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27/Set/2021

Brasil: mercado de carbono regulado é prioridade

Conscientes de que a imagem da política ambiental brasileira está desgastada, autoridades intensificaram as articulações para o País chegar à Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas de 2021 (COP26) com uma pauta concreta sobre o mercado regulado de crédito de carbono. O assunto é destaque na agenda do evento que acontece em novembro em Glasgow, na Escócia. A necessidade de avançar com o tema é reforçada pelo contexto de atraso do Brasil. Enquanto o mundo já conta com pelo menos 28 iniciativas de mercado de carbono implementadas, o País ainda discute como a ferramenta funcionará internamente, apesar de guardar imenso potencial para o negócio. Uma resposta efetiva sobre o assunto pode sair no próximo mês da Câmara dos Deputados, que analisa um projeto de lei sobre o assunto. Segundo o vice-presidente da Câmara dos Deputados, Marcelo Ramos (PL-AM), que é autor da proposta, é preciso levar uma medida concreta ao mundo.

O mundo não aceita mais palavras do Brasil. A exibição de um texto final na conferência, no entanto, ainda é alvo de controvérsia. O autor da proposta entende que a Casa deveria aprová-lo antes da COP26, um gesto palpável para as outras nações signatárias do Acordo de Paris. A posição de avançar com a pauta antes do evento é alinhada à do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). Existe uma unanimidade entre especialistas que o desmatamento ilegal será o `calcanhar de Aquiles' do País diante da comunidade internacional em Glasgow. O presidente Jair Bolsonaro usou o palco da 76ª Assembleia-Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) para reafirmar que o Brasil irá zerar esse índice, mas a falta de ações práticas alimenta a descrença de outros países. É nesse cenário que a apresentação de uma proposta madura de mercado regulado de carbono poderia se tornar um trunfo brasileiro na COP26.

Um meio concreto, e não só uma promessa, para ajudar o País a alcançar a neutralidade climática até 2050. Segundo a Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), a COP26 é a oportunidade de contrapor essa imagem negativa do Brasil. Não é reverter a fúria contra o desmatamento, mas é mostrar que o que pode ser feito pela sociedade civil, setor empresarial e o Legislativo. Segundo a Confederação Nacional da Indústria (CNI), que lançou na semana passada um estudo das experiências internacionais com esse instrumento, no Brasil, para efeito de redução de emissões, o ponto mais central seria a redução do desmatamento ilegal. Mas, é preciso também utilizar de todas as ferramentas para atingir o objetivo maior. O mercado regulado de carbono no Brasil poderia ajudar o País a fortalecer uma economia de baixo carbono porque esse mecanismo estabelece um teto anual de emissões para parte da indústria. Comumente, o controle começa com empresas intensivas em carbono, depois evoluindo para outros gases de efeito estufa e abrangendo mais setores.

Os direitos de emissão então são distribuídos gratuitamente ou leiloados entre o setor regulado. A partir daí, os agentes podem comercializar o crédito entre si. Uma empresa que emite menos do que o permitido tem a chance de vender o direito para outra empresa que irá exceder seu teto de emissão de carbono. Ao fim, todos precisam estar em conformidade e o teto, que é gradualmente reduzido ao longo dos anos, respeitado. Apresentado em fevereiro pelo vice-presidente da Câmara, o projeto que regulamenta o Mercado Brasileiro de Redução de Emissões foi aprovado pela Comissão de Desenvolvimento Econômico, Indústria, Comércio e Serviços (CDEICS) da Casa em junho e é debatido na Comissão de Meio Ambiente, sob presidência e relatoria da deputada Carla Zambelli (PSL-SP), aliada de Bolsonaro. Mas, chegar à COP26 com a proposta finalizada pelo Legislativo não é consenso. Um dos focos de resistência vem de parte do governo, além da Confederação Nacional da Agricultura (CNA).

Ambos defendem a introdução da ferramenta no Brasil, mas consideram ser precipitado fechar um texto antes de absorver o que será discutido sobre o tema na conferência. Essa posição por integrantes do governo foi explicitada pelo Ministério do Meio Ambiente, que recomendou que os deputados aguardem os resultados da COP26 para avançar na proposta. Existem alguns setores no governo que entendem o projeto só deveria ser aprovado depois da COP26, o que pode ser um equívoco, afirmou Marcelo Ramos sobre o entrave. O deputado também pretende intensificar o diálogo com o agronegócio nos próximos dias, já que a CNA é outro foco de oposição a essa estratégia. Os mercados regulados são uma realidade e o Brasil terá o seu. Segundo a CNA, não faz sentido aprovar um texto sem conhecer a regra geral. A UERJ rejeita a avaliação de que a aprovação do projeto seria um movimento precipitado. O grande problema é que, no momento, o Executivo não quer ter uma meta de redução de carbono.

Para esse governo ter instrumentos que garantam o cumprimento das metas não é prioridade. O Brasil é um grande produtor de atividade de baixo carbono, só instrumentos de mercado vão dar essa valorização. Só que eles também vão sinalizar para o mundo que o Brasil acredita na mudança do clima, e talvez esteja aí o problema. Na avaliação do vice-presidente da Câmara, o período de transição previsto para a implantação de um mercado regulado deveria espantar a preocupação que existe com o que será definido na COP26. O prazo para o governo publicar os decretos regulamentadores e fazer as adequações necessárias é de dois anos, que faz essa tese perder sustentação. O projeto de lei que cria um mercado regulado de carbono para o Brasil prevê uma fase de adesão voluntária nos primeiros dois anos de implementação. Depois, há uma transição para a entrada obrigatória dos setores que serão afetados.

A proposta foi aprovada pela Comissão de Desenvolvimento Econômico, Indústria, Comércio e Serviços (CDEICS) da Câmara, e agora aguarda um parecer na Comissão de Meio Ambiente. No geral, o PL traça diretrizes do chamado Mercado Brasileiro de Redução de Emissões. Nele, poderão ser contabilizados os créditos de carbono originados a partir de projetos ou programas de redução ou remoção de gases de efeito estufa (GEE) que forem verificados e emitidos conforme padrões de certificação estabelecidos na lei. Um passo essencial para o funcionamento desse mercado é o chamado Sistema Nacional de Registro de Inventário de Emissões de GEE. É a partir dele que se assegura a credibilidade e segurança das transações com esses ativos, servindo ainda como ferramenta para contabilidade das trocas nacionais e internacionais com créditos de carbono originados no País. O projeto não estabelece previamente qual estrutura governamental será responsável pelo sistema de registro, apenas que ele será administrado por uma instituição existente ou criada pelo Poder Executivo.

Segundo a CNI, a questão da MRV (Medição, Relatório e Verificação) é central. Toda essa parte de registro de emissões precisa estar muito correta. A parte de auditoria também. Precisa ter um sistema muito robusto. A implantação do mercado de carbono no Brasil deverá acontecer em fases. Um dos grandes colaboradores do projeto, o Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS) sugere que estejam dentro do instrumento instalações que emitem anualmente acima de 50.000 de toneladas de CO2 equivalente (tCO2e). Inicialmente, o controle deve afetar setores intensivos em carbono e, ao passar do tempo, seriam incluídos outros gases de efeito estufa e mais setores industriais. A criação de tal mercado regulado também demanda uma preocupação com o chamado "risco de vazamento".

Ele pode acontecer quando empresas perdem competitividade ao serem submetidas a um teto de emissões e decidem migrar suas fábricas para outros países. Por isso, o CEBDS orienta que uma parte dos direitos de emissão seja distribuída gratuitamente para as fontes reguladas que carregam esse risco maior. A outra parcela deve ser leiloada. Estar dentro de um mercado regulado de carbono, por sua vez, também tem vantagens competitivas. Além de inserir a empresa num novo modelo de negócios, a preocupação crescente do consumidor em comprar produtos ambientalmente responsáveis torna esse "selo" de economia de baixo carbono ainda mais atrativo. O consumidor quer saber quanto de carbono a empresa utiliza, como tratou o recurso hídrico, eficiência energética, como fez gestão de seu resíduo. Tudo isso conta nessa agenda e traz necessidade de o empresário fazer essa mudança de mindset para se adequar a essa nova ordem global.

O potencial competitivo é destacado pelo vice-presidente da Câmara. A União Europeia já anunciou que vai taxar importações de empresas que não reduzam emissões. O questionamento é se o Brasil vai regular o mercado ou vai querer pagar imposto no futuro para conseguir vender para a União Europeia. Os direitos de emissão poderão ser negociados no mercado secundário. O Rio de Janeiro (RJ) pode ser sede no futuro de uma bolsa de "ativos verdes", especializada em negociações de créditos de carbono. Ainda em fase de estudos, a ideia é que a plataforma atraia um ecossistema composto por empresas internacionais de auditorias e certificação. No Brasil, além de empresas do mercado regulado trocarem créditos entre si, também é provável que seja permitido o uso dos offsets. Basicamente, nesse cenário, parte das emissões de uma fonte regulada poderia ser compensada com créditos de carbono de fontes não reguladas, que englobam, por exemplo, opções florestais e agropecuárias.

Internacionalmente, o uso de offsets é limitado. Isso acontece para forçar as indústrias a investirem em inovações tecnológicas para reduzir suas emissões. Mas, para o Brasil, há especialistas que defendem uma tolerância maior. Segundo a UERJ, a agricultura não vai ser obrigada a comprar direitos de emissão, mas ela pode vender offsets que terão o mesmo valor do direito de emissão. Esse mercado será usado para ajudar a agricultura de baixo carbono e a conservação das florestas. Mas, o primeiro objetivo é que a indústria tenha uma trajetória clara, transparente, íntegra e de baixo carbono. A possibilidade de comercialização de offsets tem o apoio da CNA. Por outro lado, a entidade cobra que o projeto de lei passe a deixar explícito que a agropecuária não estará submetida a esse mercado regulado e a seu teto de emissões. Da mesma forma como outros países tratam o assunto. Fonte: Agência Estado. Adaptado por Cogo Inteligência em Agronegócio.