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14/Mai/2021

Licenciamento Ambiental: as regras enfraquecidas

Uma das principais mudanças impostas pelo projeto da Lei Geral do Licenciamento prevê o enfraquecimento de regras nacionais que hoje vigoram sobre o setor, repassando a governos estaduais e municípios a atribuição de definir qual tipo de empreendimento precisará de licença ambiental, além do tipo de processo do licenciamento a ser aplicado em cada caso. Essa mudança, que enfraquece a regulação nacional e confronta diretamente com regras já estabelecidas pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), é vista por ambientalistas como um dos principais problemas do projeto de lei. A versão final apresentada a organizações civis não foi objeto de nenhuma audiência pública nem incluído qualquer pleito de especialistas da área ambiental que acompanham o tema, debatido há 17 anos no Congresso. Não há resistência em se aprimorar as regras, mas o entendimento é que o novo texto atropela e fragiliza o licenciamento.

Um dos receios é que, ao atribuir abertamente a Estados e municípios a responsabilidade sobre o que será licenciado, o texto enfraqueça as regras ambientais, uma vez que cada local tende a flexibilizar cada vez mais as regras, para atrair mais empreendimentos. O texto exclui a possibilidade de regulamentos nacionais completando a lei geral, como a lista mínima de empreendimentos sujeitos a Estudo Prévio de Impacto Ambiental (EIA). Delega as definições desse tipo à própria autoridade licenciadora. Isso vai gerar regras diferentes nos 27 Estados da federação, além dos municípios, uma grande confusão, avalia o Observatório do Clima. A mudança vai estimular competição predatória, de forma parecida com a guerra fiscal. É lógico que Estados e municípios podem legislar sobre o tema, mas devem complementar as regras nacionais. A Lei Geral deve cumprir seu papel, não constituir cheque em branco para os licenciadores.

A Associação Brasileira de Entidades Estaduais de Meio Ambiente (Abema) alertou sobre a adoção em todo o País da Licença por Adesão e Compromisso (LAC), as licenças autodeclaratórias. É preciso avaliar com cautela a forma como o instrumento da LAC foi inserido na norma, de forma distinta da que originou essa modalidade no licenciamento pelos Estados. O PL prevê ainda acesso irrestrito a terras indígenas e quilombolas que estejam em fase de estudo. O texto exclui, de processos de avaliação, terras indígenas e quilombolas que ainda foram não homologadas pelo governo, mas que são impactadas por empreendimentos. Hoje, a Constituição prevê que terras indígenas e quilombolas que estejam em fase de demarcação, e que ainda aguardam para serem tituladas, devam ser igualmente consideradas, como aquelas que já tiveram esses processos concluídos, com a homologação e titulação pelo governo. O PL conta com campanha favorável pela Frente Parlamentar Agropecuária (FPA) e o Fórum de Meio Ambiente do Setor Elétrico.

Em publicações em defesa da mudança do licenciamento ambiental, a Frente Agropecuária fala em mais de cinco mil obras paradas no País, entre rodovias, ferrovias e hidrovias. Além disso, o grupo parlamentar também menciona excesso de burocracia e não garantia de proteção do meio ambiente no atual modelo. O fato é que, por 300 votos a 122, a Câmara aprovou o texto-base do projeto de lei que simplifica regras para obtenção de licenças ambientais. A Lei Geral do Licenciamento Ambiental tem como objetivo definir parâmetros gerais a serem cumpridos por empreendedores no caso de obras com risco ambiental, como prazos, exigências de relatórios de impactos no meio ambiente e vigência da licença. Defendido pelo governo como forma de reduzir obstáculos à modernização da infraestrutura no País, o texto foi duramente criticado pela oposição e deputados ligados à pauta ambiental. Vários deles disseram que a aprovação significa deixar "passar a boiada", em referência à fala do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, na reunião ministerial de 22 de abril de 2020, na qual defendeu enfraquecer normas ambientais enquanto a população atravessa a pandemia de Covid-19.

Durante a leitura do relatório, o relator, Neri Geller, afirmou que as normas atuais de licenciamento ambiental geram insegurança jurídica e levam à fuga de investimentos. Na verdade, os investidores internacionais podem até deixar o País, neste momento em que a pauta sustentável está em voga em todo o mundo. Trata-se de um grande retrocesso. A aprovação do texto-base da nova Lei Geral do Licenciamento Ambiental causou indignação generalizada entre parlamentares, organizações ambientais, membros da Academia e especialistas no setor. O texto final foi encaminhado ao plenário sem ter passado por nenhuma audiência pública. Não houve espaço para acatar nenhuma recomendação da ala ambiental, que alertou sobre diversas vulnerabilidades trazidas pelo texto final. Especialistas no setor e juristas preveem uma série de ações judiciais envolvendo o assunto, com desdobramentos no Supremo Tribunal Federal, devido a inconstitucionalidades e desrespeito direto ao que está previsto na legislação nacional.

A Frente Parlamentar Ambientalista, que reúne 216 deputados e 8 senadores, declarou profunda indignação com a aprovação do projeto. É inadmissível que uma proposta como essa seja aprovada pela Câmara dos Deputados diante de tantos desastres ambientais vividos recentemente no País. Provavelmente, com a aprovação desse projeto, o Brasil irá presenciar novos episódios de acidentes socioambientais. Além disso, a medida poderá enfraquecer a segurança jurídica e a judicialização desse importante instrumento ambiental. Os parlamentares ambientalistas afirmam que as tragédias que ocorreram em Mariana e Brumadinho, em Minas Gerais, deveriam ser exemplos reais da importância de realizar debates aprofundados com a sociedade sobre o aprimoramento dessa ferramenta. O meio ambiente e a vida dos povos indígenas e originários encontram-se, mais do que nunca, ameaçados pela política da ‘boiada livre’.

Para o Observatório do Clima, a Câmara votou “a Lei da Não Licença e do Autolicenciamento”. Somando-se as isenções de licença com o autolicenciamento em que foi transformada à licença por adesão e compromisso, sobra pouca coisa para licenciar. Consagra-se o liberou geral. Não é o licenciamento ambiental que trava os investimentos no País. É a falta de planejamento, a visão simplista de curto prazo, a busca por lucro fácil, a ignorância, a corrupção. O mundo está debatendo a retomada econômica lastreada em uma perspectiva orientada para as questões ambientais e climáticas e a Câmara optou pelo retrocesso. O resultado será a luta nos tribunais, tanto em relação ao texto aprovado, quanto em cada um dos licenciamentos ou, corrigindo, dos não licenciamentos. Para a Frente Ambientalista, trata-se do fim do licenciamento ambiental no País. O texto aprovado é considerado a pior versão já vista ao longo de 17 anos de tramitação na Câmara e é uma grave ameaça aos direitos sociais e ambientais.

Desde a semana passada, quando veio à tona o texto final que seria apresentado pelo relator, centenas de organizações ambientais, especialistas no setor, membros da Academia e parlamentares se mobilizaram para tentar demover o presidente da Câmara da ideia de levar uma proposta ao plenário que não chegou a passar por uma única audiência pública. Não houve negociação. Mas, ele já havia assumido o compromisso de pautar o assunto apoiado pela Frente Parlamentar Agropecuária (FPA) e confirmou que levaria a pauta adiante. Um levantamento realizado pelo TCU mostrou que, na realidade, o licenciamento ambiental não respondia por mais do que 1% das obras do País. Fora analisadas mais de 30 mil obras públicas financiadas com recursos federais. Na verdade, menos de 200 projetos tinham paralisações associadas a dificuldades de obter licenciamento. O próprio ministro da Infraestrutura, Tarcísio Gomes de Freitas, chegou a afirmar que o motivo das paralisações não é o licenciamento em si, mas a péssima qualidade dos estudos apresentados pelas empresas e órgãos do governo.

Uma das principais mudanças impostas pelo PL diz respeito à dispensa expressa de licenças para cultivo de espécies de interesse agrícola, pecuária extensiva e semi-intensiva, além de pecuária intensiva de pequeno porte. Outros 13 tipos de atividades ficam isentas da obrigação de serem licenciadas. São projetos como, por exemplo, obras de transmissão de energia elétrica; sistemas e estações de tratamento de água e de esgoto sanitário; obras de manutenção de infraestrutura em instalações preexistentes, como estradas, além de dragagens (retirada de sedimentos) de rios; usinas de triagem de resíduos sólidos; pátios, estruturas e equipamentos para compostagem de resíduos orgânicos; e usinas de reciclagem de resíduos da construção civil. Outra mudança imposta pelo projeto da lei prevê o enfraquecimento de regras nacionais que hoje vigoram sobre o setor, repassando a governos estaduais e municípios a atribuição de definir qual tipo de empreendimento precisará de licença ambiental, além do tipo de processo do licenciamento que é aplicado em cada caso.

Alguns impactos do projeto de lei:

-Nacionalização de Licença por Adesão e Compromisso (LAC): o texto propõe a adoção de licenças autodeclatarórias para todo o País. Esse instrumento da LAC já existe em alguns Estados, mas é aplicado apenas a determinados empreendimentos, e com conhecimento prévio da área ambiental e um termo de referência do que se pretende. A crítica é que, da forma como está estabelecida, a LAC será convertida em um licenciamento automático, com simples declaração pela internet, sendo submetida apenas a uma análise por amostragem.

-Acesso irrestrito a terras indígenas e quilombolas em fase de estudo: o texto exclui da avaliação de impacto e da adoção de medidas preventivas as terras indígenas não homologadas e as terras quilombolas impactadas por empreendimentos. Hoje, a Constituição prevê que terras indígenas e quilombolas que estejam em fase de demarcação, ou seja, que ainda aguardam para serem tituladas, devem ser igualmente consideradas, como aquelas que já tiveram esses processos concluídos, com a homologação e titulação pelo governo.

-Restrição a condicionantes sociais: o projeto limita profundamente o alcance de medidas de redução de impactos causados por projetos. Medidas como a instalação de escolas públicas e postos de saúde, que muitas vezes são incluídas em ações de mitigação e compensação, ficam mais restritas, limitando-se a temas especificamente ambientais, apesar de uma série de impactos sociais que é gerada por empreendimentos.

-Enfraquecimento do ICMBio: o Instituto Chico Mendes de Biodiversidade (ICMBio), órgão que hoje tem poder de veto a empreendimentos que venham a impactar as unidades de conservação federal, tem essa atribuição retirada, a partir do projeto de lei. O PL altera regras do Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza, acabando com o poder de veto do Chico Mendes, limitando sua atuação a uma posição consultiva. Fonte: Agência Estado. Adaptado por Cogo Inteligência em Agronegócio.