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03/Mar/2022

Crise na Europa e a nova geopolítica do agro global

O avanço da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) para dentro da esfera da antiga União Soviética provocou uma forte reação da Rússia, que em 2014 respondeu à queda do presidente ucraniano aliado, Viktor Yanukovych, com a ocupação e anexação da Crimeia. No dia 24 de fevereiro, a Rússia iniciou a invasão da Ucrânia. O presidente Vladimir Putin afirmou que a Ucrânia nunca fará parte da Otan e que essa aliança forçou a ação militar russa no país vizinho. O emblemático encontro de Putin com o presidente chinês, Xi Jinping, em fevereiro, quando assinaram um acordo pelo qual Rússia e China estabelecem relações sem limites e precedentes, empurra essa questão regional para a esfera global. Após a desintegração da União Soviética, o setor agropecuário ganhou importância no cenário de colapso industrial da Ucrânia. Houve crescimento na produção de alguns cereais e oleaginosas.

De 2000 para cá, a produção de vários cereais e oleaginosas, como trigo, milho, cevada, girassol e soja, cresceu a taxas entre 5% e 15% ao ano. Hoje, o país responde por cerca de 10% a 15% do comércio mundial de trigo e milho, além de exportar outros cereais, como centeio, cevada e aveia. É o quarto maior exportador de milho, atrás apenas dos Estados Unidos, Brasil e Argentina. Responde por 7% do mercado de farelos e 3% do de óleos vegetais, com destaque para o óleo de girassol, produto em que representa quase metade das exportações mundiais. Na carne de aves, já responde por 3% do comércio mundial. No trigo, a Rússia e a Ucrânia respondem por cerca de um quarto do comércio mundial. Vale destacar também que os dois países vêm aumentando rapidamente a produção de soja e derivados, com as exportações de óleo de soja crescendo 18% ao ano desde 2010. Eles são fortes concorrentes potenciais do Brasil nos mercados mundiais de soja e milho, sob a batuta da China, que tenta reduzir a sua dependência em relação aos produtores das Américas.

É pouco provável que uma invasão provoque mudanças imediatas nas importações agroalimentares da Rússia. Em 2014, em resposta às sanções de países ocidentais, a Rússia adotou uma política de substituição de importações. Respaldada por subsídios e por uma rápida modernização da sua agricultura, atingiu a quase autossuficiência em proteínas animais, chegando a exportar alguns desses produtos, como carne bovina e suína. Na carne de aves, os dois países já responderam por 4,5% do comércio mundial. Além das terríveis consequências humanas, a invasão da Ucrânia pela Rússia pode prejudicar a produção e exportação ucraniana de commodities agropecuárias e alimentos. Bombardeios na infraestrutura terrestre, bloqueio de portos e sanções e embargos resultantes de um conflito de maior escala podem levar à perda de volumes consideráveis de commodities essenciais no mercado mundial.

O conflito pode exacerbar a já alta inflação de alimentos no Oriente Médio e no Norte da África, região que depende fortemente da importação de produtos agrícolas. Os distúrbios da Primavera Árabe ilustram as consequências da insegurança alimentar nessa parte turbulenta do mundo. A região pode sofrer com um aumento ainda maior nos preços agrícolas, hoje já elevados, já que a Rússia e a Ucrânia respondem por cerca de 50% das suas importações de trigo. No curto prazo, portanto, de um lado há uma ameaça à segurança alimentar de diversos países que dependem de importações. De outro, os produtores de grãos de concorrentes da Ucrânia e da Rússia, como é o caso do Brasil, podem se beneficiar do aumento de preços e participação de mercado nas cadeias de milho, trigo e soja. Com quase 100 milhões de hectares de terras agricultáveis, e com a mudança climática já deixando novas áreas para a agricultura abertas na Sibéria, a Rússia detém um grande potencial inexplorado para cobrir parte da pujante demanda chinesa por alimentos.

Ao Brasil interessa particularmente acompanhar a relação entre a Rússia e a China no agro, sendo que a primeira vai se transfigurando de cliente a concorrente. Se a crescente cisão política e comercial da ordem mundial resultar em coalizões lideradas pelos Estados Unidos e pela China, o Brasil vai se confrontar com decisões complexas. Atualmente, a China ocupa uma posição fundamental para o agronegócio brasileiro, que não está em posição de menosprezar a relação com o gigante asiático. Mas, novos concorrentes da Eurásia estão surgindo e podem conquistar partes de mercado do Brasil. O comércio administrado pelas relações políticas está voltando com força. O Brasil precisa montar estratégias sólidas para navegar nas novas constelações da geopolítica global do agro que estão se formando. Fonte: Centro Insper Agro Global e Valor Online. Adaptado por Cogo Inteligência em Agronegócio.