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18/Ago/2021

Brasil não poderá ignorar as mudanças climáticas

Estamos vivendo um ano muito complicado. Se não bastasse a tragédia insuportável da pandemia, mais uma certa confusão política com radicalismos cercados de ódio e ressentimentos, com inflação aumentando e desemprego gigantesco, ainda tivemos uma seca fortíssima em várias regiões produtoras do País, seguida de geadas violentas no final de junho e começo de julho, com graves consequências para a produção rural e para o nível dos reservatórios de hidrelétricas. Produtores rurais perderam safras, isso pode trazer aumento de preços de alimentos, e os distribuidores de energia estão preocupados com o fornecimento de eletricidade. Em última instância, os consumidores podem ser prejudicados em ambos os temas. A falta de chuvas normais de março a maio e a total e costumeira ausência delas em junho e julho enfraqueceu plantas cultivadas e pastagens em diversas regiões do País, em especial no Sudeste, no Sul e em parte do Centro-Oeste.

O frio intenso do final de junho e começo de julho trouxe geadas muito fortes que encontraram as plantações debilitadas e com isso tiveram potencializado seu efeito devastador. Cafezais do sul de Minas Gerais e de São Paulo foram afetados, e os mais pessimistas afirmam que 20% das árvores não produzirão café em 2022. Sendo o Brasil o maior exportador desse produto, com 30% do mercado mundial, fica clara uma redução da oferta dessa prazerosa bebida tão identificada com o Brasil, e os preços já subiram mais de 20% nos últimos 2 meses. Para quem não tomou geada, uma maravilha; mas para quem sofreu este fenômeno, serão 2 ou 3 anos de produção muito baixa, até a recuperação das árvores atingidas. E os consumidores daqui e de fora pagarão mais caro pelo cafezinho. Frutas e hortaliças foram atingidas e os preços subiram imediatamente, com a menor oferta. Tudo relacionado a irrevogável lei da oferta e da procura.

Pastagens queimadas reduzem a produção de proteína animal, já encarecida pela brutal quebra da segunda safra de milho, matéria-prima essencial para rações: frangos, suínos, laticínios e até carne bovina ficaram mais caros sem que o produtor conseguisse repassar seus custos ao consumidor, e ambos perderam. Os canaviais do Sul/Sudeste e parte do Centro-Oeste, com menos da metade da safra feita, foram duramente atingidos, com reflexos pelos próximos 3 anos pelo menos: as canas plantadas este ano foram queimadas, resultando tremenda falta de mudas para o plantio do começo de 2022. Toda a brotação das soqueiras dessa safra foi torrada, atrasando em 3 a 4 meses a formação das socas que tiverem sobrevivido. Canas que estavam verdes tiveram que ser cortadas, de modo que a quantidade e a qualidade do material para moagem pioraram muito, sacrificando a produção de 2021 e anos futuros. E os níveis das represas de hidrelétricas caíram demais, anunciando possível escassez de energia se as chuvas demorarem mais de 3 meses para chegar.

Se a economia crescer mesmo os 5% que analistas otimistas apontam, pode faltar eletricidade para manter esse crescimento. Nesse caso, a tempestade é quase perfeita. Pouca gente sabe, por exemplo, que a cana-de-açúcar responde por 18% da oferta primária de energia no nosso País, perdendo apenas para o petróleo (que representa 34,4% da matriz energética) mas ganhando da energia hidráulica, com 12,4% (com Itaipu, Ilha Solteira, Furnas e todas as outras somadas) e do gás natural, com 12,2%. Etanol de cana-de-açúcar por exemplo, substituiu 48% da gasolina consumida aqui em 2020. A bioeletricidade gerada a partir do bagaço e folhas de cana nas usinas de açúcar e álcool foi superior a 52 mil GWh de energia elétrica que é produzida normalmente na seca, quando as represas das hidrelétricas estão mais baixas. Ou seja: menos bioeletricidade derivada da cana-de-açúcar por causa da dupla seca/geada se soma a menos água nas barragens devido à seca. E tem mais: no ano passado o Brasil foi responsável por quase metade do comércio global de açúcar. Com a quebra enorme da safra brasileira, o produto vai ficar mais caro no mundo todo.

Resumo muito ruim: a pandemia trouxe a perda de mais de meio milhão de vidas, destruiu empresas e empregos, a economia escorregou com 14 milhões de desempregados, a seca e a geada diminuíram ou destruíram plantações importantes e a renda de milhares de produtores rurais, a energia elétrica teve aumento de preços porque foi preciso ligar as termoelétricas (mais caras) e os consumidores todos, já abatidos com o desemprego, são abalados por maiores custos de alimentos e de energia. Não faltarão os vendedores de ilusões procurando culpados para tudo isso. Mas, essa é a menor das preocupações. Precisamos estar atentos ao clima e às mudanças dele, tema que o IPCC ressaltou em recente publicação. E, se ninguém pode ser acusado de causar seca, geada, escassez de alimentos e de energia, ninguém também tem o direito de ignorar esses fatos. A sociedade e seus representantes no Executivo e no Legislativo devem estar atentos aos estudos que tratam das mudanças climáticas e precisam tomar atitudes e iniciativas que realmente interessem a nação brasileira. Fonte: Roberto Rodrigues. Agência Estado.