ANÁLISES

AGRO


SOJA


MILHO


ARROZ


ALGODÃO


TRIGO


FEIJÃO


CANA


CAFÉ


CARNES


FLV


INSUMOS

19/Jul/2021

Relação de interdependência entre Brasil e China

Não é segredo para ninguém que a cultura do mundo agro é fortemente influenciada pelas baladas românticas da música sertaneja. Mas confesso minha surpresa ao ouvir uma canção da dupla Bruno e Marrone em que a letra desafia um coração apaixonado a dizer "eu te amo" em mandarim. A música conseguiu unir o agro e a China por meio de versos de amor, uma associação que nunca tinha visto antes. No ambiente internacional polarizado por Estados Unidos e China, em que a disputa por mercados assume proporções de uma guerra comercial, a potência asiática precisa ir além da economia. É preciso ganhar corações e mentes. Esse é um grande desafio da China no Brasil. Portanto, associar "agro", "sertanejo", "amor" e "China" não deixa de ser um sinal importante do aumento da influência do país no setor agropecuário. E isso tem razão de ser. A enorme interdependência no comércio de produtos agropecuários é uma fonte de preocupação, desconfiança e medo no relacionamento bilateral. O receio de ambos os lados se justifica. No caso do Brasil, pelo fato de deixar nas mãos de um único comprador mais de 33% de suas exportações.

Para a China, os grandes volumes importados concentrados em um único fornecedor (o Brasil). O estudo publicado em abril desse ano, intitulado "China Agricultural Outlook 2021-2030", ajuda entender melhor a relação de interdependência da China e do Brasil na produção e consumo de alimentos para a próxima década. Com dados reveladores, o documento prevê que a modernização da agricultura chinesa, com base nas tecnologias disponíveis, poderá elevar em 2% a produção até 2030. O consumo, por outro lado, seguirá crescendo em patamares bem mais elevados que a produção nacional. Por exemplo, a previsão é que nos próximos dez anos o aumento do consumo de proteína animal e lácteos esteja na ordem de 24,7% e 32,6%, respectivamente. A conclusão óbvia é que, para suprir a diferença entre o aumento futuro da demanda e a capacidade interna de produção, a China precisará importar ainda mais do que faz hoje. Não será pequeno o desafio de encontrar fornecedores com capacidade de atender essa demanda crescente.

Em 2020, a elevação das compras dos principais produtos agropecuários cresceu de forma impressionante pela China, impactando os preços internacionais. Produtos de interesse do Brasil, como grãos e proteína animal, tiveram aumento das importações chinesas em 28% e 60,4%, respectivamente, em relação a 2019. Quando abrimos os dados de importação de grãos, percebemos que o milho e trigo aumentaram 140% e 130% em relação ao ano anterior. Para a soja, o salto foi menor, 13,3%, em relação a 2019, mas o volume recorde atingiu 100,33 milhões de toneladas. Entre as proteínas animais, o destaque ficou com a importação de carne suína, que chegou a 4,39 milhões de toneladas, um aumento de 108% sobre 2019. A pressão constante pelo aumento da importação de alimentos é um dos pilares centrais da sustentação da política de segurança alimentar do país. Os dirigentes chineses sabem que, mesmo com todo incentivo para aumentar a produtividade agrícola, existem limitações de disponibilidade de terra, água e outros recursos naturais que dificultam a autossuficiência na produção de alimentos para os seus 1,4 bilhão de habitantes.

O medo da dependência de poucos vendedores de alimentos fez o país asiático estabelecer a meta de diversificar o número de fornecedores. Isso significaria depender menos de países como Brasil, Austrália e Estados Unidos. No curto prazo pode parecer impossível que a China encontre outros fornecedores de soja e carne com a qualidade e o preço do Brasil. Mas, os investimentos chineses para desenvolver a agricultura em países africanos e do Sudeste Asiático têm sido enormes. Em maio desse ano, a embaixada da China na Tanzânia comemorou, no Twitter, o primeiro embarque de 120 toneladas de soja em grão cultivadas no país para abastecer o mercado chinês. Pode parecer pouco perto do consumo total de soja na China, mas foi o primeiro embarque. Quem acompanha a velocidade das transformações da economia chinesa sabe que fazer o "impossível ser possível" está no cerne do modelo de desenvolvimento daquele país. Dentro desse cenário, o Brasil também pode se reposicionar no comércio mundial. O País tem um imenso potencial de produção agropecuária e é um aliado indispensável no fornecimento de alimentos para a China.

No ano passado, fomos os fornecedores de 40% de toda carne bovina importada pelos chineses, assim como 64,1% da soja. Existe uma óbvia complementariedade entre a capacidade produtiva do Brasil e a necessidade de consumo da China que ficou ainda mais evidente na pandemia. Enquanto várias cadeias produtivas sofreram com a descontinuidade de suprimentos, o agro brasileiro manteve seus compromissos internacionais e garantiu alimentos seguros. Assim, mesmo com o objetivo de diversificação perseguido pelos chineses, o agro brasileiro continuará sendo um fornecedor conhecido e confiável no mercado mundial. A canção de Bruno e Marrone mostra que a China já está no futuro do agro, seja no comércio ou no sertanejo. Isso sugere que, para diversificar nossas exportações para o país asiático e conhecer o seu consumidor, precisaremos aprender muito mais do que pronunciar "eu te amo" em mandarim. Teremos de dominar o idioma inteiro, deixar os preconceitos de lado e entender aquela cultura. Fonte: Lígia Dutra. Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA). Agência Estado.