, o comércio com tarifas e outras barreiras subiu de US$ 126 bilhões para US$ 1,5 trilhão. A OMC surgiu em 1995 em meio a uma onda de otimismo pós-Guerra Fria sobre um mundo unido por ideais de livre comércio, abertura de mercado e crescente democracia global. Os signatários comprometem-se a oferecer o mesmo conjunto de condições comerciais a todos os outros membros da OMC sem discriminação.

Segundo o Dartmouth College, havia essa visão de 'um mundo das coisas' em 1995. Não há sistemas diferentes e sim um conjunto de regras sob a OMC, e cadeias de valor e de suprimentos globais, e tudo está integrado. Os sinais de tensão neste sistema vêm aumentando há anos. Um esforço iniciado em 2001, conhecido como Rodada de Desenvolvimento de Doha, destinado a reduzir as tarifas agrícolas e ajudar melhor os pobres do mundo em uma era de globalização, não conseguiu ganhar força. A crise financeira global de 2008 criou uma nova geração de céticos em relação à globalização, enquanto a guerra comercial EUA-China e a pandemia de coronavírus levaram muitas empresas e países a repensar até que ponto seus laços comerciais prejudicam as indústrias domésticas. Nunca na história da OMC houve esforço sério para expulsar qualquer um dos 164 Estados membros.

A OMC nem sequer foi regulamentada com um processo formal de expulsão, e os Estados Unidos enfrentam um caminho difícil para persuadir os outros membros a dar um passo sem precedentes. Mesmo sem uma ação formal da OMC, no entanto, várias empresas decidiram recuar (ou abandonar totalmente) suas operações na Rússia. Apple Inc., Ford Motor Co. e Dell Technologies Inc. estão entre as que estão cortando laços ou interrompendo as operações. As gigantes do petróleo BP PLC, Shell PLC e Exxon Mobil Corp. estão desinvestindo ou encerrando a produção na Rússia. Segundo a Câmara de Comércio dos Estados Unidos, as empresas norte-americanas agiram com determinação e apoiam totalmente a necessidade de uma resposta rápida e forte à crise causada pela invasão da Rússia na Ucrânia.

Depois de entrar no acordo, jamais houve expulsões da organização predecessora da OMC, o Acordo Geral de Tarifas e Comércio, criado após a Segunda Guerra Mundial em um esforço para evitar o retorno à guerra e ao conflito comercial entre grandes países. O acesso da Rússia à OMC em agosto de 2012 foi, de certa forma, o apogeu de décadas de trabalho para trazer o fim do sistema de blocos que caracterizou o comércio global entre o fim da Segunda Guerra Mundial e o colapso da União Soviética. Por uma geração, os economistas dividiram a economia global em países do "primeiro mundo" (nações ricas e desenvolvidas dos Estados Unidos, Europa Ocidental, Japão e seus aliados) de um lado, e o "segundo mundo" do bloco soviético e seus aliados comunistas na Europa Oriental e na China, por outro. O "Terceiro Mundo" originalmente se referia a nações não alinhadas, mas depois se tornou um termo depreciativo para países pobres.

Quando a União Soviética entrou em colapso em 1989, seus países membros correram para aderir à OMC: Estônia, Letônia e Quirguistão em 1999, Geórgia em 2000, Lituânia e Moldávia em 2001, Armênia em 2003. Em 2004, os três estados Bálticos da Lituânia, a Letônia e a Estônia também aderiram à União Europeia. Nem mesmo a Rússia resistiu à atração e, em 2006, o presidente George W. Bush e Vladimir Putin se encontraram no Vietnã (um país comunista que aderiu à própria OMC em 2007, por acaso) para assinar um acordo apoiando medidas para eventualmente admitir a Rússia na OMC. A American Enterprise Institute (um think tank conservador) ressalta que que, embora sejam as relações com a Rússia que estão se desfazendo atualmente, a China na OMC foi provavelmente o maior erro. A Rússia é uma economia relativamente pequena e isolada (um décimo do tamanho da China) e o governo chinês administra um sistema de intervenção estatal em sua economia que está em forte desacordo com o sistema americano.

Agora, o mundo pode estar voltando para um sistema de blocos comerciais mais isolados. Embora os Estados Unidos parem de comprar petróleo russo, alguém provavelmente o fará. A guerra comercial EUA-China não impediu o governo chinês dos objetivos de seu plano China 2025, para desenvolver indústrias de alta tecnologia que rivalizem com o Ocidente. Embora os legisladores dos Estados Unidos ainda estejam discutindo detalhes, há forte apoio bipartidário para medidas como gastar US$ 52 bilhões para trazer a fabricação de semicondutores de volta aos Estados Unidos, tipo de política industrial que teria sido impensável uma década atrás. Mesmo com uma resolução rápida, é improvável que grande parte do que foi rompido seja revertida. A internet também está se tornando fragmentada, um fenômeno conhecido como "Splinternet", já que a Rússia se juntou à China no corte de muitos de seus links de internet com o Ocidente para restringir o fluxo de informações. A era da crescente cortesia comercial e do comércio livre e irrestrito com os rivais parece mais uma moda passageira e menos o ponto final de uma tendência. Fonte: Broadcast Agro. Adaptado por Cogo Inteligência em Agronegócio.