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20/Jul/2021

Política ambiental do governo brasileiro é hostil

O Brasil, guardião do maior bioma tropical do mundo e a caminho de se tornar o principal exportador agrícola, tem uma legislação ambiental exemplar e reúne as condições para ser uma liderança no desenvolvimento ambientalmente sustentável. Mas, apesar das juras protocolares do presidente Jair Bolsonaro na cúpula ambiental promovida em abril pelo presidente norte-americano, Joe Biden, não há sinal de que o seu governo pretende rever sua hostilidade à causa ambiental. Após a saída desonrosa do ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles, suspeito de integrar um esquema de exportação de madeira ilegal, o novo ministro, Joaquim Leite, tem ao menos a vantagem de ser mais discreto. Mas, talvez seja até demais. Ele ainda está a dever um plano de ação para reverter a escalada do desmatamento. A Conferência do Clima da ONU (COP 26), em novembro, será decisiva para a agenda ambiental global e, logo, para os destinos do Brasil.

O ministro precisará de muito mais que discrição para apresentar resultados consistentes e compromissos convincentes. Sem Salles, a estridência antiambiental foi assumida por próceres bolsonaristas, como a deputada Carla Zambelli (PSL-SP). Sem qualquer experiência na área ambiental, Zambelli foi inoculada pelo governo na presidência da Comissão do Meio Ambiente da Câmara para avançar pautas caras ao seu líder, como o desmonte dos órgãos de fiscalização, a pretexto de combater uma suposta "indústria de multas", ou propostas intempestivas de interesse puramente corporativo, como o projeto apresentado em 2014 pelo então deputado Jair Bolsonaro de incluir policiais militares e bombeiros no Sistema Nacional do Meio Ambiente. O Planalto, por sua vez, retirou arbitrariamente a atribuição do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) de divulgar os dados sobre queimadas.

A política de "matar o mensageiro" não é nova. Em 2019, o presidente exonerou o diretor do Inpe, Ricardo Galvão. Sem apresentar evidências, Bolsonaro acusou Galvão de agir "a serviço de uma ONG" para "espancar" os dados e prejudicar "o nome do Brasil e do governo". O Inpe é um órgão estritamente técnico ligado ao Ministério da Ciência e Tecnologia e bem reputado internacionalmente há décadas. Os dados passarão a ser divulgados pelo Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), ligado ao Ministério da Agricultura. O Inpe não tinha essa questão de conflito de interesses, essa mudança, claramente, é para controlar a informação. Trata-se de uma verdadeira "pedalada ambiental", que fere o princípio da transparência da administração pública. Ante a política de terra arrasada (literalmente) do governo, aumenta a responsabilidade dos governos subnacionais. O grupo Governadores pelo Clima, que conta com todos os governadores, exceto os de Roraima e Rondônia, ambos bolsonaristas, se encontrou com diplomatas europeus para discutir investimentos em energia renovável.

Os Estados da Região Amazônica estão apresentando propostas para receberem recursos de fundos de investimento, como o Fundo Leaf, lançado por Estados Unidos, Reino Unido e Noruega com a participação de empresas privadas para remunerar iniciativas de preservação nos países tropicais. Uma pauta crucial para os Estados onde a agropecuária tem força é divulgar iniciativas sustentáveis do agronegócio e medidas de repressão ao desmatamento ilegal. O movimento também chegou aos municípios. Mais de 100 deles relataram ao Instituto Clima e Sociedade (ICS) ter planos de ações climáticas. São sinais de que se dissemina na gestão pública a consciência de que a pauta ambiental não é apenas um imperativo moral, mas econômico. Em contraste, tal como no combate à pandemia, o obscurantismo de Jair Bolsonaro se comprovou irremediável na área ambiental. Os demais Poderes da República, os governos subnacionais e a sociedade civil não podem poupar esforços para erguer um cordão sanitário capaz ao menos de salvaguardar as conquistas ambientais brasileiras até a chegada de dias melhores.

Os entraves à fiscalização ambiental da Amazônia na gestão Jair Bolsonaro alcançam não só quem monitora infrações no campo, como aqueles que estão nos gabinetes de órgãos federais, julgando esses processos. Em 2019 e 2020, a média de processos com multas pagas por crimes que envolvem a vegetação nos Estados da Amazônia Legal despencou 93% na comparação com a média dos quatro anos anteriores. A centralização de decisões e a burocratização de processos ajudam a explicar o mau desempenho. O dado faz parte de levantamento do Centro de Sensoriamento Remoto e do Laboratório de Gestão de Serviços Ambientais da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Os pesquisadores mostram que mudanças em regras internas do Ministério do Meio Ambiente e na legislação entre 2019 e 2020 dificultaram o trabalho de campo dos fiscais e o andamento interno de processos ligados à apuração de infrações ambientais, como desmate e extração de madeira irregulares.

Desde 2019, Bolsonaro tem sido alvo de críticas no Brasil e no exterior diante da explosão de queimadas e do desmatamento na Amazônia. Para combater crimes ambientais, o governo aposta em operações militares. As Forças Armadas, porém, não aplicam sanções a quem desmata ou faz queimadas irregulares. Apesar das tropas, a devastação da floresta segue alta, com a maior taxa em 12 anos. Segundo o estudo da UFMG, a média anual era de 688 processos com multas pagas entre 2014 e 2018 no Ibama, autarquia ligada ao ministério. Em 2019 e 2020, sob o comando do ex-ministro Ricardo Salles, os balanços foram 74 e 13 multas pagas (média de 44). Desde que assumiu, Bolsonaro tem declarado seu propósito de parar a “indústria da multa” e se posicionou contra as medidas de fiscais. O número de processos relacionados a infrações que envolvem a vegetação julgados em 1ª e 2ª instância também recuou: de 5,3 mil anuais entre 2014 e 2018 para somente 113 julgamentos em 2019 e 17 no ano passado.

Os dados foram obtidos pelos pesquisadores via Lei de Acesso à Informação. O grupo diz que pedidos chegaram a ser negados e, depois houve envio de dados. Eventuais defasagens de registros são pequenas e não mudam o cenário. O risco da ausência de responsabilização por crimes ambientais é a desmoralização institucional e sensação maior de impunidade. Essa responsabilização começa com o fiscal em campo, que expede autos de infração quando vê irregularidades. Mas, para a punição valer, é preciso ter julgamento do processo. Em 2019 e 2020, a queda de autos de infração, que já ocorria desde 2017, se acentuou. Autos de infração são julgados administrativamente pelo Ibama ou Instituto Chico Mendes (ICMBio) em duas instâncias. Em alguns casos, saem da esfera administrativa para a judicial. Em 2019, um decreto obrigou Ibama e ICMBio (que cuida de áreas protegidas federais) a fazerem audiências de conciliação com os autuados.

Antes dessa audiência, a multa não é cobrada nem passa por julgamento. Na prática, travou o andamento dos processos. Não havia recursos (nem de pessoal nem tecnológico) para fazer audiências, que acabavam replicando informações já repassadas pelos fiscais. Segundo a Associação Nacional dos Servidores da Carreira de Especialista em Meio Ambiente, toda a explicação que o fiscal dava em campo, de que podia parcelar a multa, optar pela recuperação do dano, agora tem de ser feita também em audiência de conciliação. Há risco de prescrição de milhares de processos. Em maio, o Tribunal de Contas da União (TCU) já indicou paralisia na gestão de multas ambientais. Para especialistas, as restrições impostas pela pandemia não são a causa, já que é possível condução remota do processo. Segundo o Observatório do Clima, antes, (o autuado) recebia o auto e uma guia para pagar.

Agora, o que recebe é comunicação para reunião que vai ocorrer meses depois. Então ninguém paga e espera a reunião. Historicamente, é baixo o número de multas ambientais pagas, já que boa parte dos autuados prefere usar todos os recursos antes de admitir a infração, mas agora o cenário piorou muito. O intervalo entre o auto de infração e a audiência pode passar de dois anos. Há casos de autos de 2018, por exemplo, que só passaram por audiência de conciliação em maio deste ano. Além disso, servidores do Ibama e do ICMBio dizem ser preciso remanejar equipes da fiscalização para participar de audiências. Mas, é comum quem recebeu a multa não ir. A conciliação, em teoria, é fantástica. Diz que vai evitar contratação de advogados, morosidade e que o Estado receberá mais rápido.

Mas, na prática, não acham o infrator e não tem equipe nem tecnologia para fazer a quantidade de reuniões. A centralização crescente de decisões é outro ponto de alerta. Quando não há conciliação, é feito julgamento na 1ª instância, função concentrada a partir deste ano nas mãos do superintendente estadual, independentemente do valor da multa. Antes, havia uma equipe em cada Estado, além do próprio superintendente, para avaliar. E multas mais elevadas eram julgadas na sede do Ibama. Nos últimos anos, as superintendências têm sido ocupadas por indicação política e boa parte são militares. Além de poder haver conflito de interesses, a maioria dos indicados não possui experiência ou conhecimento no assunto. Já processos de 2ª instância ficam todos com o presidente do Ibama. No último ano, só quatro foram julgados nesta esfera. Fonte: Agência Estado. Adaptado por Cogo Inteligência em Agronegócio.