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08/Fev/2022

Vulnerabilidades externas do agronegócio brasileiro

A questão das vulnerabilidades do Brasil raramente é discutida e muito menos é enfrentada pelo governo e pelo setor privado. Vou limitar aqui o tratamento dessa matéria apenas ao setor do agronegócio pela relevância que passou a ocupar na economia nacional. A euforia com os resultados nos últimos anos, sem dúvida consequência do avanço tecnológico do setor, do dinamismo dos agentes privados e da crescente demanda externa, muitas vezes deixa para um segundo plano a percepção da perigosa dependência em que o Brasil está colocando. O valor das exportações brasileiras alcançou 280 bilhões de dólares em 2021. O problema é a concentração em poucos produtos e reduzido número de mercados. O mercado asiático absorveu 46,4%, com destaque para a China, que representou 31,3%. Desse total geral, o agronegócio representou 43%. O Brasil está se tornando uma potência agrícola global, com exportações subindo a mais de 100 bilhões de dólares, porém com crescente vulnerabilidade. Mais de 70% das exportações estão representadas por dois produtos de proteína vegetal (soja e milho). Desse volume, 87,7% em valor está concentrado no mercado chinês.

Nos últimos 5 anos, mais de 90% da soja brasileira foi exportada para a China. Com a redução das compras de soja e carne pela China, nos meses recentes a participação chinesa registrou pequena redução. Essa dependência deixa o setor muito exposto às oscilações do comportamento da economia chinesa e das políticas do governo de Beijing. O fluxo das exportações para a China poderá ser afetado pela desaceleração da economia chinesa, de um lado, e por medidas restritivas, como o embargo à carne brasileira que produziu uma queda de 43% no volume exportado em 2021 em relação a 2020 (a exportação de carne suína para a China caiu cerca de 50%, com os preços se reduzindo perto de 17%), e a busca de autossuficiência (meta de aumento de 25% da produção de soja até 2025) e diversificação de suas fontes de suprimento, com a importação da África (Namíbia, Zimbábue e Golfo da Guiné) de produtos que concorrem com os brasileiros, sem falar da possibilidade de implementação da primeira fase do acordo comercial com os Estados Unidos prevendo substancial incremento das compras de soja e milho no mercado norte-americano.

No tocante a importações na área agrícola ocorre o mesmo fenômeno: alguns produtos essenciais ao agro brasileiro são importados de poucos países, como os defensivos agrícolas originários da Rússia e da Belarus. A dependência externa dos defensivos agrícolas, forçou o Ministério da Agricultura a desenvolver a diplomacia dos insumos, com a viagem da ministra Tereza Cristina à Rússia para assegurar o suprimento ao Brasil em vista das quotas de exportação estabelecidas por Moscou para fertilizantes e garantir o fornecimento de fosfato e potássio, pelas limitações da Belarus e China. Um dos motivos do aumento do preço das commodities, segundo a FAO, foi a decisão da China de reduzir a exportação de fertilizantes para o mercado global, o que fez com que o preço desses produtos subisse mais de 300% nos últimos quatro anos.

As sanções impostas pelos Estados Unidos e pela União Europeia a Belarus em 2021 estão afetando a exportação e o preço do potássio. Na alimentação, para dar um exemplo, o trigo, produto essencial na mesa brasileira (pães, massas, biscoitos e bolos), estratégico para a segurança alimentar, depende de 60% da importação para consumo doméstico e desse total 85% é originário de um único país, a Argentina. A Associação Brasileira da Indústria do Trigo (Abitrigo) propôs uma política nacional visando a autossuficiência do grão a médio prazo e a Embrapa está desenvolvendo sementes e técnicas para o aumento da área plantada norte do Cerrado. Recente relatório da FAO da ONU, ressalta as incertezas que cercam as exportações agrícolas brasileiras, inclusive pela mudança de clima a médio e longo prazo com a desertificação da Amazônia e suas consequências sobre a produção agrícola na região. Além disso, cresceram as incertezas globais derivadas da pandemia, da precariedade da infraestrutura e do crescente custo dos fretes marítimos.

Por fim, mas não menos importante, a todas essas vulnerabilidades, somam-se as crescentes ameaças de sanções comerciais, disfarçadas em restrições externas em função das preocupações globais com o meio ambiente e a mudança do clima. As políticas ambientais do atual governo em relação aos ilícitos na Amazônia (desmatamento, queimadas e garimpo, inclusive em terras indígenas), concorde-se ou não com suas motivações, estão hoje no centro das preocupações globais, em especial, dos países europeus e dos Estados Unidos. Nessa linha, a União Europeia anunciou a criação de taxa de carbono sobre produtos importados de países que não coíbem o desmatamento. A medida, que muitos consideram como protecionista, está sendo finalizada pelo Conselho Europeu e poderá ser contestada na Organização Mundial da Saúde (OMC), mas deverá ser implementada, não se descartando sua aplicação também, no futuro, pelos Estados Unidos.

Por outro lado, os consumidores e cadeias de supermercados externos já começaram a boicotar produtos brasileiros, como retaliação a política ambiental amazônica. Um país com mais de 210 milhões de habitantes, com dimensões continentais não pode se dar ao luxo de ignorar essas e outras vulnerabilidades em áreas estratégicas como agricultura, inovação e defesa cibernética, entre outras, que poderão afetar seus interesses concretos e prejudicando seu desenvolvimento. Urge a discussão pelo setor privado com o governo para a definição de estratégias de médio e longo prazo para o Brasil diversificar seus mercados externos para os produtos agrícolas e pecuários e recuperar sua autonomia em setores essenciais, como o de fertilizantes e o trigo. É urgente reduzir ou eliminar a dependência externa em áreas críticas para resguardar a segurança interna do País. Fonte: Rubens Barbosa. Broadcast Agro.