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06/Jul/2021

Previsão climática está sendo ameaçada no Brasil

Comprado por US$ 23 milhões em 2010, o Tupã já foi o principal supercomputador do Brasil. Durante oito anos, ele foi uma ferramenta fundamental no processamento e na análise de dados do Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos (Cptec), do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Sem recursos para ser atualizado, porém, o equipamento chega a 2021 operando por meio de “gambiarras”, e o seu desligamento iminente, anunciado no começo de junho, deve causar um apagão de informações meteorológicas no País. Com gasto anual de R$ 5 milhões de energia elétrica e de R$ 1 milhão em manutenção, o Tupã teve seu desligamento antecipado para agosto de 2021 (o plano inicial era dezembro), como anunciado pela diretoria do Inpe no começo de junho. Dos R$ 76 milhões previstos no orçamento do órgão, só R$ 44,7 milhões foram liberados. A verba de cerca de R$ 31,3 milhões destinada pela Agência Espacial Brasileira (AEB) não chegou.

A AEB diz que repassou R$ 26 milhões em junho. Diz também que essas verbas não são destinadas ao custeio do Inpe. Mesmo que os recursos chegassem na totalidade, o orçamento é menor do que os R$ 118,2 milhões destinados em 2020. O desligamento por falta de verba é só o capítulo final do percurso de dificuldades do supercomputador, desde o fim de 2014, a sua operação vem encontrando obstáculos. Tupã, claro, é só um apelido carinhoso: o equipamento é o modelo XE-6 da Cray, empresa norte-americana especializada em supercomputadores. Em 2015, a Cray deixou de vender o modelo XE-6. A partir de dezembro de 2014, o Inpe começou a negociar com a empresa processos de manutenção para a extensão da vida útil da máquina. O último desses acordos tinha validade até 24 de outubro de 2017, ano final em que a Cray garantia peças de reposição para o modelo XE-6. Foi em 2017 que o Inpe comunicou ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTIC) sobre a necessidade da compra de uma nova máquina. Pleiteava-se uma máquina 30 vezes mais veloz.

O custo estimado era de R$ 150 milhões, o que fez com que o projeto não fosse aprovado. A solução encontrada para manter a capacidade de processamento foi mais simples. Por R$ 9,6 milhões, o Inpe recebeu o modelo CX-50, também da Cray, que tinha velocidade um pouco maior do que alcançava o Tupã original. Em 2018, o CX-50 foi anexado ao Tupã. Porém, a operação precisou passar por adaptações importantes. Dos 14 gabinetes que compõem o equipamento original, seis precisaram ser desligados. Além da economia de energia, a medida visava preservar seus componentes, que ganharam status de peças de reposição para os oito gabinetes que permaneceram ligados. Com a capacidade do XE-6 reduzida, as atividades foram separadas. O equipamento mais novo ficou com aquilo que o Inpe chama de processos operacionais: a previsão do tempo, que ocorre ao menos duas vezes por dia, e a previsão sazonal, que mira mudanças climáticas para os três meses seguintes.

O Tupã ficou com a geração de cenários futuros de longo prazo. Ele manteve também o processamento de outras pesquisas climáticas e o backup da operação diária. Com o CX-50, o Inpe planejou estender até 2020 a vida útil do Tupã. Uma das formas para tentar ganhar tempo até a compra de um novo computador foi pleitear junto ao MCTIC a compra de mais dois equipamentos com especificações similares às do CX-50. Além disso, o Inpe e o MCTIC iniciaram em 2019 conversas com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) e acertaram a compra de um equipamento auxiliar. O processo para a chegada da máquina foi conduzido ao longo de 2020. Esse é o mesmo equipamento que, no dia 15 de junho, foi anunciado pelo ministro Marcos Pontes como uma espécie de substituto, após a repercussão negativa sobre o desligamento do Tupã. A máquina, porém, chegaria de qualquer maneira ao Inpe. Pior: o novo equipamento não resolve as demandas do órgão.

É só um paliativo, pois ele é um computador de menor porte. O preço indica que se trata de um equipamento auxiliar: US$ 729 mil. O custo de um novo Tupã gira em torno de US$ 40 milhões. O valor incluiria também a reforma da infraestrutura do Inpe, a mesma desde 1994, para receber a nova máquina. É preciso modernizar o sistema de refrigeração. Em outras palavras, em mais de uma década, o Inpe retrocedeu em capacidade computacional, movimento contrário ao que demanda o processamento de modelos climáticos atuais. Na semana passada, o ministro Marcos Pontes afirmou que o orçamento do Inpe está normalizado. Ele disse também que planeja a compra de um novo supercomputador, mas não deu prazo. Sem o supercomputador Tupã, que pode ser desligado já no mês que vem por falta de verbas previstas no orçamento da instituição, ficam prejudicadas decisões nacionais de segurança alimentar, energética e hídrica. Há ainda impacto econômico e científico no Brasil.

Os dados processados pelo Tupã são fornecidos para o Centro Nacional de Desastres Naturais (Cenad), a Agência Nacional de Águas (Ana), a Diretoria de Hidrografia e Navegação da Marinha (DHN), o Departamento de Controle do Espaço Aéreo da Aeronáutica (Decea), o Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), o Ministério de Minas e Energia, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), além de centros estaduais de meteorologia. A importância se acentua quando é considerado o fato de que o Brasil atravessa a pior crise hídrica dos últimos 91 anos. Em plena crise, o Brasil pode ter um apagão dessas informações. Sem o recurso, ficarão prejudicadas as previsões climáticas de longo prazo, especialmente importantes para eventos climáticos extremos, como períodos de seca. A ausência desses dados também pode causar impacto econômico. Segundo relatório de março deste ano do Banco Mundial, a previsão meteorológica tem impacto de US$ 160 bilhões na economia mundial. No Brasil, a agricultura seria um dos setores prejudicados.

Segundo a Universidade Federal de Pelotas (UFPel), a falta de informações climáticas a longo prazo pode influenciar diretamente no planejamento do plantio e da colheita, e o impacto seria importante para pequenos produtores, pois o Inpe fornece todas essas previsões gratuitamente. Não tem como fazer uma previsão tão assertiva a longo prazo, mas é possível passar para o produtor uma ideia de comportamento. Por exemplo, a última safra atrasou o início do período chuvoso, que impactou no atraso da soja. A maioria das empresas que trabalham com consultoria também usa o produto que o Inpe gera. As previsões de longo prazo do supercomputador também são fundamentais para os relatórios que o Brasil produz no âmbito do Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC), programa das Nações Unidas que visa informar governantes de todo o mundo sobre mudanças climáticas.

Sem os dados do Tupã, há dúvidas sobre o que o Brasil vai fazer. Recorrer a modelos feitos por outros países não parece uma boa alternativa, pois podem ser dados imprecisos. A Universidade de São Paulo (USP) explica que a operação de um supercomputador como o Tupã é uma ferramenta política. É necessário ter o equipamento e justificar quais são os benefícios para o País. Os prejuízos também são científicos. Para que modelos de previsão climática sejam precisos, eles necessitam do processamento constante de informações, quanto mais dados, mais afiados eles ficam. Sem uma máquina desse porte, o Brasil também corre o risco de perder os cientistas especializados em modelos climáticos. O modelador é um ser raro. Ele é quem encontra as soluções para que se chegue a previsões mais precisas. Se não houver como trabalhar com isso, esses cientistas podem começar a deixar o Brasil. Fonte: Agência Estado. Adaptado por Cogo Inteligência em Agronegócio.