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15/Dez/2021

Brasil precisa regulamentar mercado de carbono

"Eu ia a bancos, e as pessoas riam na minha cara", conta o médico e empresário Ricardo Stoppe, de 53 anos, sobre sua experiência de tentar vender crédito de carbono em 2011. Dez anos depois, ele já comercializou R$ 100 milhões do produto e a intenção é faturar mais nos próximos anos. Se inicialmente Stoppe dedicou 150 mil hectares na Amazônia para o crédito de carbono, agora são 500 mil hectares próprios e 1,5 milhão de hectares com outros produtores. O mundo vai precisar de crédito de carbono para compensar as emissões, ainda mais agora, depois da COP-26 (Conferência das Nações Unidas Sobre as Mudanças Climáticas de 2021). E hoje já não tem o suficiente para atender à demanda. A aposta no carbono começou quando o médico trabalhava no interior de São Paulo, mas investia em pecuária em Mato Grosso e Rondônia. Suas terras eram invadidas com frequência. Foi quando descobriu o mercado de carbono, que demanda monitoramento com imagens de satélite e sobrevoos para garantir a preservação da natureza, atividades que ajudam a inibir invasões.

O modelo pelo qual Stoppe optou funciona como um incentivo para manter a floresta em pé na Amazônia. Os engenheiros calculam qual costuma ser o percentual de área desmatada na região em que o empresário detém terra. No ano seguinte, voltam e verificam quanto foi desmatado. Se manteve mais mata do que se calculava que seria destruído, o produtor converte essa diferença em créditos de carbono, que podem ser revendidos a empresas interessadas em compensar suas emissões. Quando Stoppe começou com seu projeto, investiu quase R$ 2 milhões na produção de crédito de carbono. Contratou engenheiros florestais e auditorias internacionais cadastradas por uma empresa certificadora. Representantes dessas auditorias vieram ao Brasil para checar a produção de Stoppe e o total de créditos que seriam emitidos. Quando o processo foi concluído, porém, Stoppe não conseguiu vender seus créditos. Em 2019, quando plataformas que comercializam crédito de carbono começaram a se popularizar, Stoppe vendeu suas primeiras unidades. À época, recebeu US$ 2,50 por cada crédito.

Hoje, consegue vender a US$ 12,00 no mercado voluntário e deve alcançar US$ 30,00 em meados do ano que vem. A perspectiva de alta já fez Stoppe investir R$ 250 milhões em terras e projetos de carbono, transformando-o em um dos maiores produtores de créditos certificados pela companhia norte-americana Verra. Segundo ele, desde que começou a conseguir mais de US$ 5,00 por crédito, a atividade se tornou rentável. Já tem muita gente comprando para investimento. Segundo a Carbonext, empresa que trabalha com projetos na área, um crédito de carbono entre US$ 10,00 e US$ 12,00 já permite que a atividade de preservação seja competitiva com a pecuária. Para ganhar da soja, porém, ainda é preciso chegar a US$ 40,00. Criado pelo Protocolo de Kyoto, em 1997, o crédito de carbono é um certificado que atesta a redução da emissão de gases de efeito estufa, responsáveis pelo aquecimento global. Um crédito equivale a uma tonelada de gases nocivos a menos no planeta. Os créditos estão atrelados a projetos para mitigar os impactos, como ações de reflorestamento ou a manutenção de mata em área com risco de desmatamento.

O mercado de carbono é dividido em dois ambientes: o regulado, em que há metas estabelecidas, como na Europa, e o voluntário, como o brasileiro, em que empresas e indivíduos decidem voluntariamente neutralizar suas emissões. No caso do regulado, o governo define limites de emissões para setores produtivos. Se uma empresa emite além do teto permitido, pode comprar títulos de uma companhia que não gastou sua cota. Na COP-26, também foram aprovadas as regras para o comércio global, em que países que absorvem mais do que emitem gases de efeito estufa podem vender créditos para países com maiores emissões. Hoje, o mercado voluntário apresenta os preços menos atrativos. A média está em US$ 3,10 por crédito, segundo estudo da Boston Consulting Group (BCG) e da Global Financial Markets Association (GFMA). O valor varia conforme a origem do crédito. Aqueles ligados a florestas são mais valiosos. Já os de aterros sanitários (onde o biogás gerado pela decomposição dos resíduos é tratado) são mais baratos. No ambiente regulado, a média do crédito é de US$ 5,00, mas as disparidades são grandes.

Na União Europeia, o valor disparou após a COP-26, passando de € 57 (US$ 64,30) antes da conferência para € 90 (US$ 101,60) na semana passada, uma alta de 58%. O estudo da BCG e da GFMA indica que o crédito no mercado regulado precisaria ficar entre US$ 50 e US$ 150 até 2030 para acelerar o processo de redução das emissões. O desenvolvimento do mercado mundial de crédito de carbono é peça-chave para alavancar a descarbonização do planeta e limitar o aquecimento global em 1,5ºC até 2050. Segundo o BCG no Brasil, a média de US$ 5,00 por crédito é decorrente de um mercado ainda incipiente. E, nesse patamar, não viabiliza a oferta e não vai fazer as empresas se “mexerem”. Por outro lado, há quem aponte que valores superiores a US$ 100,00 podem dificultar o segmento, pois faria empresas buscarem outras alternativas para reduzir suas emissões. Há estimativas que apontam que, para o mercado de carbono ser parte da solução da descarbonização da economia, o crédito teria de estar a US$ 100,00. De qualquer modo, é certo que os preços vão subir.

As regras estabelecidas na COP-26 servirão como uma bússola para o mercado. Sempre houve volatilidade no preço do crédito porque faltava credibilidade. Muitas empresas compraram crédito sem nem saber o que exatamente estavam comprando. Agora, a integridade desses créditos deve avançar, e isso impulsiona os preços. Os preços vão avançar não só devido ao aumento de demanda e de credibilidade, mas também porque certificar os créditos é uma atividade cara, que inclui auditoria e elaboração de relatórios anuais sobre a preservação das matas. Esse mercado rapidamente rodará US$ 150 bilhões por ano. Segundo a Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), o Brasil poderia ficar com grande parte dessa cifra, pois é um dos maiores detentores de florestas do mundo. Em um prazo de dois anos, deve haver um mercado de troca de crédito entre os países.

Mas, para vender créditos, o Brasil tem de zerar o desmatamento ilegal. Também ajudaria se o País aumentasse o reflorestamento e regularizasse áreas devolutas, destinando-as a unidades de conservação. Não faltam recursos técnicos, financeiros ou humanos para fazer essa travessia. Mas, ela precisa ser uma prioridade de governo. Não será qualquer país que conseguirá vender crédito. Todo ano, o país terá de provar que tem excedente. E ainda que o tenha, isso não significa que alguém vai comprá-lo. Para o Brasil participar do mercado, terá de ganhar credibilidade, mostrando que o desmatamento caiu. Além de reduzir as emissões provocadas pelo desmatamento, será essencial que o governo regulamente o mercado doméstico, colocando limites às emissões de empresas. No Congresso, a proposta mais avançada para a criação desse mercado é o projeto de Lei 528/21.

Segundo o Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS), já há consenso entre Legislativo e setores industrial, do agronegócio e empresarial em torno da proposta. Caso a proposta avance, a tendência é de que o mercado doméstico ganhe escala, pois daria maiores garantias aos compradores. É importante fazer isso logo. Os países precisam de créditos para cumprir suas metas principalmente até 2030, enquanto desenvolvem tecnologias que reduzirão as emissões. O Brasil deve usar os recursos que levantar nesse mercado justamente para financiar sua transformação energética. No Brasil, é preciso criar um mercado regulado, para não depender apenas do mercado voluntário. É claro que essas iniciativas são importantes, mas é necessário ter regras específicas. Fonte: Agência Estado. Adaptado por Cogo Inteligência em Agronegócio.