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07/Fev/2022

Licenciamento ambiental: mudanças geram críticas

A decisão do governo Bolsonaro de elaborar um decreto para retirar do Ibama diversas atribuições de licenciamento ambiental, para repassá-las a secretarias estaduais, foi criticada por alguns dos maiores especialistas do País em Direito Ambiental e em processos administrativos ligados à fiscalização e autorização de obras de infraestrutura. O Ministério da Infraestrutura e a Associação Brasileira de Entidades Estaduais de Meio Ambiente (Abema) apoiam a iniciativa e dizem que se trata de medida necessária. Segundo a Universidade de São Paulo (USP), o Ibama desenvolveu competência de categoria internacional nos aspectos técnicos do licenciamento ambiental, ainda que tenha enfrentado corte de orçamento e falta de renovação de seu quadro nos últimos anos. Os seus analistas são altamente qualificados.

Em 2014, o Ibama recebeu reconhecimento da Associação Internacional de Avaliação de Impactos por um conjunto de iniciativas de aprimoramento de suas práticas. Infelizmente, a capacidade técnica do Ibama não tem paralelo em nenhum dos Estados. Passar aos Estados a tarefa de analisar empreendimentos complexos, como hidrovias e ferrovias, vai enfraquecer o licenciamento ambiental. O decreto que poderá promover as mudanças tem sido debatido pela cúpula do governo e já recebeu colaborações dos ministérios da Economia, Meio Ambiente e Minas e Energia e Infraestrutura, além do próprio Ibama. Uma das mudanças prevê que o licenciamento ambiental de portos e de hidrovias passe a ser feito por seus Estados e não mais pelo Ibama. Outras obras que deixariam de ser atribuição de licenciamento federal são os acessos rodoviários de estradas, travessias urbanas e contornos rodoviários, além de ramais ferroviários e qualquer outra estrutura relacionada às ferrovias, como a construção de terminais de carga.

Na área de energia, usinas térmicas também passariam a ser atribuição de licenciamento estadual, mesmo processo que seria adotado em exploração do chamado gás "não convencional", envolvendo atividades de perfuração de poços, fraturamento hidráulico e sistemas de produção e escoamento. Para a doutora e advogada especializada em Direito Ambiental e Minerário Marina Gadelha, ao transferir a competência para licenciar certas atividades do Ibama aos órgãos estaduais ou municipais, o governo federal não só retira a força da autarquia federal, como pode ainda comprometer a qualidade dos licenciamentos ambientais produzidos no País para atividades de alto risco ou de alto impacto ambiental. Isso porque, por melhores que sejam os órgãos regionais, o Ibama é a instituição ambiental mais bem estruturada do País, tanto em termos de pessoal, quanto de infraestrutura e tecnologia.

Além disso, como, em regra, o órgão que licencia tem a prioridade na fiscalização, também esta pode ser prejudicada. Segundo o Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental (Proam), a proposta prejudica e fragiliza uma visão integrada das competências da União, Estados e municípios, porque os impactos ambientais de obras licenciadas pelo Ibama são de interesse nacional e não se restringem a apenas um Estado, perdendo percepção sobre a sinergia dos impactos ambientais. No contexto atual de intensidade das atividades humanas, é necessário avaliar todos os impactos do licenciamento ambiental em um plano mais geral, seja de bacias hidrográficas, ou na atmosfera, por exemplo. Descentralizar nunca foi democratizar, mas, sim, fragilizar, lançando a decisão para perto dos interesses econômicos mais imediatos.

A proposta enfraquece o Sistema Nacional de Meio Ambiente e o Ibama, uma instituição com notória especialização, além do principal instrumento de controle social sobre as atividades predatórias, que é o licenciamento ambiental. A Associação Brasileira dos Membros do Ministério Público de Meio Ambiente (Abrampa) vê grandes possibilidades de as mudanças, caso sejam efetivadas pelo decreto, se converterem em processos judiciais. A avaliação é de que a proposta é problemática por diversos motivos. Primeiro, cria um incentivo para que os Estados flexibilizem as exigências ambientais para atrair empreendimentos que geram receita em tributos e dividendos eleitorais, uma guerra na qual a grande vítima será o meio ambiente. Segundo, há risco de o processo de fiscalização ambiental ser relaxado por falta de recursos humanos e financeiros dos órgãos ambientais estaduais para acompanhar de forma efetiva de todos esses projetos.

As questões ambientais e os projetos de infraestrutura podem ser tratados de forma muito diferente, conforme o Estado. Não é isonômico e cria uma insegurança jurídica enorme. Além disso, essa dispersão de competências, dificulta muito o controle da sociedade sobre a regularidade desses processos de licenciamento, pois as informações passariam a ser divulgadas e organizadas de forma distinta em cada Estado, dificultando o acesso e a comparação dos dados. O Ministério da Economia e o Ministério do Meio Ambiente decidiram não comentar o assunto, sob o argumento de que ainda não há uma proposta definitiva e conclusiva sobre o assunto. O Ministério da Infraestrutura (Minfra), porém, defendeu a proposta, afirmando que o objetivo de uma eventual alteração do decreto visa otimizar os processos de licenciamento, otimizar o enquadramento pelos órgãos licenciadores e trazer mais clareza aos procedimentos.

Por fim, destaca-se que projetos de portos, hidrovias, ferrovias e rodovias são todos empreendimentos estratégicos para o governo. O governo tem realizado reuniões sobre o assunto desde 2019, sob a coordenação da Secretaria de apoio de Licenciamento Ambiental do Ministério da Economia, para tratar de mudanças na regulamentação da Lei Complementar 140/2011, que trata do papel da União no licenciamento, e definir o que realmente é de competência federal no licenciamento ambiental. O fato de o empreendimento ser licenciado pelo ente estadual não significa que o rito do processo de licenciamento será menos rigoroso. Os órgãos estaduais têm plena competência e know-how para conduzir processos de licenciamento complexos, defendeu o Minfra. Sobre o licenciamento portuário, a pasta afirmou que muitos portos e terminais já são de competência estadual e que a mudança passaria englobar estruturas maiores que são tratadas hoje pelo Ibama.

Quanto ao licenciamento para acessos rodoviários de estradas, travessias urbanas e contornos rodoviários, além de ramais ferroviários e qualquer outra estrutura relacionada a ferrovias, afirma que também há atuação estadual e que o governo federal só entra em cena na implantação de uma nova rodovia ou de uma duplicação. O Minfra defende que o Ibama deixe de licenciar as hidrovias, sob o argumento de que o decreto em vigor (8434/2015) é confuso em sua definição de competência de licenciamento de hidrovias e licenciamento de estruturas hidroviárias. Dessa forma, afirma que é necessário esclarecer, pois tal incerteza enfraquece a atuação dos órgãos licenciadores. A Associação Brasileira de Entidades Estaduais de Meio Ambiente (Abema) declarou que sempre defendeu a competência dos Estados para realizar licenciamentos ambientais cujos impactos sejam restritos aos seus territórios, deixando a cargo da União as grandes obras de impacto regional.

Segundo a associação, a Lei Complementar 140/2011 traz esse contorno, prevendo que União, Estados e municípios possam atuar de forma cooperada, com o reconhecimento da competência dos órgãos ambientais estaduais e municipais para os impactos locais, respectivamente no âmbito de seus territórios. A Abema afirma que o texto possui convergência com a competência comum disposta em lei e na Constituição e que está disposta a dialogar sobre o tema, uma vez que mais de 90% da aplicação da legislação ambiental já está sob responsabilidade dos Estados e faz parte da rotina da associação o aprimoramento dos instrumentos de controle do uso dos recursos naturais. O governo não sinalizou quando pretende concluir o texto do decreto, tampouco quando (e se) deverá efetivamente publicá-lo. Fonte: Broadcast Agro. Adaptado por Cogo Inteligência em Agronegócio.