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25/Out/2021

Alimentos: preços impulsionados pela alta do dólar

A nova valorização do dólar ante o Real pode turbinar uma nova rodada de reajustes nos preços dos alimentos, que há meses pressionam o orçamento das famílias brasileiras, especialmente as mais pobres. No mês de setembro, os alimentos comprados nos supermercados estavam 14,66% mais caros em relação ao patamar de um ano antes, segundo dados do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), apurado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Em Rio Branco (AC), o custo da alimentação no domicílio subiu 21,23% nos últimos 12 meses, e em São Luís (MA), 17,38%. Segundo a Fundação Getúlio Vargas (FGV), desde o dia 7 de setembro, o dólar acumula uma valorização de 10% em relação ao Real, o que significa mais possibilidade de termos pressão de inflação de alimentos. A alta do dólar pressiona os preços dos grãos, como soja, milho e trigo, que contaminam também os derivados, como óleo de soja, massas e panificados, assim como carnes de animais dependentes de ração, aves e suínos, por exemplo.

A crise hídrica já vinha ajudando a elevar o custo desses alimentos, que primeiro ficaram mais caros no atacado, mas os reajustes já chegam ao varejo. Essas pressões cambiais mais recentes vão criar uma nova pressão inflacionária, porque ainda não foram assimiladas pela inflação no atacado. À medida que os efeitos da crise hídrica foram se apaziguando sobre as lavouras, a questão cambial foi se agravando. Os aumentos nos preços dos alimentos consumidos em casa pressionam o orçamento familiar há mais de um ano. Em setembro de 2020, as famílias já pagavam 15,41% a mais pela alimentação no domicílio do que em setembro de 2019. A alta de preços acumulada em 12 meses se mantém acima de dois dígitos desde agosto de 2020, conforme o IPCA, apurado pelo IBGE. A última vez que a inflação dos alimentos no domicílio tinha alcançado o patamar de dois dígitos até então tinha sido em novembro de 2016 (11,57%). O setor de alimentos também está com aumento de custos de produção, porque fertilizantes, adubo e máquinas e equipamentos subiram muito. Isso tudo acaba chegando no consumidor.

Segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), alimento é um segmento em que é muito fácil o repasse, porque é item de consumo essencial. Caro ou barato, as pessoas sempre vão demandar. A Associação Brasileira de Supermercados (Abras) anunciou, no dia 14 de outubro, um recuo de 2,33% no Consumo nos Lares Brasileiros em agosto em relação a julho, a quinta queda mensal registrada no ano. O resultado reflete a alta da inflação e o desemprego. A taxa de desemprego permanece elevada no País, em 13,7% no trimestre encerrado em julho, último dado divulgado pela Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílio Contínua, também do IBGE. Há 14,1 milhões de brasileiros procurando trabalho. Entre os que conseguiram uma vaga ou mantiveram seus empregos, a renda média diminuiu 8,8% em um ano. O encarecimento dos alimentos foi uma das razões, junto com energia elétrica e gás de botijão, que fez a inflação percebida pelos brasileiros mais pobres encerrar o mês de setembro 20% maior que a dos mais ricos, segundo cálculos do Ipea, com base nos dados do IPCA.

Entre as famílias com renda domiciliar inferior a R$ 1.808,79 mensais, a variação dos preços passou de alta de 0,91% em agosto para elevação de 1,30% em setembro. Os alimentos pesam 25% na inflação dessas famílias de renda mais baixa. Então, um quarto do que essas pessoas gastam por mês é alimento. Quando os preços dos alimentos sobem, essa inflação pesa mais, enquanto para o segmento mais rico os alimentos não pesam mais do que 10% do orçamento doméstico. Entre as famílias de renda mais alta, que recebem mais de R$ 17.764,49 mensais, a inflação saiu de 0,78% em agosto para 1,09% em setembro. A inflação acumulada em 12 meses até setembro foi de 10,98% para as famílias mais pobres, mais de 20% superior à taxa de 8,91% sentida pelo segmento mais rico da população. Na posição de segundo maior produtor de alimentos do mundo, atrás dos Estados Unidos, o Brasil está entre os principais exportadores de produtos como soja, açúcar café e carnes, mas isso não basta para aliviar os preços no mercado doméstico.

Esses produtos são commodities (matérias-primas com cotação internacional). Por isso, seus preços no mercado doméstico seguem diretamente as cotações internacionais, em dólar. Altas das cotações do dólar já foram vilãs da inflação de alimentos em outros períodos, como em 1999, quando o País adotou o câmbio “flutuante”, ou na passagem de 2002 para 2003, quando a expectativa com a primeira eleição do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva estressou as cotações da moeda norte-americana. A chamada “maxidesvalorização” do Real (portanto, com alta do dólar) nos primeiros meses de 1999 fez os alimentos do domicílio saltarem 10,24% no fechamento daquele ano, conforme o IPCA. Em maio de 2003, ainda na esteira da alta do dólar por causa das eleições do ano anterior, a variação acumulada em 12 meses foi de 30,78%. Em 2020, as cotações médias do dólar saltaram em torno de 30% ante 2019. Nos primeiros meses da pandemia de Covid-19, o dólar disparou em vários países, por causa das incertezas relacionadas ao espalhamento da doença pelo mundo.

Desde meados de 2020, por outro lado, a melhora das perspectivas, com a produção de vacinas e a ação de diversos governos para mitigar os efeitos da crise causada pela Covid-19, levou o dólar a cair ante diversas moedas. O Real foi uma exceção. No mercado brasileiro, a moeda norte-americana não teve alívio de cotações significativo no segundo semestre. Na comparação com o dólar, o Real teve desempenho pior do que o de moedas de outros países emergentes. A avaliação de economistas é de que o dólar está com cotações mais elevadas do que deveria, por causa do clima de crise política e dos efeitos dessas turbulências políticas sobre o equilíbrio das contas do governo. Esse desempenho um tanto descolado do resto do mundo tem efeito direto na inflação. Isso porque, desde meados de 2020, subiram, ao mesmo tempo, as cotações da moeda norte-americana no Brasil e as cotações internacionais, em dólar, de diversas commodities.

As cotações das matérias-primas também foram turbinadas pelas perspectivas de volta da economia global ao normal. É um movimento atípico, já que, nos mercados globais, as moedas de países emergentes exportadores de matérias-primas tendem a se valorizar quando as cotações das commodities sobem. Isso ocorre por uma antecipação da expectativa de que esses países receberão mais dólares por suas exportações, pressionando a taxa de câmbio para baixo. Do lado das cotações globais dos produtos, como soja e milho, o pior pode ter ficado para trás. Já tem havido algumas reduções nos preços das commodities, após a boa safra de grãos nos Estados Unidos e perspectivas de desaceleração do crescimento econômico da China, o que modera a demanda chinesa por essas matérias-primas. Do lado do clima, após a estiagem e as geadas no inverno brasileiro atingirem em cheio a produção de milho, cana-de-açúcar e café, as chuvas começaram na hora certa no período úmido do Centro-Sul do País, que ora se inicia.

Em 2020, as chuvas que deveriam começar a cair em outubro atrasaram. Isso tende a favorecer a produção de soja e milho na safra 2021/2022. Com o clima, nunca se sabe o que vai acontecer, mas, em princípio, pode ser um ano melhor. Mas, a dinâmica das cotações do dólar seguirá atrapalhando a inflação de alimentos. Um alívio poderá vir também nos preços das carnes. Desde que a China, maior compradora das carnes do Brasil (que é o maior exportador do mundo), embargou as compras dos produtores brasileiros, por causa do registro de dois casos atípicos do “mal da vaca louca”, o boi gordo vem ficando mais barato no mercado doméstico. Quando e em que medida esse alívio chegará ao consumidor final nos supermercados é uma incógnita. Num primeiro momento, a suspensão dos embarques para a China leva os frigoríficos a adiar o abate de bovinos, ou seja, cai a oferta de carne, mas esse adiamento não pode durar muito, porque há um limite de tempo para o gado confinado para abate ser mantido nessa situação.

Quando os produtores se virem obrigados a retomar os abates, aumentará a oferta de carne no mercado, favorecendo alguma queda nos preços. Se concretizado, o alívio virá após fortes altas nos preços das carnes, justamente por causa do aumento das exportações para a China, desde 2019. A alta na demanda chinesa vem de antes da Covid-19 e se deve a outra doença, a peste suína africana (PSA), que assola os rebanhos na China e países vizinhos desde 2018. No fim de 2019, a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) estimava em 7,7 milhões o número de suínos abatidos em países asiáticos por causa da doença, transmitida entre javalis e suínos, mas inofensiva aos seres humanos. Na China, a carne suína é a mais consumida. O gigante asiático é o maior produtor global, mas a demanda da população de 1,3 bilhão de habitantes exige importações.

O tombo na produção em 2018 e 2019, por causa da PSA, foi tão grande que levou os chineses a ampliarem suas compras no exterior de todos os tipos de carne, não só suína, mas também bovina e de aves. Esse foi o motor das exportações brasileiras de carne bovina, que saíram de 1,479 milhão de toneladas e US$ 6,032 bilhões, em 2017, para 2,013 milhões de toneladas e US$ 8,506 bilhões, em 2020, segundo a Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes (Abiec). Agora, boa parte da recomposição dos rebanhos suínos da China já ocorreu. Mesmo assim, o consumo de carne vermelha vinha crescendo no gigante asiático, em parte por causa de mudanças nos hábitos das famílias chinesas. Por isso, a demora na liberação das compras de carne do Brasil, pelo governo da China, tem apontado para a possibilidade de o embargo estar relacionado também a motivos políticos e não apenas sanitários. Fonte: Agência Estado. Adaptado por Cogo Inteligência em Agronegócio.